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Cuidar da saúde mental é indicado para começar bem o ano novo

Ainda em tempos de pandemia e incertezas, a psicóloga Dilma Dias analisa o comportamento das pessoas neste momento de expectativas

Entrevista
Por Ocinei Trindade
2 de janeiro de 2022 - 0h02
Psicóloga Dilma Dias (Foto: Divulgação)

Desde 2007, a psicóloga Dilma Dias atua em área clínica, hospitalar, além de ser especialista em terapia familiar e de casais. Ela é proprietária da Clínica Plenus e, nos últimos dois anos, viveu as mudanças provocadas pela pandemia de Covid-19. Dilma e seus pacientes, assim como toda a sociedade mundial, precisaram rever conceitos e ações. Refletir sobre o ano que passou e repensar o futuro a partir do ano que começa são importantes e necessários, segundo a psicóloga.

Uma pesquisa do Instituto Ipsos encomendada pelo Fórum Econômico Mundial mostrou que o Brasil está entre os cinco países que tiveram a queda mais acentuada no bem-estar mental da população, desde o início da pandemia. Como a senhora observa o comportamento das pessoas em quase dois anos de pandemia?

Realmente, no Brasil isto aconteceu. Temos uma média de 60 a 70% dos brasileiros com preocupação e cuidados com a saúde de uma forma global. Com isto, algumas pessoas buscam fazer atividade e cuidar da saúde mental de forma geral. A pandemia tirou muito isso das pessoas. É compreensível essa queda de bem-estar. Muitas pessoas perderam seu trabalho e o contato com amigos próximos e familiares. Há ainda perdas de pessoas, acompanhamento nos hospitais dos acometidos pela doença. A impossibilidade de praticar atividades físicas em academias atrapalhou bastante. Em quase dois anos de pandemia há muita preocupação. Com as novas variantes também há insegurança. Aos poucos, a rotina volta ao normal. Porém, ainda há incertezas.

O estresse aumentou bastante neste período. Quais as principais queixas de seus pacientes? Tem a ver com a pandemia ou há outros fatores?

Tivemos um aumento muito expressivo de pessoas buscando auxílio psicológico devido ao aumento do estresse. Muitas interromperam o tratamento, mas depois retornaram. Quando uma pessoa passa por situação de privação, isto já gera uma situação de estresse.  Alguém sem poder sair pode ocorrer pânico, fobia, angústia, aflição. Imagina isso ocorrendo mundialmente. Ficamos sem segurança para poder sair  e suprir necessidades básicas. A liberdade sem segurança é restrita, de fato. Foram as maiores queixas dos pacientes: a privação de liberdade e a insegurança. Em 2020, foi pior pelas incertezas e pela falta de vacinas, além das dúvidas sobre sua eficácia. A imunização trouxe  um pouco mais de esperança e otimismo. Com as novas variantes, a gente volta para alguma sensação de insegurança, menor que em 2020, mas isto influencia no comportamento, sendo um causador natural de estresse. A pandemia foi o principal fator, mas houve outras associações para quem já tinha pré-disposição à ansiedade, ou, já vivia situação anterior de estresse. Todos nós fomos atingidos.

A profissional viu crescer o interesse pelo atendimento remoto durante a pandemia

Neste momento do ano, muitas pessoas depositam no ano que começa suas esperanças e expectativas. Como lidar com esse sentimento de anular o ano velho e só valorizar o que está por vir?

Ao mesmo tempo que o “novo” traz insegurança para algumas pessoas, elas também depositam esperança no ano novo que começa. Há expectativas que o futuro será diferente. A gente trabalha muito isso com os pacientes. Ontem foi um dia e hoje é um novo dia. Há um marketing voltado para essa novidade, os desejos, os rituais de cor de roupa e alimentos dentro da crença de cada um. Há virada no calendário, mas existe uma virada diária também. A esperança precisa acontecer, mas é necessário contar com as ações para que as coisas mudem.

De modo geral, no momento em que o ano termina, isto pode levar a uma série de análises e reflexões. O que as pessoas devem atentar nessa época?

É importante fazer uma retrospectiva, uma linha do tempo do ano que passou. Quando nos voltamos para o novo, é preciso entender o que foi realizado e compreender o que não aconteceu em 2021 e nos anos passados. É preciso verificar os desejos e a viabilidade deles. É importante sonhar, mas também agir para saber como viabilizar as questões de relacionamento, moradia, viagens e outros temas. É necessário atentar para isto.   

