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Solar dos Ayrizes em ruínas, enfim, perto da restauração

Justiça Federal determina que Prefeitura de Campos arque com os custos da obra

Geral
Por Redação
23 de janeiro de 2022 - 0h01
Fotos: Carlos Grevi

Alvo de um imbróglio judicial e administrativo que envolve história antiga, cultura, investimento privado, público e muita polêmica, o Solar dos Ayrizes está prestes a deixar o status de abandonado e negligenciado para se tornar protagonista da história contemporânea de Campos, com a proposta de entrar em uma inovadora rota turística regional para valorização arquitetônica e perpetuação da biografia da cidade. Uma sucessão de acontecimentos na última semana evidenciou que o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, está correndo contra o tempo para não ser multado pela Justiça Federal que condenou o Município – sob risco de multa pessoal ao prefeito e de ser investigado por improbidade administrativa – a restaurar o solar. Wladimir anunciou que o prédio poderá ser sede do projeto turístico “Caminhos do Açúcar”, idealizado por um consórcio de municípios da região. Antes disso, porém, o prefeito almejou municipalizar o rico patrimônio, decretando o bem como utilidade pública, o primeiro passo para desapropriação do solar, e assinou convênio com a Sociedade Artística Brasileira (Sabra) para elaboração do projeto de reforma. A decisão judicial não cabe recurso.

Foto: Carlos Grevi

Mas uma polêmica permeia o assunto: o solar é de propriedade privada e, até que o processo de desapropriação seja concluído, duas empresas donas do espaço seriam beneficiadas com o emprego de recurso público ou de parceiros na obra de restauração do prédio, apesar do investimento ter sido determinado pela Justiça Federal em uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2008. O Solar dos Ayrizes foi o primeiro prédio de Campos a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na década de 1940. A legislação específica de tombamentos prevê que a restauração seja feita pelos proprietários. Neste caso, os donos alegaram não ter condições financeiras para o trabalho e, desde o tombamento, não mais reformaram o solar.

De acordo com o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares, a restauração do Solar dos Ayrizes tem sido pauta constante nas reuniões do Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam) “A questão polêmica é sobre o emprego de dinheiro público no bem privado e também sobre a contrapartida dos proprietários para com o Município a partir disso”. Ainda segundo Soares, outros prédios históricos da cidade agonizam, sem reforma. “Posso citar o Museu Olavo Cardoso, no cruzamento da Rua Sete de Setembro com a Rua dos Goitacazes, no Centro, que está abandonado e corre o risco de ruir. A mansão foi doada pelos herdeiros de Olavo Cardoso ao Município e a Prefeitura alega não ter recursos para a restauração”, lembra.

Enquanto o dinheiro público está sendo destinado para investimentos no Solar dos Ayrizes, outros proprietários de bens preservados lutam para conseguir recursos próprios para manter a história do município de pé. É o caso de Ricardo de Azevedo, maestro regente e presidente da Lira de Apolo. O prédio foi atingido por um incêndio na década de 1990 e somente em 2012 foi iniciada a reforma. Por falta de recursos, não há previsão de quando a obra será concluída. A Lira sobrevive com recursos obtidos de dois imóveis alugados, além de doações e parcerias.

Foto: Silvana Rust

Prefeitura de Campos se movimenta

Um dos primeiros passos oficiais da Prefeitura de Campos sobre a municipalização do Solar dos Ayrizes foi declarar a utilidade pública do bem, em decreto publicado no Diário Oficial do Município no dia 15 de dezembro de 2021 após aprovação da Câmara Municipal. O ato é o primeiro passo para desapropriar e municipalizar o solar, o que só deve acontecer depois das obras de restauração, orçadas, segundo a Prefeitura, em R$ 40 milhões. O projeto para elaboração da reforma está sendo concluído por meio de um convênio com a Sabra. E, segundo a Prefeitura, a previsão é de que a execução aconteça este ano.


Exclusividade

Em entrevista ao Jornal Terceira Via, o presidente da Sabra, Márcio Miranda Pontes, disse que o projeto não terá custos ao município.
“A Sabra possui um termo de cooperação técnico-cultural com a Prefeitura de Campos dos Goytacazes que tem como objetivo trabalhar na elaboração de projetos para a restauração de bens móveis e imóveis, além da captação de recursos e acompanhamento da execução das obras, sem custo para o município. Fomos chamados pelo prefeito Wladimir Garotinho para tomar as medidas necessárias à restauração do Solar dos Ayrizes. Considerando a complexidade e o volume de trabalho a ser realizado, solicitamos um prazo de 120 dias para a apresentação do projeto técnico em condições de ser apreciado pelo Iphan, conforme determina a legislação”, explicou Pontes.

