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Marina do MST e agora da política

A militante que morou em Campos por 15 anos estreia na Alerj e quer se dedicar ao combate à fome

Entrevista
Por Ocinei Trindade
17 de outubro de 2022 - 0h06
Deputada eleita pelo PT, Marina do MST viveu em Campos por muitos anos e mantém vínculos com a cidade

A assistente social Lúcia Marina dos Santos é conhecida como Marina do MST. Nascida no Paraná, em Guaraniaçu, ela se mudou para Campos dos Goytacazes em 1996. Atuou em diversas ações no município e região, e se tornou dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Já representou a América do Sul no conselho político da Via Campesina Internacional até 2017. Marina estudou Direito na Universidade Cândido Mendes, em Campos, mas não concluiu. Ela se formou em Serviço Social pela UFRJ e se tornou mestra em Desenvolvimento Territorial pela UNESP.

Com mais de 25 anos no MST, ela conseguiu um feito inédito: eleger-se como representante do movimento para uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Alcançou 46.422 votos em todo o Estado, e 1.364 votos foram de Campos, sua cidade de muitos afetos.

Marina do MST chegou a Campos dos Goytacazes como boia-fria para contribuir com a ocupação das terras na Usina São João, maior extensão de terra ocupada pelo MST no Estado do Rio de Janeiro, chamado atualmente de Assentamento Zumbi dos Palmares. Em 2001, com a ocupação das terras da Usina Cambaíba, ela se tornou uma acampada do Acampamento Oziel Alves, se mantendo Coordenadora do MST na região. Marina já foi coordenadora estadual do MST. Saiu de Campos em 2004 para cumprir agendas do MST na Coordenação Nacional e Secretaria Internacional do MST.

Como avalia a conquista da eleição?
Foi uma grande vitória dos movimentos populares organizados e, sobretudo, um reconhecimento aos mais de 38 anos de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foram mais de 46 mil homens e mulheres em praticamente todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro que depositaram um voto de reconhecimento e confiança nesta trajetória coletiva e também na minha trajetória de vida e de luta.

A situação de calamidade pela qual passa grande número de famílias no Rio de Janeiro, com aumento na fome (cerca de 2,8 milhões de pessoas diariamente) e do desemprego, é também um ponto de ressonância com nossas propostas. Trazemos para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro o legado do MST no combate à fome e às desigualdades, com a Reforma Agrária Popular como agenda prioritária para trazer oportunidade de trabalho e colocar comida na mesa de quem mais precisa.

Além disso tudo, devo especialmente à militância aguerrida do MST, do conjunto dos movimentos populares e do Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores (PT), que abraçou este processo eleitoral e foi às ruas disputar mentes e corações para um futuro de esperança e dignidade para o povo.

A que você atribui a confiança do eleitor em sua candidatura?
Como disse, há um reconhecimento cada vez maior da população com a luta e as ações do MST no combate à fome, nas ações de solidariedade que executamos durante a pandemia de Covid-19, e na capacidade política de nossos quadros em articulações para dentro e para fora das institucionalidades. Mas, além disso, há um sentimento de novidade na política com a chegada das candidaturas do MST em todo país e os números finais expressam isso: elegemos sete deputadas e deputados pelo Brasil, entre estaduais e federais.

Também ajudou muito a referência de Lula e do PT em nossa eleição. Nossas candidaturas estão diretamente ligadas ao processo de resistência que promovemos junto ao partido desde o Golpe de 2016, e com a prisão ilegal e injusta do Lula pela Lava-Jato e, quando finalmente ele reconquistou a liberdade, nos provocou a ocupar de mais este espaço na política, com toda legitimidade de uma trajetória que já vínhamos traçando.
Outro fator decisivo foi a capacidade de diálogo popular sobre os problemas reais da população, promovido por nossa campanha em todos os rincões do RJ. Tivemos uma militância que abraçou esta missão dia a dia e, coletivamente, promoveu um processo de amplo trabalho de base sobre as questões que afligem o povo e sobre as possibilidades de solução a partir de experiências concretas que o MST já desenvolve país afora, como a cooperação, a agricultura de base agroecológica, as ações de solidariedade, a comercialização de alimentos com venda direta e a luta por políticas públicas nestes marcos.

