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“Problema de moradia impacta diretamente sobre população em situação de rua”, diz pesquisadora da Uenf

Luciane Silva defende maior participação do poder público e da sociedade civil no enfrentamento do problema

Entrevista
Por Ocinei Trindade
7 de agosto de 2021 - 12h30
Pessoas em situação de rua atendidas pelo Centro Pop de Campos (Fotos: Silvana Rust)

Durante toda esta semana, o Jornal Terceira Via destacou algumas questões que envolvem a população em situação de rua em Campos dos Goytacazes. A reportagem “O desafio do Centro Pop no drama da população em situação de rua” (clique aqui) aborda o tema que é debatido também por especialistas. A socióloga, pesquisadora e professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Luciane Silva, defende maior participação do poder público municipal e da sociedade civil organizada no enfrentamento do problema de pessoas que vivem nas ruas da cidade.

Como observa o problema de pessoas em situação de rua em Campos dos Goytacazes?

O problema das pessoas em situação de rua em Campos dos Goytacazes não é um problema isolado, mas também das grandes capitais. É um processo longo de recessão econômica no país. No caso da região Norte Fluminense, há uma recessão específica na cidade Campos, na Bacia de Campos, dos investimentos, e do desemprego causados pela pandemia. São alguns fatores que ajudam a explicar o problema que não é resultante da pandemia, mas que certamente foi agravado por ela, junto com a subida dos alugueis. A gente tem nesse momento muitos imóveis fechados, prédios novos com poucos apartamentos ocupados. Isto mostra que as pessoas mesmo com o poder aquisitivo maior não têm conseguido locar ou manter seus investimentos e imóveis. Isto faz parte de uma crise nacional.

Como avalia o desempenho do poder público na assist~encia a essas pessoas?

Acho que o poder público municipal falha muito quando não consegue agir com a celeridade necessária, e burocratiza os processos durante a pandemia que deveriam ser agilizados. A considerar, por exemplo, a quantidade de prédios e espaços que podem acolher essa população; a considerar a necessidade de uma ação efetiva que pense a produção de renda para essa população. A alimentação durante o funcionamento do Manoel Cartucho no tempo que estivemos lá não tinha médicos atuando. As rubricas do governo federal foram mal-utilizadas e não temos transparência de seu uso. Então, temos um problema com a burocracia e com a visão de alguns agentes públicos têm sobre a população em situação de rua, os usuários de drogas e desempregados em geral e pobres em geral. Vemos problemas com os próprios gestores. Isto acaba complicando a situação que Campos vive;  não só pela ausência que nós vemos da capacidade de dar resposta à fome. Acho que a Praça São Benedito com o trabalho das freiras é uma demonstração disso. Me parece que a sociedade civil, as universidades, as sociedades religiosa, as associações de bairro e os grupos independentes que acabaram abraçando muito dessas pessoas, enquanto o poder público alegou quase sempre obstáculos quase sempre para efetivar ações que seriam decisivas no combate ao aumento de população em situação de rua.

Luciane Silva é socióloga e professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense

Como lidar, minimizar ou resolver essa questões de pessoas em situação de rua? Os equipamentos públicos e voluntariados contribuem de que modo ?

Nós temos espaço, temos um restaurante popular onde as filas demonstram a necessidade de se olhar com mais carinho a produção de alimentos em Campos. Temos uma rede de agricultores familiar que tem condições e precisa ser ampliada, principalmente para a melhoria da segurança alimentar da população. Nós temos que investir em políticas públicas de abastecimento, principalmente a considerar a cesta básica, e qualificar melhor os equipamentos da Prefeitura que atendem a essas populações. Tanto do ponto de vista dos profissionais que trabalham, quanto da inclusão através dos conselhos que precisam ser fortalecidos pela sociedade civil. Quanto mais a universidade e os sindicatos estiverem presentes no Conselho de Desenvolvimento Social, no Conselho de Patrimônio e Cultura, nós temos que estabelecer rapidamente uma Secretaria de Habitação em Campos para resolver o problema da moradia que acaba impactando diretamente sobre a população em situação de rua. Porém, não devemos ter os mesmos conselhos de décadas atrás, que eram apenas simulacros de ações. Os conselhos têm que ter ata, têm que ser abertos à população; e precisam de divulgação na Internet para que as pessoas saibam que essas reuniões estão acontecendo. Os conselhos precisam visar grandes conferências sobre a situação da população que vive na rua, sobre geração de renda, sobre gravidez na adolescência, sobre moradia. Temas que são fundamentais na cidade de Campos.

Como socióloga e professora, que sugestões daria para o poder público e sociedade de Campos?

Nós precisamos do ativismo e do protagonismo da sociedade civil. A considerar que pós a Constituição de 1988, os municípios adquiriram um protagonismo muito grande dentro do pacto, dentro do que é o Brasil, nos anos 200, e, particularmente, em 2021. Deveríamos ter o envolvimento do empresariado, da CDL, o que não tem acontecido. Uma sociedade que continua vivendo de forma privada e que não compreende que o problema social é de todos, é uma sociedade fadada ao fracasso, à fragmentação, à violência e à doença. A saúde, a prosperidade, a educação só podem vir do envolvimento das pessoas com as questões do Estado, particularmente da cidade.