O presidente da Sabra detalhou que o projeto técnico envolve cinco etapas de estudos: levantamento de fachadas, esquadrias, telhados, alvenarias, elementos estruturais e de restauração, pisos, e forros; mapeamento de danos com base nas plantas de cadastro; identificação, estudo das patologias encontradas e diagnósticos para a recuperação dos elementos; definição da proposta de intervenção, que se efetivará com a explicitação das metodologias e especificações técnicas que abordarão detalhadamente cada item do conjunto da edificação. “O projeto será concluído com o orçamento detalhado, listando os custos de cada ação descrita no projeto”, afirma Pontes.

Ele ressalta que este não é o primeiro trabalho em Campos. O projeto para restauração do antigo Solar da Fazenda do Colégio dos Jesuítas, que abriga o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, foi aprovado pelo Iphan. Segundo Pontes, as obras devem ser iniciadas em breve.

Genilson Soares, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos – Foto: Silvana Rust

Caminhos do Açúcar

Outro passo do Município para cumprimento da ordem judicial aconteceu na semana passada: a intenção de destinar o Solar dos Ayrizes à futura sede do “Caminhos do Açúcar”, projeto idealizado pelo Consórcio Público Intermunicipal de Desenvolvimento do Norte e Noroeste Fluminense (Cidennf) para perpetuar a biografia, cultura e economia pelo ciclo do açúcar das cidades da região por meio do fomento ao turismo. O órgão apresentou projeto na sede da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) aos prefeitos da região.

“O projeto tem tudo para ser desenvolvido neste solar, como uma sede histórica. A restauração do casarão já foi orçada e fica em torno de R$ 40 milhões, um recurso que não dispomos, mas que buscaremos ter para cumprir a decisão judicial e o projeto do Cidennf chega para agregar”, destacou Wladimir.    

O presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares, avalia positivamente o projeto intermunicipal. “Estou otimista quanto a esta destinação e valorização dos prédios históricos de Campos e de outros municípios da região. Só ressalto que o projeto de restauração do Solar dos Ayrizes deve passar pelo crivo do Conselho Municipal de Cultura, já que serão empregados recursos públicos, não há nada mais justo”, conclui Soares, com ressalvas.

Rica História

O Solar dos Ayrizes fica na Rodovia BR-356 (Campos – São João da Barra), em Martins Lage e é um dos patrimônios históricos mais antigos e importantes de Campos. Segundo Genilson Soares, a origem das terras onde está localizado o casarão tem ligação com a origem do Solar do Colégio (sede do Arquivo Público Municipal), em Tócos. “Depois, a fazenda é comprada pelo comendador Cláudio do Couto Souza, que veio para Campos fugido de sua família, em Portugal, que desejava que ele se tornasse padre. Aqui, ele fez história e foi o maior exportador de madeira de Campos, madeira essa plantada nas terras do Solar. A neta do comendador casou-se com o historiador campista Alberto Frederico de Moraes Lamego e o Solar tornou-se o ponto de encontro da intelectualidade brasileira da década de 1920. Nesta época o solar abrigava uma pinacoteca e uma famosa biblioteca que foi vendida para o Estado de São Paulo ainda no ano de 1935 e transferida em 1968 para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB).

Quem são os atuais proprietários
Atualmente, os herdeiros (bisnetos) de Alberto Frederico de Moraes Lamego criaram uma empresa exclusiva para administrar o Solar dos Ayrizes.  A Airi-Spe Participação e Empreendimento Ltda é de Campos. Outra parte do Solar seria de propriedade da empresa SPE Vittek Participações e Empreendimento S/A, do Rio de Janeiro, que comprou a metade do patrimônio com a intenção de transformá-lo em um condomínio residencial, o que não se concretizou. No âmbito administrativo, outro processo resultou em multa de R$ 4 milhões aos proprietários por deixarem de promover reparação emergencial no Solar. As empresas recorreram, alegando não terem condições financeiras de arcar com os custos. Atualmente, o processo administrativo está parado na sede do Iphan, no município de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, desde o mês de junho do ano passado.