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Queda do preço do petróleo e diminuição dos royalties são analisadas por especialista

José Luis Vianna Cruz é coordenador do InfoRoyalties da Universidade Cândido Mendes: "situação grave"

Entrevista
Por Ocinei Trindade
4 de maio de 2020 - 15h35

José Luis Viana Cruz é cientista social: análise sobre queda dos royalties e pandemia

O cientista social José Luis Vianna Cruz é um dos entrevistados da matéria especial  desta semana do Jornal Terceira Via, “Preço do petróleo cai e preocupação aumenta – tudo isso afeta a receita campista”. Nesta edição on line, publicamos na íntegra a fala do professor dos cursos de Mestrado e Doutorado da Universidade Cândido Mendes que se dedica como coordenador do site InfoRoyalties da Ucam. Estudioso sobre temas ligados à produção de petróleo no país e no mundo, José Luis analisa a queda do preço do barril do petróleo, a diminuição do repasse de royalties para Campos, além da crise econômica gerada a partir da pandemia do novo coronavírus.

O valor do preço do barril de petróleo despencou no mercado internacional e isso se refletiu no Brasil, na Petrobras, e no repasse de royalties. Como avalia este momento?

A questão do petróleo é muito complexa, é mundial. A economia do petróleo sempre teve um grau elevado de imprevisibilidade e de volatilidade. Ela agora está extremamente volátil, instável e imprevisível. Nós temos várias crises como a do final de 2014. A diminuição do ritmo de crescimento da China gerou um menor consumo ali, e isso impactou o petróleo a nível mundial e os preços baixaram; No caso do Brasil, isso repercutiu mais gravemente em Campos, e, de certa forma em 2010, impactou no pré-sal; isso diminuiu a quantidade de petróleo no mundo. Pouca gente fala, mas aumentou muito o número de reservas no mundo com novas descobertas no Canadá, Estados Unidos, Índia, Irã, China, Brasil. Os EUA viraram exportador de petróleo. Novas descobertas, aumento das reservas, aumento da produção americana, a queda de crescimento da China, tudo isso impacta. O Brasil já vinha em crise desde 2014, diminuiu o número de commodities no mundo, e o Brasil se especializou em produtos primários. Os desfalques para o Brasil refletem na diminuição para a economia e renda em locais como São Paulo. A situação do Rio de Janeiro é uma tragédia. A Petrobras, para resolver problemas de dívidas, vendeu ativos e retirou a presença no refino e na distribuição, na ponta dos postos, transporte, rede de gasodutos. Praticamente se concentrou na exploração e distribuição de petróleo, onde justamente se dá a crise. Há um baque para companhia profundo.

Apesar do preço baixo do barril, o dólar está valorizado frente ao real. Esse câmbio influencia de que maneira para favorecer o repasse de royalties?

Em tese, quando a moeda se desvaloriza, é melhor para o país exportador. Isso pegou o Brasil no contrapé, porque o Brasil passou a depender mais de importações. Desde o governo de Michel Temer,  acabou a política de conteúdo local que sustentava a indústria naval com conjunto de equipamentos, empregava mais de 100 mil trabalhadores. As encomendas das indústrias nacionais e estrangeiras atuando no país tinham percentual elevadíssimo de obrigação de ser comprado no mercado nacional. Com a queda, os estaleiros estão reduzidos a nada. Tudo que era comprado no Brasil passou a ser importado. A indústria petrolífera brasileira, de indústria nacional passou a ser importadora na hora que o dólar dispara. Na balança,  o que entra e sai de dólar, o Brasil está em desvantagem.

A Petrobras anunciou a hibernação de plataformas em todo o país. Para a Bacia de Campos, o que pode resultar com a diminuição das atividades ?

São 64 plataformas que a Petrobras vai hibernar  ou suspender produção. Elas se tornaram anti-econômicas diante da queda do preço do petróleo. Em geral, são poços mais antigos, maduros, com o tempo produzem menos com custo maior. Dependem de um elevado investimento para serem compensatórios. Na Bacia de Campos são seis  plataformas, com redução de 23 mil barris dia. No Brasil inteiro, redução de 200 mil barris. Para nós, é mais um impacto desde 2014, com queda de preços que  diminuem o valor de royalties e participações especiais, queda da produção, maturação dos postos, como nessa hibernação.

A  pandemia mundial de coronavírus surge quase ao mesmo tempo que o preço do petróleo despenca depois da crise envolvendo Rússia, Arábia Saudita e EUA. O que significa isto para os preços no Brasil e como a economia brasileira deve se portar nestes próximos meses?

