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Uenf: 30 anos de um sonho

Universidade figura entre as 15 melhores do Brasil e exporta conhecimento científico

Educação
Por Ocinei Trindade
13 de agosto de 2023 - 0h01

No dia 16 de agosto de 1993, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goytacazes, promoveu uma aula magna que marcaria sua inauguração oficial. Nomes de expressão como do ex-governador Leonel Brizola, ex-senador Darcy Ribeiro e do arquiteto Oscar Niemeyer fazem parte da concretização de um projeto iniciado por um grupo de campistas em 1989. Políticos, educadores, intelectuais e estudantes se mobilizaram durante três anos, a fim de trazer uma universidade pública para a cidade. A Uenf foi idealizada por Darcy Ribeiro como a “universidade do terceiro milênio”. Três décadas após sua fundação, o momento é de comemoração, mas também de reflexão acerca das conquistas e desafios da instituição na atualidade e nos próximos anos.

Passado | Leonel Brizola e Darcy Ribeiro na Uenf de 1991

A Uenf se destaca entre as 15 universidades brasileiras avaliadas com conceito máximo pelo Ministério da Educação, devido à sua produção científica, com prêmios nacionais e internacionais. São mais de 15 mil graduados; 3.290 teses de mestrado e doutorado; 7.500 publicações em artigos e livros nos últimos cinco anos; participações em cinco mil bancas de mestrado e doutorado; organização e participação em 3.292 eventos científicos; 21 patentes registradas; parceria com a Petrobras para extração de petróleo em águas profundas com utilização da centrífuga geotécnica, único equipamento em todo o continente sul-americano; projetos firmados com 60 países.

“São 30 anos de luta, de dedicação ao interior do Rio de Janeiro, de solidificação de uma instituição pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada; 30 anos de formação de um parque tecnológico para pesquisa de excelência, e formação do material humano para o desenvolvimento da educação da nossa região. Quase todas as instituições universitárias, e as não universitárias, têm egressos da Uenf; a mesma coisa para várias escolas e instituições da região Norte e Noroeste. É com muita alegria que a gente celebra os 30 anos da Universidade em função do trabalho de todos, da dedicação dos técnicos, dos professores, dos estudantes e da sociedade que sempre tem nos ajudado e apoiado”, diz o reitor da Uenf, Raul Palacio.

Tecnologias e produção científica

CCT | Oscar de La Torre (Foto: Divulgação)

O professor Oscar de La Torre dirige o Centro de Ciência e Tecnologia. O CCT oferece cursos de graduação em áreas como Ciência da Computação, Química, Física, Matemática, Engenharia Civil, Engenharia de Exploração e Produção de Petróleo, Engenharia de Produção, Engenharia Metalúrgica e Engenharia Meteorológica, que proporcionam uma base sólida de conhecimentos teóricos e práticos. Na pós-graduação, o CCT mantém vários programas que oferecem formação avançada e especializada, permitindo o aprofundamento em pesquisa e contribuindo para a produção de conhecimento científico de relevância.

“O CCT também promove projetos de extensão, pesquisa e inovação permitindo que os estudantes vivenciem a prática da pesquisa científica e tecnológica, aplicando os conhecimentos adquiridos em sala de aula e contribuindo para a geração de novos conhecimentos e tecnologias. Em resumo, o CCT desempenha um papel integral na trajetória de sucesso da universidade ao longo de suas três décadas. Seus destaques em pesquisa, formação de recursos humanos, inovação e impacto social têm contribuído para consolidar a Uenf como uma instituição de ensino, pesquisa e extensão de renome, com influência positiva na região”, define Oscar de La Torre.

Pesquisador | Sérgio Tibana (Foto: divulgação)

Um dos equipamentos mais sofisticados da Uenf é a centrífuga geotécnica, única do porte em todo o continente sul-americano. O professor e pesquisador Sérgio Tibana atua no Laboratório de Modelos Físicos Reduzidos. Ele conta sobre a aquisição da tecnologia que passou a funcionar em 2007. “A centrífuga geotécnica faz o laboratório da universidade ser diferente dos outros do Brasil. O equipamento é para problemas complexos de engenharia. A gente testa hipóteses de comportamento. Hoje, o nosso grande foco de pesquisa está para a Petrobras. A empresa não pode fazer estudos com lâminas d’água de 2 a 4 milímetros. A gente estuda o fundo do leito marinho para a Petrobras, do ponto de vista de ancoragem das plataformas, todos os fenômenos de escorregamento submarino que acontecem em superfície, lá no fundo do mar acontece”, explica.

