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Solar da Baronesa se deteriora em longa espera por recuperação

Patrimônio histórico que pertence à Academia Brasileira de Letras está há décadas fechado ao público

Campos
Por Ocinei Trindade
8 de maio de 2022 - 0h01

Na área rural de Campos dos Goytacazes, a 15 quilômetros da cidade, um prédio do século XIX se destaca na paisagem. O imponente Solar da Baronesa é um exemplar do que foi a aristocracia local. Nos anos 1970, foi doado pelo antigo proprietário da Usina Sapucaia para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Houve uma grande obra de restauração. Por mais de 20 anos, o prédio foi aberto ao público para visitação. Após a morte do presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, em 1993, o Solar da Baronesa entrou em declínio. Em 2018, em visita a Campos, o então presidente da ABL, Marco Lucchesi, afirmou que recuperaria o edifício. Porém, até o momento, se mantém fechado e com aspecto de deterioração.


Quatro anos após a visita de Marco Lucchesi ao Solar da Baronesa, o Terceira Via esteve no prédio para ver como estão as instalações. Há janelas e portas danificadas; vidros, grades e luminárias quebrados; aparente degradação. O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos (IHGCG), Genilson Soares, avalia sobre a atual situação e a tentativa da ABL em recuperar o prédio:
“Ele esteve em Campos para propor uma parceria com a Prefeitura e as entidades culturais, visando uma co-gestão do espaço, mas de lá pra cá nada mais aconteceu. O Solar foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1974. Após a morte de Austregésilo de Athayde, a ABL não deu mais uso ao equipamento e o manteve fechado. Na primeira década do século 21, ocorreu uma denúncia legal ao Ministério Público Federal pelo abandono do prédio. A ABL foi obrigada a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual se comprometeu a restaurá-lo. A ABL tem a responsabilidade jurídica sobre o imóvel, mas todas as entidades culturais e preservacionistas da nossa cidade têm o dever moral de dar sua cota de contribuição para preservar esse importante patrimônio histórico e arquitetônico da nossa planície”, afirma.


Em 2018, o jornalista Vitor Menezes presidia a Associação de Imprensa Campista (AIC). Ele participou da visita de Lucchesi a Campos, juntamente com o então prefeito Rafael Diniz e o reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF), Jefferson Azevedo. “Depois de tanto tempo de abandono, retomava-se a esperança de que as forças vivas da cidade estariam finalmente à altura de reconhecer e preservar o patrimônio que nos foi legado. Aquele passo de 2018 foi muito importante e pode e deve ser retomado. É claro que fica uma frustração por não se ter avançado desde então, mas não há outro caminho a tomar que não seja o de continuar tentando”, diz.

Academia Brasileira de Letras se posiciona


O presidente da Academia Brasileira de Letras, Merval Pereira, foi procurado pela reportagem. Ele não se manifestou. Uma nota foi enviada pela administradora geral da ABL, Ana Paula de Castro. Segundo ela, “não existe qualquer situação de abandono do imóvel Solar da Baronesa, a toda evidência inestimável patrimônio, por parte da Academia Brasileira de Letras”. A administradora disse tomar todas as medidas ao seu alcance para a conservação do bem, incluindo limpeza e manutenção.
“Encontram-se atualmente em andamento tratativas junto ao Iphan-RJ para aprovação do Projeto de Restauro do Imóvel, sendo, porém, imprescindível sua conclusão para início das obras. É notório que a ABL está se empenhando não somente em promover a obra de restauração do prédio, mas também em restituir ao imóvel sua finalidade cultural, adequando a utilização dos espaços restaurados para garantir a sua preservação, bem como a sua função social. A ABL é uma instituição cultural sem fins lucrativos, seus recursos são limitados. Para lograr a consecução de seus objetivos, cujos custos serão elevados, persistem a procura por interessados em desenvolver parcerias e a busca por obtenção de financiamento através de agências de fomento,  públicas e privadas”, explica a administradora.


O arquiteto e urbanista campista, Humberto Chagas, é especialista em restauro e reciclagem de edificações. Ele coordenou em 2011 e 2012 obras de restauração do telhado do solar. “Apesar de eu não estar por lá ultimamente, considero que está em bom estado. A obra conseguiu estancar grande parte dos danos que evoluíam. A restauração do telhado foi medida bastante acertada. Daria uma nota 8 para o estado do prédio. Considerando os demais prédios tombados em Campos pelo Iphan, como o Solar dos Ayrizes quase em ruínas, o Solar de Santo Antônio (Asilo do Carmo) em péssimo estado”, avalia.

Passado e futuro do Solar

O casarão era de propriedade dos Barões de Muriaé, o fazendeiro Manuel Pinto Neto da Cruz e Dona Raquel Francisca de Castro Netto da Cruz. Eles eram donos também do solar que é sede atual do quartel do Corpo de Bombeiros, na Beira Rio. Em 1973, o Solar da Baronesa em ruínas foi doado pelo usineiro e senador João Cleófas para a ABL. “Foi feito um grande trabalho de reconstrução, mas basicamente o prédio que hoje conhecemos é um “falso histórico”, principalmente no seu interior, onde todo mobiliário e objetos de decoração foram introduzidos ao gosto do imortal presidente Austregésilo de Athayde da ABL. Isso não tira a importância histórica e arquitetônica do Solar, um espaço que representa o apogeu da aristocracia rural campista no século XIX, e que abrigou o Imperador Pedro II na sua primeira visita à planície goitacá, em 1847”, cita Genilson Soares.

José Sarney e Sr. Austregésilo de Athayde, em Visita a Campos


Em 1985, o ex-presidente José Sarney esteve em Campos para assinar a Lei dos Royalties do Petróleo. Ele sancionou no já reconstruído Solar da Baronesa, a lei que tornava de utilidade pública o Instituto Internacional de Cultura da ABL. “Austregésilo de Athayde sonhava em criar também no prédio anexo a Biblioteca Varnhagen, com mais de 200 mil volumes. Sua primeira ação foi adquirir do livreiro Walter Cunha uma Brasiliana, que embalou e mandou a coleção de livros para Campos. Para Austregésilo, o local teria como objetivo formar políticos para bem desempenharem suas funções. Infelizmente, esse sonho se foi com a morte dele”, explica o presidente do IHGCG.


A historiadora Graziela Escocard lamenta a situação atual do prédio histórico. “Realmente, na época do presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, o Solar da Baronesa teve vida, com atividades culturais e servia como o suposto museu. O Museu Histórico de Campos herdou, inclusive, alguns de seus acervos, como o busto da Princesa Isabel de bronze e a mesa de jantar com pedra de mármore e duas cadeiras de terrinha medalhão. A construção é um exemplo vivo do modo de vida da nobreza rural da região no passado. Possui um porão, onde, supostamente, seria a senzala dos escravizados”, destaca.


Para o jornalista e professor Vitor Menezes, o edifício histórico precisa ser recuperado para o  presente e o futuro.  “Uma sugestão que demos, e que precisaria ser debatida com os movimentos sociais envolvidos e núcleos universitários, é de que o Solar se transformasse em um centro de preservação da memória africana e indígena no Brasil, partindo da própria força histórica regional destas duas culturas. Seria uma forma de ressignificar a antiga casa grande, tornando-a emissora da cultura que vinha da senzala que, de fato, a construiu. Assim como daquela dos povos originários dizimados para que os colonizadores erguessem seus solares. É importante que o solar não seja restaurado para ser algo intocado, distante da população, mas algo que se integre ao dia a dia dos estudantes, dos trabalhadores, que seja acessível e atraente”, conclui.