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História e patrimônio arquitetônico de Campos em risco preocupam

Genilson Soares é memorialista e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes

Entrevista
Por Ocinei Trindade
30 de março de 2022 - 12h02
Genilson Soares preside o IHGCG (Arquivo)

O Jornal Terceira Via desta semana destaca a reportagem “Campos chega aos 187 anos, mas com perdas no seu patrimônio cultural” (clique aqui). Nesta entrevista, o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes, Genilson Soares, aborda as divergentes datas sobre o aniversário da cidade, além da arquitetura eclética famosa nacionalmente que se encontra ameaçada com o passar dos anos.

Campos tem oficialmente o dia 28 de Março de 1835 como aniversário da elevação de vila para a categoria de cidade. Há quem defenda outras datas como 29 de maio de 1677. Como o IHGC avalia essas datas como comemoração?

O povoamento da planície goytacá remete a datas bem anteriores ao ano de 1835, quando de fato e por meio de um ato jurídico, elevou a então Villa de São Salvador dos Campos a condição de Cidade de Campos dos Goitacazes. Entendemos que 28 de março não representa a grandiosidade histórica de nossa terra e defendemos 1º de janeiro de 1653, data da posse da primeira Câmara de Vereadores, conforme documento de ata do acervo do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Como bem dizia o historiador Alberto Frederico de Moraes Lamego: “Sem documento não há história.”

Nos anos 1990, segundo o guia Michelin, Campos foi apontada entre as cidades de arquitetura mais eclética ou diversificada do país. Seria a segunda atrás do Rio de Janeiro. Há outras referências? Esta característica se mantém?

É notória a variedade de edificações de características ecléticas em Campos. Infelizmente, o que se percebe atualmente é a significativa diminuição desse patrimônio cultural material, por abandono de seus proprietários, principalmente no Centro da cidade.

O patrimônio histórico e arquitetônico da cidade começa a ser eliminado, substituído ou destruído a partir de que momento da História do Município?

Considero a demolição em 1961 da Igreja Mãe dos Homens, juntamente com o antigo prédio da Santa Casa, o marco zero do declínio da nossa arquitetura histórica. Foram duas icônicas construções de extrema importância histórica, que, mesmo tendo tombamento pelo Iphan, conseguiram revogar o ato junto ao então presidente do Brasil, Jânio Quadros, e levaram os prédios aos escombros.  

Temos várias demolições ou descaracterizações ao longo dos séculos. Citamos algumas mais recentes. Como observa essas transformações urbanas, suas consequências e as supostas perdas de identidade arquitetônica?

Obviamente, não se consegue congelar um antigo Centro Histórico e transformá-lo em uma cidade cenográfica, mas é papel dos gestores e dos agentes preservacionistas lutar para que se conserve e perpetue para as novas gerações, as construções mais representativas que fazem parte de memória histórica e afetiva da sociedade. A falta de preservação do patrimônio arquitetônico terá como consequência a perda da nossa própria identidade.

Igreja Mãe dos Homens e Santa Casa demolidas em 1961

Ainda há um conjunto de prédios históricos tombados pelo Coppam em péssimo estado de conservação. São casas particulares e edifícios de entidades privadas como Asilo do Carmo e Solar da Baronesa, além do Solar dos Ayrizes. Que futuro há para essas construções e como incentivar a preservação desses conjuntos?

Primeiro é levar informação e desmistificar o entendimento equivocado por parte do proprietário particular, que tombamento engessa o imóvel. Existem mecanismos de incentivo a preservação, entre eles a redução no valor do IPTU. A Câmara de Dirigentes Lojistas, por meio do seu presidente Edvar Jr., que é membro do Coppam, está dando assessoria aos seus associados sobre o assunto. Para os prédios públicos, penso que a saída e inserí-los em um circuito turístico, para gerar renda e torná-los autossustentáveis.

Até onde poder público e iniciativa privada poderiam auxiliar na preservação de prédios de arquitetura relevante?

É dever de todo gestor público, zelar pelo patrimônio material da instituição que se encontra sob a sua responsabilidade, pois se assim não o fizer, pode responder por improbidade administrativa. A administração pública tem que ser a primeira dar o exemplo, preservando, promovendo e dando finalidade aos prédios históricos que fazem parte do seu acervo patrimonial. Se ela não fizer o dever de casa, não terá como cobrar e estabelecer parceria com a iniciativa privada.

Praça São Salvador nos anos 1940

Campos conseguiu recuperar alguns prédios históricos como a sede do atual Museu Histórico e a Villa Maria que já foi ocupada pela Prefeitura e está sob responsabilidade da Uenf. Há outros prédios e praças que queira destacar quanta à necessidade de restauração?

A lista é grande, mas posso destacar o antigo Museu Olavo Cardoso, o Asilo da Lapa, o Hotel Gaspar, o Hotel Barão do Amazonas, o coreto da Praça Barão do Rio Branco, o Chafariz Belga, os Solares Ayrizes, Baronesa e Carapebus, e, em especial, o Mercado Municipal.

Do ponto de vista arquitetônico e urbanístico, quais as suas impressões sobre a Campos dos Goytacazes atual? O que pode mudar ou melhorar?

Vejo grandes contradições, pois somos uma planície e a cidade está se verticalizando. É um adensamento desenfreado de prédios residenciais, principalmente no Parque Tamandaré, que o campista chama de Pelinca. Estão sacrificando a qualidade de vida pelo padrão. A saída são os condomínios horizontais que atualmente estão sendo lançados na direção do Jockey Club e Penha. Outro entrave é a revitalização do Centro Histórico, projeto que até hoje não se efetivou. A região amarga decadência e esvaziamento econômico, tendo como consequência a falta de manutenção pelos proprietários de muitos prédios históricos de uso comercial que hoje se encontram fechados.

Antiga sede do Banco do Brasil, Centro de Campos, nos anos 1950

Neste aniversário da categoria de cidade de 187 anos, o que sugeriria de presente para Campos arquitetônica e urbanisticamente?

Nossa cidade precisa de uma nova sinalização viária urbana; intervenção de suma importância para garantir a qualidade das vias, redução do tráfego e segurança dos campistas.

O que pode destacar sobre preservação do patrimônio histórico e arquitetônico da cidade?

Quero concluir destacando a questão da Educação Patrimonial, considerada como um instrumento de “alfabetização cultural”, e que deveria ser disciplina obrigatória nas escolas. A saída para preservação do nosso patrimônio cultural, material e imaterial, está nas novas gerações. Elas precisam ter condições de fazer a leitura do mundo que as rodeiam, compreender o universo sociocultural e a trajetória histórico-temporal em que elas estão inseridas. É um processo de autoestima, pois você só ama e preserva aquilo que conhece.