×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Ambientalista Aristides Sofiatti analisa a situação dos alagamentos em Campos

Aristides Sofiatti explica as constantes inundações em diferentes áreas da cidade erguida sobre uma planície; ele defende mais ações do poder público

Entrevista
Por Ocinei Trindade
15 de fevereiro de 2022 - 11h38
Aristides Sofiatti

O professor e ambientalista Artistides Arthur Sofiatti se dedica há décadas na preservação ambiental em Campos dos Goytacazes e Norte Fluminense. Ele é um dos participantes da reportagem “Chuvas põem à prova sistema de drenagem de Campos” (clique aqui). Nesta entrevista, o especialista faz uma análise mais detalhada sobre os graves problemas de alagamentos na cidade, além de fazer uma breve recuperação histórica das lagoas e rios que deixaram de existir na região.

Com o crescimento da cidade e várias intervenções urbanas, como avalia a situação de alagamentos em Campos que, aparentemente, vêm aumentando?

Primeiramente, o poder público de Campos deve estudar um pouco de geografia para saber que Campos se ergueu numa planície fluviomarinha a partir do século XVI,e que essa planície é diferente do terreno de Guarus. Na margem direita do Rio Paraíba do Sul, a planície apresenta um ligeiro declive de 10 para 0 até o Farol de São Thomé. Toda água que transborda do rio pela margem direita não volta mais ao rio, enquanto que, pela margem esquerda, volta parcialmente. Campos se instalou em lugar errado, mas agora é tarde. É preciso lidar com a realidade da planície. As muitas lagoas que a cidade envolveu, poluiu, drenou e aterrou são os principais pontos de alagamento, sobretudo por terem sido impermeabilizados com pavimentação. Do jeito que esses pontos estão, os alagamentos continuarão a ocorrer, e de forma mais intensa, porque as chuvas tornam-se mais abundantes por conta das mudanças climáticas.  

Como observa as obras de drenagens e as ações do governo municipal?Nos últimos anos ou gestões foram construídos alguns piscinões próximos ao Alberto Sampaio e no Parque Guarus, por exemplo. Apesar disto, alagamentos se repetem em dias de chuva forte.

Por informações da própria prefeitura, Campos conta com 19 piscinões. Eles estão abandonados e entupidos. Necessitam de manutenção. Quando chove um pouco mais forte, já se pode prever onde haverá alagamentos: cabeceira da ponte Leonel Brizola no lado de Campos. Ali, existia a lagoa do Osório, que foi mal drenada. A ponte ajuda os alagamentos porque funciona como um rio que canaliza as águas da chuva para a antiga lagoa. Já foi construído um sistema de drenagem para o canal Campos-Macaé, mas se tratou de uma sofrível obra de engenharia; no cruzamento da Rocha Leão com a estrada de contorno da BR-101. Ali existia a lagoa do Saco, também mal drenada e com um piscinão ineficaz; na rua Formosa, trecho em que fica o 8°BPM; ali existia a lagoa de Santa Ifigênia; rua Edmundo Chagas, perto do edifício Salete. Ali, existia a lagoa João Maria.O piscinão local não atende aos alagamentos. Área em torno do Cepop; ali havia a lagoa do Goiabal, também mal drenada. E outras áreas com rebaixamento do terreno.

LEIA MAIS

Chuvas põem à prova sistema de drenagem de Campos

A obstrução de canais e coberturas de canais, como no caso do Campos-Macaé, em área urbana, interfere até que ponto nos alagamentos?

Em 1926, o engenheiro campista Francisco Saturnino Rodrigues de Brito concebeu um sistema de drenagem para Campos que teria o canal Campos-Macaé como eixo. Na sua margem direita, seria aberto um canal que drenaria todo um brejo sobre o qual ergueu-se a Avenida Pelinca. Um canal menor entroncava nele, drenando a Lagoa Dourada, ao lado da atual Câmara de Vereadores. Pelo lado esquerdo, outro canal drenaria as lagoas do Goiabal, Santa Ifigênia e João Maria. O canal Campos-Macaé drenaria a Lagoa do Osório e seria usado para escoamento de águas pluviais quando o Paraíba do Sul alcançasse cota de transbordo. Ele concebeu sistema parecido para São Paulo. No entanto, as prefeituras sofreram pressão da especulação imobiliária, que entendia esses sistemas de drenagem e segurança como ocupação de áreas que poderiam permitir a construção de edifícios. Campos precisa de canais abertos e limpos periodicamente, pois se ergue num lugar problemático.

Acredita que haveria obras definitivas que solucionariam esses problemas?

Fica difícil falar em obras definitivas em tempos de mudanças climáticas. Se obras forem dimensionadas pensando apenas nos dias atuais, elas podem estar defasadas em pouco tempo por conta do aumento das chuvas. Mas é preciso atualizar o Plano de Macrodrenagem Urbana, que nunca saiu do papel. Sobretudo, é preciso aplicar o Plano e sempre acompanhar as novas necessidades de drenagem. Sei que a população campista detesta canais abertos, mais pela poluição deles do que pelas águas. Mas é fundamental mantê-los abertos para facilitar sua limpeza.

Além do trecho urbano, há outras áreas preocupantes com alagamentos em Campos?

Campos está crescendo muito e rapidamente, sem a preocupação de obras de infraestrutura, incluída aí a drenagem urbana. Novos pontos de alagamentos estão surgindo em Guarus, na direção de Goitacazes e de Ururaí. É preciso pensar nos rios Paraíba do Sul e Ururaí, assim como na rede de canais. Não basta a ação da Defesa Civil em tempos de enchentes. É preciso, durante o ano, realizar obras que minimizem enchentes e alagamentos. 

Mudanças climáticas e ambientais também influenciam nos alagamentos. Comente um pouco mais.

Muito. Eu diria que a Prefeitura e as Secretarias de Defesa Civil incluíssem essa novidade. Ela não é das melhores. As chuvas que se precipitam sobre a Baixada e outros terrenos da região não são mais do mesmo, mas sim o novo normal. A ficha ainda não caiu para as prefeituras. Na verdade, elas estão agravando ou permitindo que sejam agravadas a questão de drenagem urbana e de áreas de alagamento.

O que a população e o poder público devem atentar sobre prevenção e combate a alagamentos?

A população precisa compreender que estamos ingressando num novo tempo, em que as chuvas serão mais abundantes e mais frequentes. Elas começam a atingir também a classe média para cima. Não mais apenas os pobres. Deve parar de manifestar reclamações pontuais sobre alagamentos, desejando, durante o ano, que nada seja mudado. Já o poder público deve saber bem onde Campos assenta os pés, considerar que o clima está mudando e adaptar a cidade a um novo normal, não atuando apenas em momentos críticos para esquecer que o problemas existe até as próximas chuvas.