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Praia do Farol sofre com erosão em sua orla

Especialistas apontam a intervenção humana como causa do avanço do mar na estrada das Gaivotas e ação natural na destruição da estrada Maria da Rosa

Campos
Por Redação
11 de setembro de 2022 - 5h01

Clícia Cruz e Daniela Abreu

Estrada sofre com a ação do mar (Fotos: Silvana Rust)

A erosão costeira entre a praia de Farol de são Thomé, em Campos, e Barra do Furado, em Quissamã, apesar de não tão falada quanto a que ocorre no Pontal de Atafona, em São João da Barra, vem se agravando há décadas e é notada, principalmente quando há ressaca. Dois caminhos considerados importantes para os moradores locais já foram destruídos: a Estrada das Gaivotas, que liga Farol a Quissamã, passando por Barra do Furado; e a Estrada de Maria Rosa, que liga a localidade ao Açu, em São João da Barra. Na Estrada das Gaivotas, o mar já destruiu grande parte do asfalto, no trecho após o Lagamar, e num ponto dela, com a maré baixa, só é possível passar um carro por vez. Quando a maré sobe, a via fica interditada. Na Estrada de Maria Rosa, o asfalto foi totalmente tomado pela faixa de areia e muitos veículos têm passado pela vegetação de restinga, o que é proibido pela legislação ambiental. O problema não é novo, moradores relataram que um desses acessos já foi reconstruído três vezes. Especialistas apontam que o principal causador do problema entre Farol e Barra do Furado são os espigões de pedra para proteger a entrada de área no Canal das Flechas. Já no caso da praia do Xexé, o problema seria natural.

O ambientalista Aristides Soffiati explica que o Canal da Flecha, que mais tarde ficou conhecido como Canal das Flechas, era curso natural que saía da Lagoa Feia e, quando chegava até onde hoje é Barra do Furado, não tinha força para abrir uma foz e, naturalmente fazia uma curva, desaguando em um trecho chamado de Rio Iguaçu, para os antigos, onde atualmente está localizada a Lagoa do Açu. “Acharam que o rio estava errado, que era mais rápido entrar no mar ali onde está Barra do Furado e abriram uma vala. Mas a vala fechava todo ano. Então, o extinto DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento – abriu o Canal das Flechas, ligando diretamente a Lagoa Feia ao mar. Mas o mar também o fechava, então prolongaram o canal mar adentro com uma estrutura de pedra”, diz Soffiati.

Barra do Furado| Espigões causaram fenômeno que retém a passagem de areia, causando erosão, diz Bulhões

O geógrafo marinho Eduardo Bulhões aponta que é exatamente essa construção que dá início ao processo de erosão de toda a orla do Farol, colocando em vulnerabilidade uma faixa da costa que vai até a altura do Lagamar.

“O espigão foi construído para manter o Canal da Barra do Furado aberto, para não deixar com que a areia o fechasse. Na prática, hoje o que a gente sabe é que não adiantou nada, porque aquele canal vive fechado. Os espigões deveriam ser aumentados para funcionar. No entanto, o litoral do Norte Fluminense, sobretudo nas áreas de Campos e São João da Barra, têm um transporte de areia muito intenso. O sedimento se movimenta muito em razão da ação das ondas. Quando você tem uma área com intenso transporte de areia, e se coloca uma estrutura como aquela que é perpendicular ao litoral, ela retém a parte das areias em um lado. Essa areia, que é retida de um lado, deixa de chegar ao outro. Em função dessas estruturas, esse material fica acumulado do lado de Quissamã e deixa de chegar ao lado de Campos. Da Barra do Furado, até mais ou menos o Lagamar, há evidência de um processo erosivo que a gente já acompanha há muito tempo. Então, veja o impacto que a construção daquelas estruturas causou. Com isso, criou-se uma faixa de areia de mais ou menos nove quilômetros ao longo do litoral, entre a Barra do Furado, até o Lagamar, onde o mar recua. Na área mais crítica de Barra do Furado, a erosão avança na ordem de quatro metros por ano, enquanto que no lado de Quissamã, há acumulação, que é o oposto da erosão. Ou seja, a praia cresce a uma taxa de seis metros por ano”, explica.

Convivendo com as intempéries

Genil Emílio | Agricultor reclama da precariedade das estradas

Genil Emílio da Silva é produtor rural, nascido e criado em Farol. A propriedade em que trabalha fica na praia e atualmente ele reside na localidade de Barra do Furado, em Quissamã, e todos os dias faz o trajeto entre os dois municípios e diz que, por muitas vezes, não consegue passar pela Estrada das Gaivotas.

“De 20 anos pra cá a maré passou a avançar muito e toma a estrada toda, eu já vi esse trecho ser refeito pelo menos três vezes, e eles fazem sempre no mesmo lugar, aí o mar destrói novamente. Seria preciso fazer um novo traçado, um recuo, para evitar que seja destruída de novo”, diz o produtor rural.

O pescador Jocimar de Souza ressalta que a precariedade da Estrada das Gaivotas traz prejuízos aos moradores do Farol, principalmente aos que vivem da pesca e precisam passar pelo local para acessar o terminal pesqueiro.

“Hoje, para vir pra cá, a gente precisa ter a própria condução, porque, pela falta da estrada, não tem mais ônibus e não tem van. Para chegar ao terminal, a gente precisa vir de carro, passando de madrugada por essa estrada perigosa. Então, são muitos problemas. A gente precisa de uma via que passe mais longe do mar, porque cada vez mais ela está acabando. Estamos com medo de que a próxima ressaca leve o que resta do asfalto”, teme o pescador.

