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Ciclofaixas dividem opinião na cidade

Mudanças reduziram vagas para estacionamento e geraram críticas

Especial J3
Por Ocinei Trindade
21 de janeiro de 2024 - 0h01
Infração grave|Trafegar sobre ciclovia ou ciclofaixa gera perda de cinco pontos na carteira e multa de R$ 195,23 (Foto: Josh)

Nos últimos três anos, moradores de Campos dos Goytacazes acompanham novas mudanças e adaptações no trânsito da área central. A Prefeitura, por meio do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT), investe em recapeamento asfáltico, sinalização, implantação e ampliação de ciclofaixas, além de extinção de vagas para estacionar nas vias de grande movimento. Alguns comerciantes protestaram pela criação de ciclofaixas e a proibição de parada de veículos nesses locais. Irregularidades têm sido flagradas e motoristas multados. Há mais mudanças previstas, diz o IMTT. As alterações, sobretudo com as ciclofaixas, dividem opiniões. Especialistas em mobilidade urbana defendem as ações, mas sugerem adequações.

A reportagem percorreu algumas vias onde foram recém-implantadas ciclofaixas. Na Rua Tenente Coronel-Cardoso (Formosa), o espaço exclusivo para ciclistas fez com que centenas de vagas para estacionar desaparecessem. Há relatos de motoristas que insistem em transitar ou estacionar pela ciclofaixa. Pedestres também ocupam inadequadamente a via, que deve ser somente para ciclistas. As mudanças recebem elogios e críticas pelo aumento da largura das ciclofaixas, que diminuiu o espaço para veículos circularem em determinados pontos.  

Outra nova ciclofaixa em fase de conclusão fica na Rua Alberto Torres, que liga o Centro ao bairro Nova Brasília. A vendedora Angela Portela mora no Parque São Caetano e usa bicicleta diariamente. “Achei excelente as novas ciclofaixas, pois a cidade tem muito ciclista. Essa é uma transição mundial para que as pessoas usem menos carro. Ainda é preciso educação e conscientização no trânsito. Vejo ciclistas que insistem em circular fora da faixa”, diz.

A comerciária Flávia Bezerra mora na Penha e só usa bicicleta para trabalhar no Centro. “As mudanças são boas e ruins. Há ciclofaixas muito estreitas e outras muito largas. Na Alberto Torres, ficou bom para os ciclistas, mas os motoristas reclamam, pois perderam vagas”, diz. João Victor Duarte trabalha na Alberto Torres. “Não gostei. Há muito comércio sendo afetado; caiu o movimento na loja. Há gente com receio de parar e sofrer multa da Guarda Municipal”, comenta. A empresária Carla Falquer tem um estabelecimento que existe há 40 anos na via. “Nesse tempo, a Alberto Torres foi  bastante modificada. Até ponto de ônibus aqui já teve em frente à loja. Há muitas barbaridades no trânsito, sobretudo de ciclistas”, opina.

Ciclofaixas questionadas
O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), José Francisco Rodrigues, defende a existência das ciclofaixas, mas acredita que elas estão inadequadas. “A sociedade não foi consultada sobre a forma dessas ciclofaixas. Para mim, deveriam ser menores. Pretendemos levar essa pauta para o IMTT. Creio que isso precisa ser modificado. Para nós da CDL, o diálogo sempre vai vencer”, cita.

A sede do 8º Batalhão da Polícia Militar, na Rua Formosa, fica em frente à nova ciclofaixa. Um policial, que preferiu não se identificar, disse que alguns colegas da corporação deixaram de estacionar em frente ao prédio por conta da modificação, e que se sentiram prejudicados. A reportagem procurou pelo comando do 8º BPM, mas não conseguiu retorno.

