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O desafio do Centro Pop no drama da população em situação de rua

A rede de acolhimento conta ainda com a Casa de Passagem, Abrigo Lar Cidadão e Abrigo Manoel Cartucho que oferecem alimentação, higiene e apoio

Campos
Por Ocinei Trindade
1 de agosto de 2021 - 0h01
(Foto: Silvana Rust)

Pessoas sem rumo, sem lar, sem garantias de um futuro com segurança, com dependência química. São algumas características do público que passa todos os dias pelo Centro de Atendimento para Pessoas em Situação de Rua, órgão da Prefeitura Municipal também chamado de Centro Pop. Um drama diário que envolve esses vulneráveis, mas também os profissionais que prestam serviço e tentam ajudar. Atualmente, a população em situação de rua em Campos dos Goytacazes é estimada em 130 indivíduos. Reinseri-los na sociedade é uma tarefa complexa e nada simples. Entretanto, há vontade e esperança.

O Centro Pop é um equipamento criado pelo governo federal com uma série de responsabilidades para municípios capazes de geri-lo. Em Campos, foi criado na gestão de Rosinha Garotinho por meio do Decreto 7.053, de 2009. São quatro unidades que prestam auxílio à população em situação de rua. Além do Centro Pop, há ainda a Casa de Passagem, Abrigo Lar Cidadão e Abrigo Manoel Cartucho. As unidades oferecem alimentação, higiene, além de acompanhamento e encaminhamento para a rede Socioassistencial. A Prefeitura de Campos mantém convênio com o Abrigo Francisco de Assis, com 11 vagas para pernoite. A procura é grande e independe da estação do ano, mas no inverno tem sido maior.

Coordenadora do Centro Pop, Maria Amélia Lopes (Foto: Silvana Rust)

“Veículos de cidades vizinhas continuam trazendo pessoas em situação de rua para Campos. Elas são expulsas de outros lugares. Nestes seis meses, conseguimos reinserir na sociedade 17 pessoas. Foram enviadas com passagem de ônibus pagas para Niterói, Pádua, Bahia, Maranhão, Macaé. A gente fica feliz quando consulta as famílias que querem eles de volta. Eles são acompanhados pela equipe até o embarque, vestidos com roupa limpa e higienizados. A gente tenta minimizar um pouco a cada dia. Oferta o melhor, o nosso coração. Para estar aqui dentro tem que gostar. Os problemas aqui são inúmeros. Eles estão à deriva, entregues às drogas. É muito complicado. Desses 130 atuais, 20% são de Campos. A maioria vem de fora”, explica a coordenadora do Centro Pop, Maria Amélia Lopes.

Há quase dois meses, o administrador e gráfico Grecivani Souza chegou a Campos. Veio do Rio de Janeiro. Desempregado, não conseguiu ainda se estruturar. Para se manter, conta com a ajuda do Centro Pop.

“Encontro aqui amparo alimentício, mas algo maior, como reestruturação para tentar voltar ao mercado de trabalho. A gente tem essa oportunidade. Temos que ter sonhos maiores. Tenho um planejamento, sonho, organização e ação. Eu não dependo só de alimentação física. Quero em dois meses ter meu lar. Eu não me aceito na rua. Quando precisei, fiquei em pé na rodoviária. Eu tive uma vida social. Quem opta pela rua, perde muito a dignidade. Aqui fiz amigos. A gente precisa entender o que leva as pessoas às ruas. Cada um tem sua dificuldade”, diz.

Grecivani Souza veio do Rio de Janeiro e elogia o apoio recebido no Centro Pop (Foto: Silvana Rust)

Grecivani consegue se alimentar e dormir em um dos abrigos, mas nem sempre há vagas para todos. Este é o caso de Gabriel Duarte, 25 anos. Por causa da dependência química, a relação familiar ficou difícil. Há três dias estava dormindo na Praça São Salvador, pois ainda não tinha achado lugar para se abrigar em uma das unidades municipais.

“Tem sido horrível. Digo que não uso mais drogas, mas as pessoas não acreditam. Perderam o respeito por mim. Nunca dormi na rua antes. Aqui na Casa de Passagem, tomo café, almoço, lancho e tomo banho. Tenho formação. Sou açougueiro, padeiro e pintor de carro, mas não consigo trabalho”, diz o jovem que nasceu em Goiás, mas veio para Campos onde é pai de dois filhos de 8 e 6 anos. A reportagem identificou outras cinco pessoas que não conseguiram vagas em dormitórios.

