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Após a ressaca, ossadas voltam a aparecer na praia de Manguinhos

Local é reconhecido pelo IPHAN como sítio arqueológico

Geral
Por Redação
19 de abril de 2022 - 12h45
(Foto: Divulgação)

Após a ressaca que afetou o litoral de São Francisco de Itabapoana neste fim de semana, ossadas humanas voltaram a ser encontradas na Praia de Manguinhos, nesta segunda-feira (18). Desde 1997 o local é registrado como sítio arqueológico pela IPHAN. As ossadas começaram a ser encontradas no local na década de 70.

De acordo com o Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico do Atlântico de Escravos e da História dos Africanos Escravizados do Brasil, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o local conhecido também como “Porto de Manguinhos” foi um importante local de desembarque clandestino de africanos, mesmo após 1850. Além de traficantes de escravos de São João da Barra, vila a qual pertenciam as praias de Manguinhos e Buena, a região também era utilizada para desembarque de africanos por traficantes de Quissamã, Bom Sucesso, Carapebus e Macaé.

(Foto: Arquivo JTV)

Segundo informações de moradores locais, o cemitério ficava de duzentos a trezentos metros da praia, porém com o avanço do mar, quando a maré sobe acaba deixando as ossadas aparentes quando baixa novamente.

Para a historiadora Rafaela Machado, o cemitério de Manguinhos continua sendo, mesmo nos dias de hoje, uma importante lembrança do quanto a nossa região se formou a partir da utilização em larga escala do uso da mão de obra de pessoas escravizadas. “É por isso que a região em que esses vestígios são encontrados na praia de Manguinhos sempre volta a ser assunto quando as ossadas são expostas pelo movimento das marés ou pela ação humana. O sítio arqueológico de Manguinhos foi identificado pelo IPHAN por volta da década de 70 e desde então a instituição recomenda a preservação do local, o que sabemos ser muito difícil, seja por conta da ação do próprio mar, seja pela ação humana”, diz Rafaela.

“O que precisa ser feito em caráter de urgência é o cuidado e isolamento permanente da área e a retirada desses vestígios para alguma reserva técnica – de preferência estabelecida na região e não no Rio de Janeiro. Além disso, é necessário um longo e profundo trabalho de educação patrimonial para conscientização da população sobre a importância de preservação desses achados arqueológicos e sobre a importância histórica desse processo. Todo esse movimento precisa ser acompanhado mais de perto pelo IPHAN e as medidas não podem ser meramente paliativas, mas reparadoras e, principalmente, preventivas”, ressalta Rafaela.

Rafaela também chama atenção para o fato que Manguinhos representa hoje uma das permanências materiais da existência da escravidão em larga escala na nossa região, isto é, no norte e noroeste fluminense, bem como para o sul do Espírito Santo. Desde 1850, com a Lei Eusébio de Queirós, a região foi estabelecida – por conta da sua localização privilegiada e estratégica – como área de desembarque clandestino de africanos escravizados na região. “Os que conseguiam resistir às difíceis condições da longa viagem, passavam por quarentena nas fazendas próximas e dali eram distribuídos pelas unidades produtivas. Os que não sobreviviam eram enterrados naquela mesma região, vindo hoje à tona para nos lembrar permanentemente o quanto a nossa região se formou através do uso da mão de obra de escravizados”, finaliza.

A Prefeitura de São Francisco, disse por meio de nota que “O trabalho que o Departamento de Cultura da SMEC de São Francisco de Itabapoana tem é fazer o recolhimento das ossadas, com tratamento adequado para a preservação em local apropriado, até que sejam encaminhadas para pesquisas de arqueólogos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que visitam o município com esta finalidade. Pedimos à população e visitantes que não retirem as ossadas do sítio, devendo ao encontrá-las comunicar ao Departamento de Cultura para o devido recolhimento. Em relação à maré, não podemos controlar a força da natureza. O Sítio Arqueológico é um antigo cemitério, já que Manguinhos tinha um porto ilegal de tráfico de escravos e as pessoas submetidas à condição de escravidão que chegavam mortas ou morriam após desembarcarem eram enterradas próximo ao local, diz a Prefeitura.

IPHAN
Em dezembro de 2019, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) solicitou à prefeitura providências emergenciais para proteção do local, como o isolamento provisório da área, a sinalização e a orientação para a comunidade sobre a importância de não tocar ou coletar os elementos ósseos aflorados. As medidas, que visam evitar maior descaracterização e descontextualização do sítio arqueológico, foram atendidas pela prefeitura.