A saúde mental também passa pela questão coletiva. Quando um grupo está tomado por estresse e ansiedade, como enfrentar individualmente essa situação?

Somos sempre influenciados por pessoas e pelo ambiente coletivo. Começa pela família, passa pela escola e pelo trabalho. Vivemos coletivamente. Lidamos com pessoas tóxicas e nem sempre percebemos suas influências negativas. Há muita situação de estresse e adoecimento por isto. É preciso separar o que é meu individualmente e o que afeta na coletividade, como foi o caso da pandemia. Não foi possível ficar alheio a tudo que aconteceu. Enfrentar isso individualmente é buscar o fortalecimento. Muitas pessoas morreram ou perderam parentes. Entretanto, se eu estou vivo, é preciso compreender a realidade. Vale questionar o quanto eu me protejo e também o quanto protejo o outro. O fortalecimento é uma decisão pessoal. Pode passar pela atividade física, acompanhamento terapêutico, se alimentando bem, com boas relações, sendo uma pessoa responsável. Depende de cada indivíduo.  É preciso equilibrar e neutralizar o comportamento para não atingir negativamente outras pessoas.

Que recomendações costuma dar para uma pessoa que não tem como acessar um profissional de psicologia para lidar com ansiedade, medos e angústias? Há algum recurso mínimo para aliviar esses transtornos?

Costumo falar com os pacientes para buscar a psicoterapia. Eles podem  momentaneamente não ter acesso ao Sistema Único de Saúde,  autorização dos planos privados ou apoio de um profissional voluntário. Recomendo cuidar da respiração, verificar a alimentação, exercícios físicos, estar em ambientes saudáveis; buscar saber a razão da angústia, medo ou ansiedade; ir trabalhando de forma paliativa até saber se há necessidade de uso de medicamentos e apoio psicológico contínuos.

Pessoal e profissionalmente, como tem lidado com a pandemia desde março de 2020? Muita coisa mudou? Adotou alguma nova prática que não exercia?

Muita coisa mudou. Tivemos um aumento significativo de atendimento on-line. Isto já era autorizado pelo Conselho Regional de Psicologia. Eu já adotava a prática, mas poucos pacientes aderiam. Alguns resistiram a serem atendidos remotamente. Outros se adaptaram muito bem. Pessoalmente, tive que reestruturar o atendimento e reorganizar as rotinas para me comunicar com os pacientes que estavam em outras cidades e também em outros países.

Como observa a questão do atendimento remoto e o uso das mídias digitais para terapia e convivência social, mesmo à distância?

Não tive dificuldades, mas tive que fazer ajustes tecnológicos. Foi preciso destacar junto aos pacientes a necessidade de estar em ambientes com privacidade e sigilo, mesmo à distância, a partir de março de 2020. As mídias digitais ajudaram a divulgar o trabalho dos terapeutas e também a estar em contato com os pacientes para ajudar no processo terapêutico. As lives e vídeochamadas auxiliaram bastante as pessoas, inclusive para participação de reuniões familiares, casamentos e outros eventos. Foram criados novos formatos de proximidade.

Como define uma pessoa em bom estado de saúde mental? Quando perceber se a pessoa necessita de ajuda profissional?

A gente se baseia na Organização Mundial de Saúde que defende a tríade da saúde física, mental e social. Dentro disso há desmembramentos e diversos significados. Para cada pessoa, isso é percebido de forma diferente. O bem-estar muitas vezes é negligenciado. Isto gera alguns prejuízos físicos, mentais e sociais. Às vezes, o desequilíbrio acontece nas três áreas. Muitos encontram dificuldades para lidar com os conflitos que surgem. Há pessoas que não percebem que precisam de ajuda profissional, mesmo tendo angústias, sofrimentos e oscilações. O sujeito precisa desejar se cuidar para que o processo analítico aconteça, e o autoconhecimento seja promovido para gerar bem-estar e mudanças necessárias.

Comente algo que considere relevante para refletirmos sobre saúde emocional em tempos de pandemia.

Cito o processo de olhar para dentro. Com a questão da pandemia, houve essa fala comum entre os pacientes de se perceber, olhar para si e se reconhecer. Há quem pense não precisar de ajuda terapêutica; há preconceito com o cuidado da saúde mental ou ter que usar medicamento prescrito por um médico psiquiatra. É muito importante e um ato de coragem buscar se conhecer. É preciso se permitir, rever apontamentos nos outros e olhar mais para si mesmo.