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Chuvas põem à prova sistema de drenagem de Campos

Alagamentos frequentes em vários pontos trazem questionamento sobre a eficácia de obras no município

Geral
Por Ocinei Trindade
14 de fevereiro de 2022 - 0h01
Parque Alberto Sampaio| Piscinão chegou a ser construído no local, porém não evita acúmulo d’água

As chuvas constantes têm provocado elevação do nível dos rios e canais, além de alagamentos em diversos pontos de Campos dos Goytacazes. Antigos e novos locais de inundação colocam à prova o sistema de drenagem do município. No passado, a cidade passou por grandes obras de engenharia para combater enchentes. Este tema foi reportado pelo Jornal Terceira Via em fevereiro de 2020. (Veja aqui) Foram erguidos 38 diques, um deles fica no Cais da Lapa. Mais recentemente, houve a construção de cisternas ou “piscinões”. Porém, os alagamentos frequentes causam insatisfação e questionamentos. Opiniões sobre a eficiência das obras divergem entre o poder público, técnicos e a população, esta a mais afetada ao enfrentar áreas alagadas em zonas urbanas e rurais.

No dia 2 de fevereiro, a chuva pesada que caiu sobre Campos resultou em diversos pontos alagados. Com a diminuição do volume pluviométrico, foi observada relativa demora para o escoamento das águas represadas. Um desses locais fica ao lado do camelódromo, no Parque Alberto Sampaio, trecho bastante afetado quando chove forte. “A água chegou até o joelho no camelódromo. Levou mais de 24 horas para baixar”, diz o vendedor Felipe Cordeiro. O comerciante André Tavares conta que desta vez deu tempo de tirar as mercadorias. “Tivemos prejuízos de mais de R$ 2 mil em outra ocasião”, revela. No local existe uma cisterna ou piscinão, mas que demonstra não suportar elevado volume de água.

Shopping Popular| Permissionários se queixam de prejuízos econômicos

O comerciante Deleon Medeiros já teve vários prejuízos e perdeu as contas de alagamentos no camelódromo. “O piscinão parece insuficiente quando chove forte. Este ano me surpreendeu também os alagamentos no bairro Nova Campos, em Guarus, onde moro. Isso não acontecia antes”, conta. Além do camelódromo, o comerciante Elton Pessanha enfrentou alagamento onde mora, na Rua Nova, próximo ao acesso da Ponte Alair Ferreira, em Guarus. A área ficou um ano interditada para obras de drenagem. “Na última chuva, alagou novamente. Há problemas ainda nas Ruas Souza Motta, Estilac Leal, buracos fundos e muitas crateras no asfalto. As obras que fizeram não deram muito resultado”, afirma.

Para o secretário municipal de Obras e Infraestrutura, Jorge William Cabral, Campos é a cidade do Estado do Rio com o maior número de “cisternões”, reservatórios subterrâneos que captam as águas das chuvas torrenciais e a questão do camelódromo é pontual. “Super bombas bombeiam milhões de litros de água dos cisternões para o Rio Paraíba do Sul e para os canais que deságuam na Lagoa Feia. No Parque Alberto Sampaio não há mais necessidade de obras porque elas já foram feitas e canalizam as águas para o Canal Campos-Macaé. O problema é que o Campos-Macaé aduz a água para o Canal de Tocos, que está muito assoreado e com muita vegetação. Isso causa retenção do fluxo do Canal que ocasiona lentidão na drenagem na região do Alberto Sampaio. No caso das chuvas torrenciais  da última vez, foram 148ml/cm² em 24 horas. Volume esperado para o mês de fevereiro”, explica.

Guarus | Acesso à Ponte Alair Ferreira pela Rua Nova também é ponto de constantes inundações

Ainda segundo Cabral, a Prefeitura de Campos já solicitou ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) providências para dragagem do Canal de Tocos e desobstrução de outros canais do município, a fim de evitar alagamentos e lentidão no escoamento das águas. A reportagem não conseguiu um posicionamento do Inea.

“A atual gestão fez e continua fazendo intervenções nestes sistemas de drenagem. A cada chuva torrencial, devido aos materiais levados para dentro dos bueiros e para dentro dos cisternões, a Secretaria de Obras e Infraestrutura realiza reparos nos bueiros, nas bombas e nas galerias nos pontos que apresentam eventuais obstruções”, diz.

Problemas urbanos estruturais

Para Ernani Alves, integrante da Associação Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos (Anfea), a situação dos alagamentos em Campos decorre da falta de manutenção das galerias de águas pluviais e da impermeabilização das ruas com concreto asfáltico.