Por fim, a pauta que apresentamos para chegar à Alerj responde a estes anseios reais da população. O povo não aguenta mais passar fome, ter que escolher se vai almoçar ou jantar, com o cenário de degradação de direitos e aumento do desemprego. Então, quando anunciamos que vamos lutar para que toda família possa, pelo menos, comer três vezes ao dia, ou quando dizemos que seguiremos lutando para reconquistar os direitos sociais perdidos e defender nossa democracia, com maior participação das mulheres na política, isso é uma resposta palpável para a situação que hoje vive as famílias em todo Estado do Rio de Janeiro.

Quais suas expectativas para o novo mandato?

Queremos estabelecer um mandato popular na Alerj, representando o conjunto dos movimentos populares e abrindo a casa do povo para os diferentes segmentos sociais da nossa população. O povo deve se sentir parte do processo político e legislativo e as portas da Alerj serão abertas para isso.

Sabemos que isso não será fácil e que há uma série de desafios para dar conta, entendendo o cenário complexo da representação legislativa no Rio de Janeiro, com grande lobby dos interesses empresariais e das milícias ali dentro. Por sorte, poderemos estabelecer um forte arco de aliança com uma bancada de esquerda que sai vitoriosa e ampliada deste processo eleitoral.
Como função elementar do parlamento, vamos propor projetos de lei que atendam às demandas reais da população, além de garantir a fiscalização do Poder Executivo e a destinação de emendas para ações que transformem, na prática, a vida das pessoas.

E, como sempre tenho dito desde a campanha, nosso mandato será um motor de fortalecimento também das lutas fora do parlamento, nas ruas. A todo tempo, verão uma deputada estadual no meio do povo, encampando marchas, encarando as desigualdades e injustiças de frente.

Quais são os projetos para levar à Alerj em favor dos fluminenses?

Temos uma série de propostas que serão levadas ao Legislativo para virarem leis. Seja para combater a fome com alimentação saudável e barata, seja para resgatar direitos corroídos, para afirmar o combate às opressões e a defesa da democracia e para contemplar mais políticas públicas para as mulheres.

Uma das principais proposições que logo iremos fazer é garantir que os recursos de R$ 1 bilhão do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP) sejam direcionados para seu fim, de modo a ser efetivo instrumento de combate à pobreza que contemple a produção de alimentos, distribuição e geração de renda das famílias em situação de vulnerabilidade

Ainda neste campo, também queremos assegurar, com formas participativas de gestão e controle social, a elaboração de um Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e a execução do Plano Estadual de Produção Orgânica e Agroecológica – PEAPO (Lei Estadual 8625/2019), com seu financiamento de R$ 20 milhões oriundos do FECAM (Fundo Estadual De Conservação Ambiental E Desenvolvimento Urbano), da Política Estadual de Agricultura Urbana (Lei Estadual 836/2019) e do Plano Estadual de Economia Solidária e do PAA Familiar (Lei Estadual n. 7923/2019).

Como tenho dito, ter mais mulheres na política deve significar mais políticas para mulheres. Por isso, vamos apresentar um projeto de programa de incentivo ao primeiro emprego formal de mulheres negras de até 30 anos que nunca tenham trabalhado no regime CLT. São alguns exemplos, dentre as dezenas de projetos que pretendemos implementar na Alerj.

O que considera importante destacar após essa vitória nas urnas?

Quero trazer aqui minha gratidão. Foi uma jornada de 45 dias intensos de campanha e temos muito a agradecer. Agradeço a todas aquelas e todos aqueles que me estimularam e provocaram o MST a entrar neste desafio de estar pela primeira vez numa eleição parlamentar.

Agradeço a toda companheirada, do MST e de todos os movimentos populares, que assumimos juntos esta empreitada de debater ideias e sonhos, de estar dia a dia trabalhando para construir este futuro de esperança. A todo mundo que se dispôs a ampliar esta aliança e levar às ruas nossas ideias, de combate à fome com alimentos saudáveis, de mais direitos para quem mais precisa, de defesa da democracia e por mais mulheres na política, conquistando, dia a dia, os votos necessários para chegarmos a uma cadeira da Alerj. Nós estaremos trilhando nosso mandato da primeira mulher sem terra deputada da Assembleia Legislativa.