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Inflação força mudança nos hábitos alimentares

Donas de casa, restaurantes e deliveries buscam alternativas nas refeições

Economia
Por Clícia Cruz
1 de maio de 2022 - 0h01
(Fotos: Silvana Rust)

O aumento dos preços dos alimentos tem levado famílias de Campos a mudarem os hábitos e consumirem cada vez menos produtos considerados supérfluos. Os carrinhos nos supermercados estão cada vez mais vazios e, em muitas casas, as pessoas têm optado por não fazerem mais compras mensais, deixando para adquirir alimentos à medida que eles vão acabando no armário. Os preços altos alteraram o perfil do consumo também nos açougues e hortifrutis, onde os produtos sofreram alterações elevadas de preço nas últimas semanas. Além dos produtos derivados do leite e da carne, os novos “vilões” são os legumes e as verduras. O tomate, que custava de R$ 5,90 a R$ 8,90, dependendo da qualidade, chegou a ser vendido a até R$ 19,90 nos supermercados, enquanto a cenoura, antes comercializada por R$ 4,50, chegou a R$ 12,90.

A alta de preços chegou a 12,03% em 12 meses, segundo dados do IPCA-15, considerado uma prévia da inflação oficial, divulgados neste mês de abril. Grande parte desta elevação é reflexo dos aumentos nos preços dos combustíveis. A gasolina ficou 30% mais cara e o diesel aumentou 52,53%. Já o etanol subiu 30,55%. O gás de cozinha aumentou 32,45% e a conta de energia elétrica, 30,16%.

A dona de casa Silvana Ferreira confessa que é preciso selecionar o que vai levar na hora de fazer as compras. “Primeiro que marca já não existe aqui em casa há tempo. Preciso comprar o que tem o melhor preço. Mas, até o preço mais baixo na prateleira ainda é alto para o que a gente ganha. Absolutamente tudo subiu. Produto de limpeza, arroz, feijão, carne.
Legumes, não preciso nem citar. Não há condição de comer legume todo dia. A gente precisa recorrer ao arroz com feijão e o que der, a gente come de carne. Até o dorso de frango, que é a carne mais barata que a gente tem acesso, subiu. Moela de frango está a R$ 16 o quilo. Como a gente faz? Está cada dia mais difícil!”, desabafa.

Restaurantes |Proprietários tentam não mexer no cardápio

Empresários do ramo enfrentam dificuldades
A empresária Luciene Tavares tem dois restaurantes no Centro de Campos. No cardápio, ela oferece um buffet variado de saladas e carnes nobres, como filé mignon e picanha, além de peixes como salmão e linguado. Para manter o padrão, ela tem feito sacrifícios. “Esse ano, nós precisamos aumentar o preço do quilo três vezes, e para ter uma margem de lucro, na verdade, eu precisava aumentar mais, mas nós também precisamos compreender que o consumidor não está conseguindo pagar por isso. Comer fora virou artigo de luxo! Estamos numa luta diária para pagar as contas de luz e gás, que são altas, além dos salários dos funcionários, porque nós não demitimos ninguém. Mas, se eu for falar que todas as contas estão em dia, eu estou mentindo. Não tem como manter tudo em dia, porque cada dia que vamos às compras, os produtos estão mais caros”, lamenta Luciene.

Silésia Silva trabalha fornecendo quentinhas. Ela relata uma busca diária pelo menor preço, para não ter que baixar o padrão do produto que vende, e conta algumas estratégias para economizar. “Meus clientes estão acostumados com feijão vermelho, que normalmente já é mais caro. Não posso mudar, então compro o que tem o melhor preço e coloco de molho na véspera para economizar o gás na hora do cozimento. Também precisei alterar um pouco o cardápio, diminuindo os tipos de carnes vermelhas e peixes, porque senão, teria que aumentar muito o valor da comida. Preferi manter a qualidade e diminuir a variedade para continuar tendo meus clientes satisfeitos”, explica.

O empresário Júlio Rangel estava com um restaurante montado quando começou a pandemia, mas precisou voltar atrás no planejamento e começou a fazer delivery. Ele não mexeu no cardápio, preferiu diminuir o estoque para não precisar alterar o tipo de comida que serve ao cliente. “Continuamos servindo tudo que tínhamos no início. Estou segurando o preço nesse momento. Não repassei aos clientes, diminuí minha margem de lucro”, explica.

Ele se queixa do excesso de impostos que incidem sobre os alimentos. “Se o governo tem algum problema, alguma lacuna, ele empurra pra gente pagar a conta. Aumenta tributo, aumenta imposto, IOF, por exemplo, que a gente paga em tudo e nem sabe, além das tarifas altas, como as de energia e gás”, pontua.

Aposta na variedade
No Mercado Municipal, feirantes apostam na oferta de produtos de diferentes faixas de preços para tentam atrair os consumidores e atender a todos os bolsos. “Temos variedade. O tomate menor, mais maduro, sai por R$ 4,99 o quilo, enquanto o maior, é R$ 7,80. Assim, podemos atender a todos os públicos”, diz Marco Antônio, feirante há 18 anos. Ele lembra que a última vez que os preços ficaram tão altos foi na greve dos caminhoneiros, em 2018.

