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Situação da Mata Atlântica e do Parque do Desengano é analisada por ambientalista

Aristides Soffiati comenta sobre os desafios de manter o que restou da floresta nativa em Campos e região

Entrevista
Por Ocinei Trindade
31 de maio de 2022 - 13h11
Aristides Soffiati é escritor, professor e ambientalista (Foto: Carlos Grevi)

O escritor e ambientalista Aristides Soffiati acompanha, há décadas, o problema do desmatamento em Campos dos Goytacazes e região. Ele é um dos participantes da reportagem especial “Desmatamento ainda ameaça o Parque Estadual do Desengano” (clique aqui). Nesta entrevista, Soffiati analisa a situção da Mata Atlântica e os desafios para a conservação do que restou da floresta.

Como avalia a situação desse ecossistema Mata Atlântica no Brasil e Rio de Janeiro, em especial em Campos dos Goytacazes?

A Mata Atlântica se estendia do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Sul, em 1500. Era o segundo bioma do Brasil. Ao longo de cinco séculos, o desmatamento reduziu o bioma a cerca de 10%. Foi o maior processo de desmatamento do mundo. No norte/noroeste fluminense, ele se estendia ao longo do rio Paraíba do Sul a partir do rio Preto para cima, subindo a serra. Na margem direita, ela existia em Guarus e subia o vale do Muriaé. Só com estudos históricos, é possível avaliar a pujança da Mata Atlântica no norte/noroeste fluminense.

Como observa os vestígios de mata nativa em Campos e região?

Existem tufos espelhados pela região. Em São Francisco de Itabapoana, existe um importante protegido pela Estação Ecológica Estadual de Guaxindiba. Se considerarmos a vegetação de restinga como integrante da Mata Atlântica, o Parque Estadual da Lagoa do Açu também protege um remanescente. Há outros fragmentos protegidos apenas no papel, além de outros sem proteção de qualquer tipo.

Qual a avaliação da situação do desmatamento no município e na região onde, por exemplo, o Parque Estadual do Desengano se situa?

Fizemos uma proposta ao Inea de ampliar o limite sul do Parque Estadual do Desengano, a fim de abranger o que restou da Mata Atlântica no vale do Imbé, Lagoa de Cima e Morro do Itaoca. Chegou a ser feito um estudo que aprovou a proposta. Mas nada saiu do papel. A maior parte do Parque do Desengano se situa no município de Campos. Não acreditemos que uma Unidade de Conservação de Proteção Integral funciona sem problemas no Brasil. Ocorre desmatamento dentro e no entorno do Parque. Não havendo interesse do Estado, conseguimos aprovar no Plano Diretor de Campos, a ampliação da Área de Proteção Ambiental da Lagoa de Cima, a fim de proteger um remanescente considerável de Mata Atlântica. Não saiu do papel.

Como vê a questão do reflorestamento e recuperação da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro, em Campos e região?

Os planos estaduais de reflorestamento se sucedem sem nunca terem continuidade. A maioria não sai dos planos. A sociedade não tem consciência da importância da Mata Atlântica, nem sabe o que as autoridades devem a ela. O desmatamento foi secular. Nenhum projeto pode pretender a recuperação da Mata Atlântica na região, no estado e no Brasil. Mas existem pontos vulneráveis que deveriam merecer atenção das autoridades, como margens de rios e lagoas, encostas e topos de morro. Já esbocei a história do desmatamento na região. Precisamos agora de uma história dos projetos de reflorestamento não realizados.

O que destacaria sobre a relevância da Mata Atlântica, suas espécies de árvores e animais?

A Mata Atlântica é uma floresta tropical, como a Amazônia, a do Congo e a da Indonésia, mas tem uma peculiaridade: o relevo. O que restou dela mostra que se trata de um ecossistema extremamente biodiverso, importantíssimo para a produção e conservação de água e de rara beleza. Não sem razão, Tom Jobim a considerava o ambiente mais belo do mundo. Os viajantes e naturalistas estrangeiros ficaram fascinados com ela no século XIX e deixaram essa encantamento registrado em seus diários. Quem estuda a Mata Atlântica, padece de melancolia.

Acredita que seria possível recuperar áreas degradadas? De que maneira?

É perfeitamente possível. Já existe conhecimento acumulado sobre tal recuperação. Mais: existem experiências bem sucedidas no Brasil. Há anos insisto nessa tecla junto às autoridades regionais, mas elas preferem a compensação do preguiçoso e do oportunista, incluir o norte/noroeste no semi-árido, como se esse nosso semi-árido não tivesse sido produzido por ação humana.

Qual o papel do poder público nessa questão de combate ao desmatamento?

Está claro que todo cidadão é responsável pela manutenção de fragmentos de florestas e pela reivindicação em sua regeneração. Mas é preciso o interesse e o comando do poder público em todos os níveis, pois o reflorestamento deve ser planejado e conduzido por especialistas. Do contrário, as pessoa saem plantando casuarina e amendoeira, entendendo que estão reconstituindo a mata original. Além do mais, o desmatamento do que sobrou deve ser coibido pelo poder público.

Como analisa a situação de desmatamento em Campos?

Um relatório de 1785 e livros de naturalistas europeus traçam um retrato do que era floresta no norte/noroeste fluminense. Ainda no final do século XIX e até cerca de 1950, ela era bastante extensa. Os proprietários rurais podem reclamar de mim, mas foram os ancestrais deles que reduziram a floresta a tufos na região. Foram eles que a transformaram no semi-árido. O ressecamento não foi natural. Portanto, eles têm como herança o dever de promover o reflorestamento, ainda que conduzido por especialistas. Euclides da Cunha mostrou como se faziam desertos no Brasil e ensinou a desfazê-los. Essa lição precisa ser aprendida por nós. Não se trata apenas de uma questão ecológica, mas também econômica, pois a economia precisa de florestas para reduzir o aquecimento global, conservar água e contribuir para a agropecuária e outras atividades.

O que pode ser feito para explorar áreas florestais econômica e turisticamente de modo equilibrado?

Já existe o consorciamento de agropecuária e exploração florestal em vários lugares do Brasil. Nesse aspecto, também a região está muito atrasada. Fala-se muito em conhecer para proteger. Mas o certo é proteger para conhecer. As pessoas ainda praticam um turismo muito predatório.

Sobre conservação da Mata Atântica e do Desengano, o que mais gostaria de destacar?

Educação apenas não resolve, mas ajuda muito. Quando estudamos vegetação nativa e fauna, tomamos exemplos distantes de nós, embora, no mundo atual, tudo esteja perto. Interessa tanto o elefante e a girafa, animais africanos, quanto a anta e o tamanduá, animais da fauna sul-americana. Mas, não região, não conhecemos o solo sob nossos pés. Não conhecemos os fragmentos residuais de vegetação nativa. Continuamos a exterminar os animais nativos. Não temos ideia do que foram as florestas na região. Os professores não estão preparados para esse tipo de ensinamento.