Desafios da Uenf

Reitor| Raul Palacio lança programação dos 30 anos da universidade

De acordo com o reitor Raul Palacio, o orçamento atual da universidade é de R$440 milhões. “Precisamos retirar a educação do programa de recuperação fiscal do governo do Rio de Janeiro. Isto ainda dificulta investimentos em estrutura, manutenção, salários, substituições de professores”, comenta. Para o reitor, um dos principais desafios da Uenf é o crescimento:

“A Uenf foi pensada para algo em torno de 600 professores. Porém, 30 anos depois, com os concursos que conseguimos fazer, talvez, chegaremos a 350. Para poder crescer, se expandir, ir para outras regiões do estado do Rio de Janeiro, precisa de concurso público para professores e técnicos. A gente precisa desse crescimento do nosso quadro para poder dar toda atenção para o Norte e Noroeste do Estado. Logicamente, também vai precisar de recursos para que isso aconteça. Acho que esse é o desafio do futuro da nossa instituição”, analisa Palacio.

Sonhos e futuro

Estudantes da graduação e da pós-graduação da Uenf frequentam salas de aula e laboratórios, dedicando-se a muitas pesquisas e conhecimentos, com o objetivo de ter uma profissão e garantir um futuro melhor. Ralf Mateus é aluno do último período de Ciência da Computação. “A Uenf representa uma oportunidade de mudar a realidade socioeconômica da minha família e da nossa região. Há cursos conceituados aqui. Buscarei estabilidade para poder fornecer as melhores condições possíveis de vida para minha família”, planeja.

O estudante de Medicina Veterinária, Matheus Motta, ingressou na Uenf em 2020. “Para mim, a universidade representa acolhimento, oportunidade, crescimento profissional e pessoal. Gostaria de me especializar e atuar na clínica e na cirurgia, ser professor e atuar no marketing. Para o futuro, espero formar uma boa rede de contatos, contribuir para a saúde dos animais e para o aprendizado. Independente da área que eu siga, quero fazer parte de algo grande”, almeja.

Aluna | Ana Paula Jardim

Em 2019, a estudante Ana Paula Jardim ingressou no curso de Licenciatura em Pedagogia. “A Uenf é muito importante em minha vida, representa um lar. Os professores e funcionários sempre estão dispostos a nos ajudar. Além disso, toda a estrutura da universidade, a oferta de bolsas, o restaurante universitário e inúmeros outros benefícios me ajudaram a permanecer nela por todos esses anos. Pretendo fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado. Quem sabe, lecionar aqui”, conta.

Capixaba| Walaci Santos

O capixaba Wálaci Santos está no final do doutorado em Biotecnologia Vegetal. “Estou na Uenf desde 2013. Através do curso de Biologia EAD tive a oportunidade de cursar o ensino superior. Como aluno, aproveitei tudo que a universidade pode me oferecer. Participei de projetos de extensão, iniciação cientifica, recebi prêmios, fiz mestrado e agora estou finalizando o doutorado. O conhecimento adquirido nesses 10 anos me permite planejar um futuro que eu não imaginaria em 2013. O mestrado e doutorado na área de biotecnologia despertaram o meu lado empreendedor e utilizando a experiência cientifica. Pretendo caminhar pelos trilhos da inovação tecnológica e empreendedora”, conclui.

Primeiros anos

Legislativo | Fernando Leite

O ex-prefeito de Campos e ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, teve relevante participação no processo reivindicatório junto ao governo de Leonel Brizola, em 1991, para a implantação da universidade. Outro político local da época, fundamental para a criação da Uenf, foi o ex-deputado estadual Fernando Leite, autor do projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que fez a Uenf ser reconhecida pela primeira vez no Legislativo. Em seguida, a lei foi sancionada por Brizola.

“A Uenf foi a causa do meu mandato, entre 1990 e 1994. Fui eleito com esta missão, uma vez que a grande bancada metropolitana, amplamente majoritária, num colégio de 70 parlamentares, seguindo lobby da Uerj, fez constar no texto da lei de meios que se a Uenf não estivesse efetivamente, implantada num prazo de dois anos a partir de sua criação, ela deixaria de existir, e a Uerj interiorizaria alguns de seus cursos. Era uma armadilha, considerando a complexidade de instalação de uma Universidade do terceiro milênio, erigida sob o conceito do sociólogo Darcy Ribeiro. Eu sofri, como quem passa pela dor do parto. Para você ter uma ideia nem no meu partido, o PDT, eu tinha apoio para a votação do projeto que autorizaria e abria as portas da nossa Uenf”, lembra Fernando Leite.

