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Letalidade violenta cresce no Estado e em Campos em 2023

Governo do RJ elogiou queda em julho, mas dados mostram elevação no ano

Geral
Por Ocinei Trindade
3 de setembro de 2023 - 0h01
foto: Silvana Rust

O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro divulgou no último dia 22 de agosto o indicador estratégico de julho de 2023 para letalidade violenta, que considera os casos de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, morte por intervenção de agente do Estado e roubo seguido de morte. Segundo o órgão do governo estadual, houve diminuição de 33% em relação a julho de 2022. Este foi o menor número de vítimas para o mês desde 1991. Entretanto, os dados revelados pelo próprio ISP apontam elevação destes crimes nos sete primeiros meses deste ano (2.658), comparados ao mesmo período do ano passado (2.620). Em Campos dos Goytacazes, de janeiro a julho foram registrados 77 crimes de letalidade violenta. Em 2022, foram 60 no mesmo período.

Na análise dos delitos que englobam os crimes contra a vida registrados no Estado do Rio de Janeiro, o ISP destacou julho passado com o menor número de homicídios em 32 anos. “Foram 445 vítimas em julho de 2022, contra 299 em julho de 2023, ou menos 146 mortes”, afirma o órgão em seu site. Quando comparados os meses de julho no município de Campos, o número de casos é o mesmo: 7.

Os dados referentes a agosto sobre diversas práticas criminosas no Estado serão divulgados nas próximas semanas de setembro. A reportagem observou que todos os índices de letalidade violenta cresceram 1,5% no acumulado do ano em relação a 2022.

De acordo com o ISP, de janeiro a julho de 2023, os homicídios dolosos aumentaram 8,9% em todo Estado, com 1.941 mortes. Em 2022, no mesmo período, foram 1.782 assassinatos. No ano passado, houve 3.059 ocorrências de pessoas assassinadas.

Ameaças e tentativas

O Rio de Janeiro registrou 36.943 ocorrências pelo crime de ameaça, com variação superior de 16,2% referente a 2022 que teve 31.795 ocorrências. As tentativas de homicídio foram menores que no ano passado. De janeiro a julho de 2023 foram 2.041. No mesmo período de 2022, o Estado computou 2.104 crimes, com redução de 3%.

Em Campos, de janeiro a julho, os crimes de ameaça registrados pelas duas delegacias da cidade chegaram a 1.022. Já para tentativas de homicídio, foram 83 ocorrências. No mesmo período de 2022, foram 56 tentativas de homicídio; 646 ocorrências de ameaças.

Vítimas da violência

Advogada Mariana Ribeiro (Foto: Silvana Rust)

Em agosto, três julgamentos de criminosos envolvidos em homicídios e tentativa de assassinato repercutiram em Campos. Os crimes entraram para a estatística da violência nos últimos anos. Maciel da Silva Rosa foi condenado a 26 anos por tentar matar a tiros a ex-namorada, Roberta Bianca de Souza, em junho de 2021. Como resultado da violência sofrida, a vítima ficou tetraplégica. A advogada dela. Mariana Ribeiro, comentou sobre a sentença judicial e o trauma permanente de sua cliente:

“Infelizmente, qualquer pena no plenário do júri não traria os movimentos da Roberta de volta. Nós saímos de lá com uma pena de 26 anos e 8 meses, o que seria justo nesse caso? Nenhuma pena restabelece a normalidade da vida da Roberta, mas nós saímos de lá, digamos, com a sensação de dever cumprido. Com relação ao número do aumento de violência, infelizmente, faz parte do nosso cotidiano. Dentro de delegacia e de presídio, a gente vê como a violência aumenta em todos os ambientes possíveis, principalmente contra a mulher. Políticas públicas do Estado são o pontapé inicial para se combater crimes. Depois, efetivamente, punir aquelas pessoas que praticam diversos tipos de violência com o rigor da lei, para que a ela seja reservada efetivamente uma punição justa, para que sirva até de exemplo as outras pessoas. O Estado vem perdendo todos os dias essa guerra contra o crime e é uma realidade, infelizmente, da nossa sociedade e tem também os casos de subnotificação, principalmente quando a violência é familiar”, explica.

No dia 29 de agosto, os irmãos Alexandre Costa Gonçalves e Sérgio Costa Gonçalves foram condenados a 21 anos de prisão pelo júri popular. Em novembro de 2021, eles assassinaram a facadas o taxista Gelson Machado de Souza, de 70 anos, seu vizinho há mais de 30 anos, no Parque Santo Amaro. “Para ser sincera, minha família achava que poderia ser uma sentença maior. Mesmo assim, nos deu um conforto saber que eles não ficaram livres. Estamos totalmente abalados, vivemos à base de medicamentos. Acho que as autoridades e governos poderiam colocar prisão perpétua para crimes de total crueldade, como assassinatos, estupros, feminicídios”, diz a filha do taxista morto, Lidiane Henrique de Souza.