Geógrafo | Marcos Pedlowski

O geógrafo Marcos Pedlowski lembra que, para toda ação do homem sempre haverá reações da natureza. “A gente não pode olhar para a paisagem onde ocorre a interferência do homem e achar que o que se faz não altera os processos naturais. O fluxo da água com a sua chegada ao oceano, levando os sedimentos, é parte de um processo natural. Se alterar isso tudo, vai ter uma resposta em algum lugar. E, no caso da área costeira, o que acontece é a erosão”, diz.

Ações da Natureza no Xexé
Na praia do Xexé, ainda em Campos, até o limite com a praia do Açu, em São João da Barra, também há um processo de erosão em discussão e trazendo transtornos a quem tem que circular entre os dois municípios pela orla.

Aparecida Gama é comerciante e conta que por várias vezes a população se reuniu para ajudar a retirar veículos que ficam agarrados na Estrada de Maria Rosa. “É caminhão, é carro baixo, quando tem ressaca, às vezes, as pessoas têm que enfrentar, por causa de alguma necessidade, e passar. Não tenho nem como contar as vezes que os carros ficam agarrados aqui, precisando de ajuda. Quando é durante a noite, é mais perigoso ainda”, conta a comerciante.

Geógrafo marinho|Eduardo Bulhões

O geógrafo marinho Eduardo Bulhões aponta o caso no Xexé como crítico e também uma possível solução para o problema dos moradores.
“Na estrada que chamam de Maria Rosa, a erosão é diferente. Ela não é resultado de nenhuma intervenção humana. Ali, temos uma fragilidade relacionada à ação de ondas de tempestade. Ao longo do ano, alguns eventos de ressaca atingem aquela linha de costa e ali existe uma tendência de erosão relacionada a episódios de tempestade. É uma dinâmica natural, não tem intervenção antrópica (do homem), a não ser o posicionamento da estrada”, disse o especialista, que já sugeriu em estudos que a estrada seja deslocada em torno de 150 metros, para resolver o problema.

Crime ambiental

Biólogo | Eron Costa

O biólogo Eron Costa, gestor do Parque Estadual da Lagoa do Açu, unidade de conservação na região da praia do Farol de São Thomé, explica que, após a invasão do mar sobre a estrada de Maria Rosa, que fica dentro do Parque, os veículos começaram a passar pela área de restinga, o que é proibido por lei, e que o Parque está empenhado em colaborar para a construção de uma nova estrada, dentro dos parâmetros de proteção ambiental, inclusive, já foi enviado um projeto de traçado à Prefeitura de Campos, de forma a não interferir, nem na faixa litorânea, nem na fauna local.

“Esse avanço do mar vem sendo observado há mais de 40 anos. Nós estamos sugerindo junto ao município a construção de uma nova estrada, com pontos que passam até 100 metros distantes da faixa litorânea, e posteriormente. Vamos precisar pensar em como conter esse avanço. O município pode, por exemplo, utilizar pedras, para fazer essa contenção”, diz o biólogo.

Prefeitura

Estrada das Gaivotas (Foto: Silvana Rust)

A Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Pesca, informa que o estudo sobre os dois trechos, sendo o primeiro que liga a Praia do Farol de São Tomé a localidade de Maria Rosa e o segundo que liga a praia até a localidade de Gaivotas, já foi elaborado e as obras ficariam em torno de R$ 200 milhões, por se tratar de um reparo complexo devido ao desgaste que a estrada sofre por conta de fatores ambientais, como a ressaca. Desta forma, há necessidade da construção de uma estrada com uma estrutura que suporte os avanços periódicos do mar. “O projeto está pronto, mas é um projeto caro, grandioso, que envolve também a contenção do mar. Mas o prefeito Wladimir Garotinho já está atuando e busca apoio junto aos governos estadual e federal, porque a obra exige um volume muito grande de recursos para a Prefeitura de Campos disponibilizar, sozinha, neste momento”, ressalta o secretário Almy Junior.

Ainda segundo o órgão, do lado do Xexé há uma região que é parte do Pelag, o Parque Estadual da Lagoa do Açu, com uma área que vai ao encontro do mar. O secretário disse que a prefeitura depende de autorização do Inea para qualquer intervenção que tenha de ser feita na área do parque, assim como, sempre que for encontrado algum tipo de fauna ou flora que precisa ser preservada, para alteração do traçado da estrada. A Secretaria de Agricultura e a Subsecretaria do Meio Ambiente do município têm buscado entendimento junto ao Inea e à direção do Pelag sobre qual o melhor trajeto a ser feito no local. Conforme o secretário, dois trajetos planejados precisaram ser alterados porque foram encontradas espécies de formigas e de plantas endêmicas, que não podem ser retiradas do lugar.

“Dessa forma, a questão ambiental é que vai pautar onde será o traçado da estrada. Já está prevista uma visita minha e do subsecretário de Meio Ambiente, Renè Justen, no Pelag, para levantar qual o melhor caminho. Mas o projeto está pronto e o município busca os recursos necessários para execução dessa obra, que é tão importante”, concluiu Almy.

O Jornal Terceira Via entrou em contato com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e com o Ministério da Economia, atual responsável pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que resguarda também as praias brasileiras, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.