Um grande canteiro de obras no campus projetado por Oscar Niemeyer movimentou os primeiros anos de funcionamento da Uenf, a partir de 1991. Na ocasião, Darcy Ribeiro, que já tinha idealizado a Universidade de Brasília (UnB) nos anos 1960, escalou especialistas em educação, como Gilca Weinstein e Wanderley de Souza, para traçarem o perfil da universidade vanguardista em Campos, formada só por professores-doutores, alguns vindos do exterior.

CCTA | Manuel Vazquez

O primeiro edifício a ser concluído foi do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA). O professor e atual diretor do CCTA, Manuel Vazquez, destaca esse momento. “É o prédio mais antigo. Sei que prédios não constroem pessoas, mas os edifícios do CCTA abrigam 95 professores, quase 300 técnicos, muitos estudantes de graduação e pós-graduação, com pesquisas e trabalhos de extensão. Nesses 30 anos, nós temos um grande número de zootecnistas, veterinários e agrônomos que se formaram e impactaram muito a sociedade ao nosso redor” comenta.

CBB | Vanildo Silveira

O professor e diretor do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB), Vanildo Silveira, defende a trajetória de excelência em ensino, pesquisa e extensão nas diversas áreas relacionadas às ciências biológicas nestes 30 anos. “A história da criação do CBB se confunde com a criação da Uenf. Em 1992, o professor Wanderley de Souza propôs cursos de curta duração, culminando com as primeiras atividades inaugurais da universidade em 1993. Como primeiro reitor, ele coordenou a implantação da instituição, com a participação ativa de outros professores do CBB, como o doutor Carlos Eduardo de Rezende, atualmente professor titular do Centro. O CBB orgulha-se de ter formado mais de 2000 biólogos e mais de 300 mestres e doutores, de gerar ciência de qualidade e de estar cumprindo seu papel regional”, afirma.

CCH | Sérgio Arruda

O Centro de Ciência do Homem (CCH) atualmente é dirigido pelo pesquisador Rodrigo Caetano. Outros gestores já passaram pelo CCH, como o professor Sérgio Arruda, responsável pelo Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem (LEEL). Ele está na instituição desde 1995. “Eu acredito que uma universidade se instala num determinado lugar para transformá-lo social, cultural e politicamente. Essas questões dependem não apenas da formação de quadros profissionais, mas também da pesquisa. A universidade, quando aqui se instalou há 30 anos, fez essa diferença. Para pesquisa com um escopo amplo, ela precisa de financiamento. O CCH forma professores e pesquisadores dentro das chamadas ciências humanas. Essa diferença vem sendo marcada a partir da produção que nós somos capazes de oferecer, analisando questões políticas, não só regionais, mas do Brasil inteiro. Acho que a celebração desses 30 anos é positiva, tem uma razão de ser, porque a diferença foi feita”, avalia.

Darcy Ribeiro

História | Fundação da Universidade contou com amplo apoio popular desde o início (Foto: Acervo Uenf)

O mineiro Darcy Ribeiro morreu em 17 de fevereiro de 1997, aos 74 anos, em Brasília. Pouco após sua morte, a instituição que ele idealizou em Campos dos Goytacazes passou a se chamar Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Com uma biografia tão rica e vasta, é difícil resumir a importância de seu legado para o Brasil e para vários países da América Latina. O autor de tantas obras, como “O Povo Brasileiro”, notabilizou-se nas áreas de educação, sociologia e antropologia. Ele redigiu o projeto do Parque Indígena do Xingu, criado em 1961. Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987), Darcy Ribeiro foi vice-governador.

Eu conheci pessoalmente Darcy Ribeiro, em 1992, quando era estagiário na Prefeitura de Campos. Participei de um jantar no Palace Hotel, com autoridades e intelectuais para tratar da criação da Uenf. Irreverente e visionário, Darcy contrariou professores e diretores de faculdades particulares campistas da época, que cogitaram serem encampadas no então projeto de universidade estadual.

Darcy Ribeiro tem várias declarações célebres. Certa vez, disse: “Meus fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Três décadas após a criação da Uenf, pode-se dizer que o seu ideal de universidade brasileira do terceiro milênio, em Campos, tem sido uma vitoriosa conquista.