Flagrante|Ciclistas precisam desviar de caminhão na Av. Alberto Torres (Foto: Josh)

Diretores de escolas próximas às novas ciclofaixas se preocupam com o retorno às aulas. Ficou difícil parar ou estacionar no entorno de unidades que estão na Alberto Torres (Colégio Batista) e Formosa (Colégios Laura Vicunha e Eucarístico), por exemplo. De acordo com o Sindicato das Escolas Particulares em Campos (Sinepe), há muitas reclamações de pais de alunos. “Temos tentado com o IMTT uma solução, mas está difícil. Fizemos alguns pedidos ao órgão para tentar uma solução. Há escolas, como as citadas, que não têm local de parada. Muitas crianças são pequenas e precisam de auxílio para atravessar a rua, já que não se pode parar em determinados trechos das ciclofaixas”, diz a professora e presidente do Sinepe, Rosana Juncá.     

Presidente do IMTT|Nelson Godá (Foto: Arquivo J3News)

Segundo o presidente do IMTT, Nelson Godá, as ciclofaixas estão de acordo com o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito do Conselho Nacional de Trânsito (Contran):

“Nenhum tamanho está fora de conformidade. Depende de cada via, para ter a composição com o meio fio e a quantidade de faixas. Há alguns ajustes na largura. O IMTT tem implementado a ciclofaixa sentido bidirecional, que atende aos dois sentidos de tráfego dos ciclistas. A criação delas não afeta o comércio ou gera dificuldades de acesso de clientes. Estudos apontam um crescimento da circulação de ciclistas, que são consumidores em potencial. Muitas vezes, áreas de estacionamento em frente aos comércios eram ocupadas por veículos parados ao longo de todo o dia, não gerando rotatividade para que as pessoas pudessem parar e se utilizar do comércio”, diz.

De acordo com o IMTT, a implantação de ciclofaixas melhora o trânsito. “Já houve um crescimento de circulação em torno de 35% de ciclistas nas faixas. O tráfego também começou a ter mais fluidez, pois permitiu diminuir algumas retenções com a questão de alguns estacionamentos em fila dupla. O projeto foi bem executado, atendendo ao Plano Diretor e ao Plano de Mobilidade Urbana”, destaca Godá.

Mudanças de hábito
A ampliação da malha cicloviária em Campos está definida no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, aprovado por lei em abril de 2022. Para o arquiteto e urbanista Renato Siqueira, o projeto de implantação das recentes ciclofaixas carece de complementos.

Urbanista| Renato Siqueira (Foto: Arquivo J3News)

“Em especial de sinalização, de trechos sobrepostos de embarque e desembarque, pontos de ônibus, trechos de carga e descarga (onde couber), além de outros em que se faça necessário a parada temporária do ciclista. É urgente um amplo programa educacional para o ciclista, que em muitos casos não se atenta para os pontos de conflito mencionados, nem ao sentido do fluxo viário e à sinalização semafórica. Não há processo de mau hábito no trânsito que seja revertido, desconectado de um amplo programa educacional. Faltam, além de complementos de sinalização, programas educacionais”, diz Renato.

Instrutor e especialista em trânsito do Sest/Senat|Felipe Said (Foto: Arquivo J3News)




De acordo com o instrutor e especialista em trânsito do Sest/Senat, Felipe Said, a implantação das ciclofaixas tem o propósito de melhorar a mobilidade urbana e criar mais condições de segurança para os ciclistas e também para os motoristas.

“Se não há um local adequado para o ciclista circular, o motorista também acaba se colocando em uma situação de perigo no mesmo espaço compartilhado, sem uma separação física, o que deixa o trânsito mais perigoso para todos. Toda mudança gera um impacto ou bloqueio. A população está acostumada a não ter ciclofaixas. A partir do momento que elas são instaladas, tem que se mudar o hábito local e se adequar à legislação. A tendência é que a segurança do trânsito fique melhor. Para isso, precisa haver também a conscientização, o respeito de todos, a parceria e a colaboração da população”, avalia Said.