O taxista Gelson e a filha Lidiane

Em 23 de agosto, três acusados de assassinar a tiros o jovem João Paulo Freitas, de 18 anos, em 2021, no distrito de Morro do Coco, foram condenados pela Justiça. O mandante do crime, Renato Monteiro, e o executor dos disparos, Carlos Eduardo Rosa da Silva, foram condenados a 20 anos de prisão. O motorista Everaldo Lima da Silva, apontado como co-autor, foi condenado a 14 anos. Todos cumprirão a sentença em regime fechado. O rapaz teria tido um relacionamento íntimo com Renato no passado. Após João Paulo ter se casado com uma mulher, teria deixado o mandante do crime inconformado, e encomendando o homicídio. A irmã da vítima, a geógrafa Priscila Freitas, considerou a sentença pequena para os envolvidos: “Enquanto familiares, estamos insatisfeitos. O crime foi cruel e brutal”, lamenta.

Análise de dados

Roberto Uchôa – Especialista em Segurança Pública Foto: Arquivo J3News

Para Roberto Uchoa, especialista em segurança pública e pesquisador da Uenf e da Universidade de Coimbra, toda queda de índices de violência deve ser celebrada pela sociedade e pelo Governo do estado. Porém, é preciso verificar com atenção as razões para diminuição ou elevação da violência. “É preciso questionar o Estado se foi aplicada alguma política pública, além da estrutura, custos e recursos humanos envolvidos. Aí, sim, a gente pode celebrar resultado. É preciso trabalhar com essas evidências. Acho que não, isto não ocorre quando a gente fala de segurança pública na nossa cidade, no nosso estado e no Brasil. Em tese, a gente trata segurança pública com seriedade, como se trata outras áreas, como saúde ou educação. O que me preocupa é essa mania de se celebrar quedas e se autocolocar como o indutor sem ter sido aplicada nenhuma política pública. É só manipulação de números e ganho político através desses números, porque quando vier o aumento vai se buscar uma desculpa qualquer. Infelizmente é o que acontece. É importante a gente entender o que está acontecendo para poder fazer uma análise profunda desse cenário”, analisa Uchoa.

Luciane Silva é socióloga e pesquisadora da Uenf

A socióloga e pesquisadora Luciane Silva, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, avalia os índices de violência em Campos. “A cidade também foi sacudida com feminicídios que acabam impactando na percepção de criminalidade. Quanto mais pessoas fazem registros, obviamente, a gente tem uma percepção do aumento da criminalidade. Em um quadro de recessão econômica e com o aumento da propaganda de armamento, as pessoas têm usado mais armas de fogo. É importante incentivar uma campanha de mais tolerância pela paz, de desarmar os corpos no Brasil. Campos é uma cidade que aderiu muito ao discurso do armamento. Deve-se incentivar e investir no trabalho policial com concursos. A cidade tem a maior extensão territorial e o 8º BPM já vem há uma década precisando de reforço. Sou totalmente favorável ao trabalho dos policiais e a corporação tem que ter condições de fazer o seu trabalho de forma digna. A violência é um fenômeno multi-causal. Nós temos que investir em desenvolvimento local, melhoria das condições de policiamento e um discurso pacifista”, afirma.

Carlos Augusto Delegado da 146ª Delegacia de Polícia Foto: Arquivo J3News

O delegado Carlos Augusto Guimarães, titular da 146ª DP de Guarus, diz que não há como definir um fator específico para ondas crescentes de violência. “Um volume expressivo de resolução de crimes contribui para a diminuição de delitos. Na realidade, não há um índice que apresente as reais causas do fenômeno. São as mais variadas e a estatística por si só não revela melhora ou piora do quadro. Por outro lado, comparando com outras regiões, Campos apresenta um índice de resolução de homicídios bem maior, mesmo sem uma Delegacia de Homicídios. A retirada de circulação de praticantes de crimes, armas de fogo e munições e drogas ajudam a prevenir crimes contra a vida. É importante a atuação conjunta entres as Polícias Civil, Militar e Federal, além da Guarda Municipal para o enfrentamento da violência na cidade”, observa.

Em nota, a assessoria da Secretaria de Estado de Polícia Militar e o comando 8º BPM avaliaram os números altos da violência em Campos. “O fato foi resultante de uma disputa territorial entre criminosos rivais no distrito de Guarus e em São Francisco do Itabapoana. Nesse contexto, o comando do batalhão tem empregado esforços expressivos nesses perímetros, com aumento de efetivo através do Regime Adicional de Serviço (RAS) e com ações integradas junto às delegacias das áreas. Também houve a transferência de lideranças do crime organizado já capturadas para presídios do Sistema Penitenciário Federal, o que fragilizou a cadeia de comando dessas facções”.

Segundo análises do batalhão, nos meses de julho e agosto houve queda de 90% nos homicídios em Guarus. “O 8º BPM é dos líderes em prisões entre as unidades da corporação em 2023, com 1.375 prisões até a presente data”, diz a nota. A delegada da 134ª DP, Natália Patrão, não respondeu ao J3News.