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Arquiteto e urbanista defende mobilização social para preservar patrimônio cultural de Campos

Para Albite Coutinho, é preciso mudança de pensamento nas esferas pública e privada sobre conservação arquitetônica

Entrevista
Por Ocinei Trindade
31 de março de 2022 - 11h57
Albite Coutinho (Foto: Acervo Pessoal)

Na reportagem “Campos chega aos 187 anos, mas com perdas no seu patrimônio cultural” do Jornal Terceira Via desta semana(clique aqui), o arquiteto e urbanista Albite Coutinho é um dos especialistas que analisa a situação de decadência de prédios históricos da cidade, e que correm riscos de desaparecer, caso não haja preservação. Ele defende mudança de pensamento e cumprimento de leis quanto à manutenção e permanência das edificações históricas da cidade.

Nos anos 1990, Campos foi apontada entre as cidades de arquitetura mais eclética ou diversificada do país. Seria a segunda, atrás do Rio de Janeiro. Como observa este fato?

Tendo como principal característica a diversidade de estilos, o ecletismo na arquitetura em nossa cidade é expressivo devido ao grande acervo de edificações ainda existente, que resistem ao tempo, mantendo Campos nessa posição.

O patrimônio histórico e arquitetônico da cidade começa a ser eliminado, substituído ou destruído a partir de que momento da História do Município?

Em Campos, a degradação das edificações históricas ocorre desde os anos 1960. Os novos conceitos de desenvolvimento urbano da época impõem a destruição desses legítimos representantes da história e da cultura de nossa cidade, com a justificativa de eliminar o que seria um “obstáculo” para dar lugar ao que era novo. É a valorização econômica do espaço geográfico urbano.

Temos várias demolições ou descaracterizações ao longo dos séculos. Como observa essas transformações urbanas, suas consequências e as supostas perdas de identidade arquitetônica?

A meu ver, essas demolições podem ser definidas como “rejeição da história” em detrimento da vida moderna. As transformações da paisagem urbana na área central da cidade trouxeram perdas irreparáveis das referências históricas da arquitetura, para dar lugar a um novo conceito de edificação, representando o novo desenvolvimento político e social, rompendo de vez com o passado e negando a importância da própria história da cidade. É a deterioração da cultura com a perda de valores históricos.

Ainda há um conjunto de prédios históricos tombados pelo Coppam em péssimo estado de conservação. Que futuro há para essas construções e como incentivar na preservação desses conjuntos?

Historicamente, é o poder econômico quem dita as regras no desenvolvimento social. Se não houver uma mudança no pensamento de quem está à frente desse poder, quer seja na esfera pública ou na esfera privada, no que se refere a preservação do patrimônio arquitetônico e cultural da cidade, essas edificações terão o mesmo destino de tantas outras. O poder público tem a lei, desde a mais alta instância, como forma de atuar ativamente na proteção desse patrimônio. Mas é preciso que haja uma mudança de mentalidade no reconhecimento da importância histórica dessas edificações para o desenvolvimento social da cidade.

Praça São Salvador

Até onde poder público e iniciativa privada poderiam auxiliar na preservação de prédios de arquitetura relevante?

A lei máxima do país, que é a Constituição Federal, impõe regras a serem seguidas, cumpridas e respeitadas. É dever de todos. A lei que define as regras para a proteção do patrimônio cultural do Brasil, a saber: a história, o artesanato, a culinária, as manifestações populares e também as edificações do nosso patrimônio arquitetônico; é clara em todas as esferas públicas, além da Federal, também a Estadual e a Municipal. Ao município está garantido pela Constituição de 1988 a função executiva na proteção de nosso patrimônio arquitetônico, inclusive tendo como base a ação fiscalizadora federal e estadual. O poder público precisa fazer valer essa lei para proteger nosso patrimônio cultural e impor a iniciativa privada a mesma conduta de proteção; sem, no entanto, deixar de dar apoio técnico e incentivo para que haja equilíbrio entre os interesses públicos e privados quanto ao nosso patrimônio arquitetônico.

Parque Alberto Sampaio

Campos conseguiu recuperar alguns prédios históricos como a sede do atual Museu Histórico e a Villa Maria que já foi ocupada pela Prefeitura e está sob responsabilidade da Uenf. Há outros prédios e praças que queira destacar quanta à necessidade de restauração?

Nos dias atuais vemos o Parque Alberto Sampaio totalmente degradado com a ação do “desenvolvimento” urbano. Desde a criação do viaduto até a instalação do camelódromo, o parque praticamente perdeu suas características paisagísticas. Campos é uma cidade que carece de áreas verdes. Esse era um dos poucos parques que tínhamos na área central.

Quais as suas impressões sobre a Campos dos Goytacazes atual? O que pode mudar ou melhorar?

A atual situação não é muito diferente de tempos passados. As edificações que conseguiram se safar da destruição por força legal, sofrem agora com o abandono, com o descaso. Por um lado, estão “protegidas” por processo de tombamento. Por outro, a falta de manutenção física afeta profundamente a integridade dos materiais que sofrem com desgaste natural do tempo, até o desabamento. Mais uma vez, a fragilidade nas efetivas ações de proteção do patrimônio aflora a olhos vistos. É difícil solucionar esse problema sem que haja ação efetiva do poder público. A questão cultural de nosso povo em preservar a história, como mola mestra para o desenvolvimento, ainda não está no nível mínimo desejado. Acho que a mobilização da população para essas questões poderia ser estimulada por meio de palestras, seminários, debates, onde pessoas-chave nesse processo estariam encabeçando esses encontros.

O que sugeriria para Campos arquitetônica e urbanisticamente?

A carência de pessoas nos altos escalões da administração pública e mesmo na iniciativa privada, com real comprometimento com a cultura e história de nossa cidade é gritante. Então, o melhor presente seria o despertar dessas pessoas para unir forças no combate ao descaso geral com a proteção de nosso patrimônio.