“Temos também a contribuição da população mal-educada que entope os bueiros com lixo. Os piscinões funcionaram bem quando da sua construção, e até quando sofriam manutenção preventiva. Mas, infelizmente, só são lembrados quando ficam inoperantes. O poder público precisa fazer o dever de casa com limpeza ou refazer as galerias já existentes há mais de 60 anos, desde quando a cidade tinha apenas 120 mil habitantes. Seria um bom início para sanar alguns problemas. Tudo isso apoiado em um projeto de drenagem eficiente”, avalia Ernani.

Rocha Leão | Tráfego da BR-101 fica paralisado em dias de alagamentos

O ambientalista Aristides Sofiatti explica que Campos se ergueu em uma planície fluviomarinha a partir do século XVI. “Segundo a Prefeitura, existem 19 piscinões. Eles estão abandonados e entupidos. Quando chove um pouco mais forte, já se sabe onde haverá alagamentos: cabeceira da ponte Leonel Brizola, no lado de Campos. Ali, existia a Lagoa do Osório, que foi mal drenada. A ponte ajuda os alagamentos porque funciona como um rio que canaliza as águas da chuva para a antiga lagoa. Já foi construído um sistema de drenagem para o canal Campos-Macaé, mas se tratou de uma sofrível obra de engenharia. No cruzamento da Rocha Leão com a Estrada do Contorno existia a Lagoa do Saco, também mal drenada e com um piscinão ineficaz. Na Rua Formosa, trecho em que fica o 8°BPM, existia a Lagoa Santa Ifigênia. Na Rua Edmundo Chagas, perto do edifício Salete existia a Lagoa João Maria. Em torno do Cepop havia a Lagoa do Goiabal, também mal drenada. Os piscinões locais não atendem aos alagamentos em áreas com rebaixamento do terreno”, considera.

O geógrafo e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, observa que o problema com alagamentos se torna mais visível com a alteração dos padrões de chuvas e eventos meteorológicos mais extremos. “Os alagamentos são a ponta de um iceberg dos problemas urbanos. Essas intervenções foram parciais e insuficientes. Campos, apesar de já ter mapeado as áreas que deveriam ser alvo de intervenções retificadoras e de ações de preservação ambiental em seu Plano Diretor Municipal, não possui ações estruturantes para cuidar dos alagamentos. Na prática, estamos sentados sobre uma bomba de tempo. Há situações que vão perturbar bastante as vidas dos campistas. O que temos visto em cidades e estados atingidos por chuvas intensas é que estamos completamente despreparados para a nova realidade climática”, avalia.

Questões climáticas e ambientais

Pelinca | Área nobre da cidade também não fica de fora do problema

O técnico em Meteorologia, Carlos Augusto Souto, considera que há 20 anos ocorre um acentuado fenômeno de mudança climática global. “O que Campos sofre com alagamentos é resultado disso também”, diz. Segundo ele, com os efeitos climáticos extremos, são necessárias adequação e adoção de  mudanças de comportamento e educação ambiental:

“Temos vivido picos de chuvas e picos de secas. Chama a atenção a intensidade desses extremos. Há uma solicitação do governo municipal para considerar Campos como clima semi-árido, mas diante de tanta chuva, isto se afirmaria? Os piscinões ajudam, mas não resolvem completamente o problema. Obras de engenharia muito grandes são caras e parecem inviáveis no momento”,  opina.

O geógrafo Marcos Pedlowski diz que a população deveria abandonar “a postura de espectadores de catástrofes”. Segundo ele, “o ambiente urbano deve ser acessível e equilibrado em oportunidades a todos. Isso só será possível com mais organização política. Sem isso, temo que o futuro das cidades brasileiras seja tão tenebroso quanto o que temos assistido com as inundações deste início de 2022”, afirma.

Aristides Sofiatti considera fundamental o desempenho do poder público. “Os gestores devem saber bem onde Campos assenta os pés, considerar que o clima está mudando e adaptar a cidade a um novo normal, não atuando apenas em momentos críticos para esquecer que os problemas existem até as próximas chuvas”, diz.

Os problemas ambientais não podem ser negligenciados também pela população, segundo Carlos Augusto Souto. “Temos sido negligentes. A conta é alta. Os gestores precisam atentar sobre os impactos e tomar providências urgentes. Muitos lugares, e até cidades, podem desaparecer com alagamentos e erosão”, conclui.