Maycon Mota Pereira trabalha com hortaliças. Ele diz que, além da alta no preço dos combustíveis, as últimas catástrofes climáticas ocorridas na Região Serrana, de onde vem a maior parte dos produtos comercializados em Campos, também influenciou nos valores cobrados do consumidor. “Na verdade, aumentou o preço de tudo. Até as sacolas que a gente coloca a verdura, que custava R$ 3 o cento, agora custa R$ 7. A gente tenta ter o melhor preço para atender o cliente, até porque, a gente sabe que está difícil para todo mundo. Mas não tem sido fácil lidar com as altas constantes”, confessa.

Maycon | Até o preço das sacolas aumentou

O jovem é filho de produtor rural e conta que até o plantio das hortaliças ficou mais caro. “Para puxar a água, a gente precisa de energia elétrica, que subiu muito. O transporte para trazer as verduras de Brejo Grande para cá também aumentou por causa do combustível. Meu pai produz couve, quiabo, jiló e rúcula. Se não fosse ter que pagar contas tão altas, poderíamos servir o cliente com um melhor preço”, pondera.

Na banca de peixes, o comerciante Geovane Amaral afirma que o movimento caiu devido à alta, mas que consegue manter as vendas porque tem clientes que não abrem mão do produto. “Agora, então, perto da Semana Santa, já é normal os fornecedores aumentarem os preços. A gente espera que comece a baixar um pouco nas próximas semanas”, diz.
O pescado também teve alta. O quilo do cação, por exemplo, que é um dos peixes mais comprados pelos restaurantes, era comercializado a R$ 30 em fevereiro e agora custa R$ 45.

Rosa dos Santos | Diarista relata ter que escolher entre frutas e legumes

Pesquisando preços, a doméstica e dona de casa Rosa dos Santos diz que não compra mais legumes por quilo. “Compro três batatas, duas cenouras. Quando as crianças querem uma banana ou uma laranja, a gente já dá preferência a uma fruta e não compra o legume, porque o dinheiro não dá pra tudo”, explica.

Em um hortifruti na região da Pelinca, o gerente Paulo Victor Barros explica que os clientes têm diminuído o consumo diante da alta, mas que a negociação é feita diariamente com os fornecedores para tentar chegar a um valor final mais acessível. “A gente briga por preço todo dia. Negocia com fornecedor, troca fornecedor, procura produtos um pouco mais em conta para o consumidor não deixar de ter o produto que procura com um preço que possa pagar”, explica.

Economista Paulo Clébio Nascimento – Inflação deve continuar

Cenoura e tomate, os vilões do mercado
Segundo dados divulgados esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a alta da cenoura chegou a quase 200% no acumulado em 12 meses até abril, enquanto o tomate subiu 117% no mesmo período. A inflação continua sendo um reflexo das chuvas intensas que afetaram as principais plantações do país em janeiro e fizeram com que o volume do alimento vendido pelos produtores diminuísse.
Já o tomate tem oferta menor devido à diminuição da colheita desde que chuvas intensas no início do ano geraram perdas nas plantações, afetando os produtores do Sudeste e do Nordeste.

Inflação deve continuar
O economista Paulo Clébio Nascimento vê com preocupação o cenário econômico no país e acredita que a inflação deve continuar alta nos próximos meses. Para ele, vários aspectos contribuem para o aumento nos preços, inclusive a guerra na Ucrânia e a pandemia de Covid-19.
“A gente já estava tendo um problema inflacionário gigante por conta de outro fator macroeconômico, que é a pandemia. Mas nós estamos também tendo um problema interno, que é a má gestão do Governo Federal no que tange à não preocupação com a economia. Um olhar não focado nos resultados da redução da inflação. Hoje, temos a previsão de uma inflação maior dos últimos 27 anos. Isso mostra um pouco do descaso”, diz.
Ele chama a atenção, também, para o setor de petróleo, já que todos os custos de produtos têm ligação direta com o preço dos combustíveis.
“A desculpa é que tínhamos esse produto, que tinha uma ligação direta com o dólar. Aumentava o dólar, aumentava o petróleo. Agora o dólar baixou, está a menos de R$ 5, e o combustível não baixa. Isso mostra, novamente, que essa é a hora da intervenção do governo. O governo precisa intervir em uma situação como essa”, encerra.

Lista dos 20 produtos que mais subiram e pesaram a inflação
1. Cenoura – 166,17%
2. Tomate – 94,55%
3. Pimentão – 80,44%
4. Melão – 68,95%
5. Melancia – 66,42%
6. Repolho – 64,79%
7. Café moído – 64,66%
8. Mamão – 54,95%
9. Óleo diesel – 46,47%
10. Gás veicular – 45,54%
11. Abobrinha – 44,99%
12. Transp. p/ aplicativo – 42,74%
13. Açúcar refinado – 40,30%
14. Alface – 38,92%
15. Mandioca (aipim) – 36,12%
16. Açúcar cristal – 35,68%
17. Laranja-baía – 34,21%
18. Gás encanado – 33,37%
19. Mudança – 32,98%
20. Açúcar demerara – 31,89%