O instrutor do Sest/Senat chama a atenção para infrações cometidas sobre as ciclofaixas. “Parar o veículo sobre uma ciclovia ou uma ciclofaixa é uma infração de natureza grave. Gera perda de cinco pontos na carteira e multa no valor de R$195,23. “Todos os outros usuários do trânsito precisarão se adaptar para ter um trânsito melhor. A Prefeitura deve observar como isso vai se desenrolar, para que possa tomar as atitudes cabíveis”, pontua Felipe Said.

De acordo com o urbanista Renato Siqueira, falta planejar a cidade para os meios não motorizados. “Estima-se que até 2030 haverá um incremento percentual de opção aos meios não motorizados, com correspondente diminuição dos meios motorizados. É uma tendência mundial pesquisada em 10 países. Além dos problemas perceptíveis em Campos, há de ser considerada a ausência que faz o Conselho de Mobilidade Urbana, já aprovado em lei. As questões relacionadas ao sistema de transporte público coletivo, a manutenção da BR-101 no perímetro urbano, as alterações viárias do Corredor Norte-Sul e, o Programa Asfalto Novo, que atormentam diariamente a população, certamente teriam outro desfecho com a participação popular nas decisões, algo que desde o ano de 2001 é definido na Lei do Estatuto da Cidade”.

O vigilante Bruno Marques avalia a mudança no trânsito de Campos. “Vejo que o estacionamento ficou mais organizado na Alberto Torres, o trânsito está fluindo melhor, mas as pessoas vão levar um tempo para se acostumar”, conta.

Vaga Certa
No primeiro ano da gestão de Wladimir Garotinho, em maio de 2021, o J3News publicou reportagem sobre o projeto de criação de vagas rotativas no perímetro urbano de Campos. O sistema de estacionamento “Vaga Certa” consistia em cobrar por hora pelo estacionamento nas ruas da área central. O projeto existe desde 2017, na gestão de Rafael Diniz, mas não foi executado até o momento. O presidente do IMTT, Nelson Godá, informou que a implantação desse sistema precisou ser adiada.

“O IMTT precisou adequar a concepção das vias, inclusive, para atender ao Plano Diretor, ao Plano de Mobilidade Urbana. No momento, estamos fazendo essa implantação, além da requalificação de ciclofaixas. Por isso, o órgão preferiu aguardar para a implantação do Vaga Certa após o término das obras de recapeamento da área central, e o redesenho da malha viária da cidade; para, assim, efetivar uma concessão da operação desse sistema, não causar conflitos com a futura concessionária, bem como mal dimensionar o número de vagas”, explica.

De acordo o projeto original Vaga Certa do IMTT, a área de abrangência do futuro rotativo envolve as vias delimitadas em uma espécie de quadrilátero, que se estende nos limites da Rua dos Goytacazes, Avenida 28 de Março, a Avenida Nelson de Souza Oliveira, a Avenida XV de Novembro e a Rua Conselheiro Thomás Coelho. Com as recentes alterações e ampliação de ciclofaixas, a tendência é que o número de vagas para estacionar nas ruas reduza cada vez mais. Questionado sobre a possibilidade de serem criados estacionamentos municipais, o IMTT não respondeu.

Para o arquiteto e urbanista Renato Siqueira, alguns estacionamentos na área urbana já ocorrem próximo à Ponte Leonel Brizola, ao Parque Alberto Sampaio e no antigo Camelódromo de modo confuso. Estacionamentos privados seriam insuficientes para suprir a demanda. “Muitos deles já operavam com saturação. Agora, com as instalações das ciclofaixas, houve aumento de demanda. Nada que a ampliação do sistema de transporte público coletivo e o mapeamento de vagas rotativas não possa resolver. Somando-se ao aumento do uso da bicicleta, pelo aumento da malha cicloviária, a tendência é de que a fluidez da mobilidade tenha melhoras”, considera.

Para o instrutor Felipe Said, melhorar o trânsito deve ser prioridade de todos. “É preciso trazer a mentalidade de mudar comportamento, fazer o melhor possível para ter um trânsito mais seguro. E o trânsito mais seguro é o objetivo de todos nós, é melhoria para todos nós, para a nossa própria sobrevivência”, conclui.