Os preços despencaram de 100 dólares para 20 dólares. Uma queda absurda. Ficou pouco tempo entre 20 e 30 dólares, e pouco tempo ficou acima dos 100 dólares. A disputa entre Rússia, EUA e Arábia Saudita não está resolvida. Ela se dá em tentar o preço para cima para ser compensatório para todos. A Arábia Saudita produz a preços irrisórios, 6 a 8 dólares o barril. Ela cria dificuldade para a Rússia e os Estados Unidos com preços que compensem. Quanto à pandemia, há um grau de imprevisibilidade muito grande. Depende do tempo da redução das atividades, alguns países reduziram a zero. O efeito vai ser diferente em cada setor e segmento da economia. Alguns países optaram pelo lockdown. O comércio e serviços são os primeiros a voltar, os últimos serão o entretenimento, jogos, grandes estádios, grandes shows. Como é mundial, como se reorganiza o comércio mundial? Quem vai ter segurança para investir? Quem vai ter segurança para retomar? Como será a retomada? Se demorar muito, alguns setores  vão à falência. Vão recorrer a bancos e ao sistema financeiro para recuperar. Essa ajuda financeira é cruel. Quem se recuperar sairá altamente endividado, como setores aéreo e de transporte. É imprevisível. O impacto é imenso. A recessão mundial é visível. Países desenvolvidos reduzirem a 5 % sua produção é um rombo enorme. Alguns ramos para se reativar vão depender de fornecedores e consumidores. Com o confinamento não podemos consumir alguns bens e serviços. A volta às atividades será diferente em cada país. Não sabemos como será para cada um se recuperar. Há alguns especialistas que consideram o ano de 2021 morto por  para se levantar do caos. Os pobres, trabalhadores serão os mais afetados. O empresariado raciocina sem querer se sacrificar. Se for bonzinho, é engolido pelo mercado.

A dependência dos royalties, e agora com decretos suspendendo atividades econômicas não essenciais por causa da Covid-19, o que se pode esperar nos próximos meses com esta situação?

Cada país tem que resolver suas questões enquanto nação. O papel do Estado é fundamental por ser o único ente em uma nação que concentra os fundos públicos, que tem a capacidade de arrecadar e reunir os recursos financeiros, além de emitir dinheiro. Porém, o Estado pode ter um papel equilibrado em relação à nação, ou favorecer grandes empresas e sobrecarregar os pequenos e médios produtores. Vamos todos ficar dependentes dos fundos públicos. O setor de Internet está bem, porque dependemos todos das plataformas e sites para nos comunicar. Os ganhos de redes sociais são extraordinários.  Nossos perfis são utilizados para fornecimento de dados para grandes empresas. Ficamos dependentes do Estado que ficará na corda bamba em não patrocinar tragédias como pessoas famintas e desempregadas. Nossas filas aqui em Campos já nos apavoravam. Víamos isso na tevê na Ásia e na África, multidões sem comida, sem teto, e sem renda. O Estado tem que ser articular no cenário estadual e municipal. Há barreiras que os nosso poderes públicos não enfrentam. Será preciso reformular o nosso federalismo: o que cabe ao município, estado e governo nacional. Há muito desperdício de dinheiro na repartição fiscal que é desigual e injusta. Todo mundo quer ganhar só para si a maior fatia. O governo federal faz política com isso. Se não avançarmos no federalismo fiscal, nosso caso ficará muito complicado. Nossa tragédia dos royalties e participações especiais será mais grave porque a gente cresceu para ser sustentado por uma renda bilionária que não tem mais. Temos uma base de custeio para um determinado nível de orçamento que não temos mais.

O que é  importante destacar nesse momento de crise do petróleo e da saúde pública? 

Nós estamos em uma crise humanitária e civilizatória. Temos que ser o mais solidário possível, sermos ativos em fazer ajuda e colaboração, mas também cobrar responsabilidade do Estado com seus cidadãos. Temos que ter uma perspectiva de compreender a importância do Estado, de uma infra-estrutura universalizada para atender a todos os cidadãos sem exclusão. A gente tem que repensar políticas públicas, reorganização do Estado, federalismo, se voltar para as questões sociais, desmanchar o emaranhado do sistema fiscal brasileiro. Recuperar a solidariedade e alteridade, recuperar valores brasileiros em condições horizontais. Temos que focar na emergência e na urgência. O papel do Estado ao reunir fundos públicos para promover humanidade e saúde, além do processo civilizatório.