A dependência química também afetou os laços familiares de Bruno Areas, 26 anos. Nascido em Campos, há três anos ele vive nas ruas da cidade. “Como vocês da reportagem podem me ajudar?”, questionou. Ele já passou por várias instituições para se livrar das drogas, mas ainda não conseguiu. Para a diretora de média complexidade do Centro Pop, Terezinha Mendes, o problema com entorpecentes é uma tragédia que ela acompanha desde 1992. “Ainda não há vagas, mas vamos conseguir encaixar o Gabriel. No caso do Bruno e de muitos outros, há os que preferem continuar nas ruas, pois aqui dentro há exigências de disciplina, algo que muitos não querem ou não conseguem”, comenta.

Equipe multidisciplinar do Centro Pop oferece apoio à população em situação de rua em Campos dos Goytacazes (Foto: Silvana Rust)

Preconceito e rejeição
O Centro Pop está montado na Rua Barão da Lagoa Dourada, endereço nobre de Campos. Segundo os funcionários, tem havido queixas e reclamações de vizinhos com a circulação de pessoas em situação de rua no local. “A sociedade quer higienizar, tirar das ruas as pessoas que incomodam, é muito fácil julgar. A gente tenta dar um clima de lar. Eles não querem só comida, mas afeto e atenção”, diz a psicóloga da instituição, Lais Guzzo. Ela diz que a ressocialização familiar e a reintegração ao mercado de trabalho são difíceis.

“Eles têm muita necessidade de conversar. O vínculo familiar é fragilizado. Temos pessoas que desde os 9 anos de idade estão nas ruas. São muitos anos. A sensação de resolver o problema é uma realização muito grande. Temos o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que faz o tratamento de desintoxicação. É muito gratificante quando conseguimos”, conta.

Os homens são o maior público em situação de rua, segundo a assistente social Flávia Reis. “A gente tenta ofertar acolhimento para dar segurança a essas pessoas. Temos alguns resultados positivos, mas nem sempre conseguimos. Há dois meses, a morte de um casal que morava há anos na rua, próximo ao Estádio do Goytacaz, me chocou. Por anos tentamos reinseri-los, mas preferiram ficar na rua. Ambos morreram de tuberculose. A gente se envolveu antes e depois. Foram três dias para conseguir realizar o sepultamento”, desabafa.

Para a subsecretária de Desenvolvimento Humano e Social, Mariana Silva, a equipe exerce a humanidade ao ouvir as pessoas da rua. “Me comove o tratamento e o acolhimento. São pessoas dormindo no chão, sem alimento, isoladas da sociedade. Vejo a necessidade delas quando cumprimentamos com “bom dia”. Coisas que parecem simples, mas fazem diferença para essas pessoas se sentirem importantes”, avalia.

Desafios e aperfeiçoamento
Para o mestrando em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Igor Abreu, a ausência de moradia se apresenta como uma dentre tantas determinações que afetam a vida dessa população.

“É importante fazer investigações qualitativas para superar o ‘desconhecimento generalizado’ que se tem sobre essa população de rua. Minha pesquisa atual busca compreender em que medida o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento para População em Situação de Rua (Ciamp-rua) tem possibilitado a inserção desse público ao acesso às políticas públicas”, diz.

Para a socióloga e professora Luciane Silva, os conselhos municipais precisam visar grandes conferências sobre a situação da população que vive na rua, sobre geração de renda, sobre gravidez na adolescência e sobre moradia. “Nós precisamos do ativismo e do protagonismo da sociedade civil. Deveríamos ter o envolvimento do empresariado. Uma sociedade que continua vivendo de forma privada e que não compreende que o problema social é de todos, é uma sociedade fadada ao fracasso, à fragmentação, à violência e à doença. A saúde, a prosperidade, a educação só podem vir do envolvimento das pessoas com as questões do Estado, particularmente da cidade”, defende.

De acordo com a assistente social Eliana Feres, integrante do Conselho Municipal de Assistência Social, a presença de moradores de rua incomoda e desconcentra uma parte da sociedade que desconhece o processo de exclusão social produzido pela sociedade capitalista.

“Essa exclusão relaciona-se com situação extrema de ruptura de relações familiares e afetivas, além da ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho e de não participação social efetiva. Assim, pessoas em situação de rua são observadas como vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento para População em Situação de Rua, criado em 2018, e formado por representantes da sociedade civil, poder público e representantes dos usuários para discussão coletivas e intersetoriais de políticas, que não está funcionando desde a nova gestão. É necessário maior articulação intersetorial (assistência social, saúde, trabalho e renda) para que o poder público possa atender com mais eficiência as demandas trazidas pela população em situação de rua”, conclui.