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Geógrafo e pesquisador da Uenf analisa garimpo ilegal de ouro no Rio Paraíba e outros danos ambientais

"A contaminação por mercúrio já é um problema que deveria estar sendo tratado com atenção pelas autoridades", diz Marcos Pedlowski

Entrevista
Por Ocinei Trindade
3 de dezembro de 2021 - 9h57
Geógrafo e professor da UENF, Marcos Pedlowski (Reprodução)

O geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, vê com bastante preocupação uma série de problemas ambientais, incluindo o Rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes e nas cidades vizinhas. Na reportagem especial desta semana do Jornal Terceira Via, “Extração ilegal de ouro no Rio Paraíba do Sul chama a atenção” (clique aqui), denúncias foram feitas por moradores de São Fidélis. Nesta entrevista, o professor Pedlowski amplia a análise sobre garimpo clandestino, além de outras agressões ao meio ambiente.

O que pode causar ao rio e ao solo o uso de metais pesados como o mercúrio?

O ciclo do mercúrio já foi bem descrito pela ciência, mas o principal problema é a sua acumulação pela biota, especialmente peixes, pois isso cria um processo chamado de exponenciação que acaba chegando até os seres humanos que consumam outros organismos (principalmente peixes) contaminados por compostos que contenham este metal pesado. O chamado “Mal de Minamata” que sintetiza os riscos da exposição humana à contaminação decorrente da ingestão de peixes contaminados por mercúrio é um exemplo de que os riscos à saúde são tremendos, especialmente naquelas populações que dependam da ingestão de pescado obtido localmente para garantir a sua dieta básica. Há que se dizer que o mercúrio é um elemento químico que é capaz, se ingerido em determinadas quantidades, de causar graves danos à saúde. Normalmente, a exposição humana mais comum se dá a partir  da ingestão de pescados contaminados e na forma conhecida como metilmercúrio. O composto mercurial normalmente é absorvido pelo trato gastrointestinal e é rapidamente distribuído aos órgãos pela corrente sanguínea. O problema é que essa substância é capaz de ultrapassar as barreiras hematoencefálica e placentária. Desta forma, o metilmercúrio produz efeitos deletérios nos rins, no fígado e no sistema nervoso central. Os sinais e sintomas mais comuns de contaminação por mercúrio são a redução da visão periférica, a perda de coordenação motora, as dificuldades na fala e audição, as perturbações sensoriais; e a fraqueza muscular. Em casos mais graves, pode provocar sequelas irreversíveis e morte.

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Que impactos ambientais podem acontecer no local e no decorrer do curso do Rio Paraíba do Sul até sua foz?

Como observei acima, o principal impacto que ocorre a partir da chegada de grandes quantidades de mercúrio em um determinado ecossistema é a contaminação da cadeia biótica e abiótica, e que resulta na criação de um sistema de transporte até os seres humanos via o consumo de pescados e outros organismos ali existentes. O Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf já realizou inúmeros estudos no Rio Paraíba do Sul e em corpos aquáticos marginais, que indicam que a questão da contaminação por mercúrio já é um problema que deveria estar sendo tratado com atenção pelas autoridades, especialmente aquelas ligadas à saúde e ao meio ambiente.

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Sabe-se que o Paraíba é agredido da nascente à sua foz, mas com esses flagrantes de garimpeiros supostamente extraindo ouro, utilizando meios ilegais e agressivos, que resultados podemos esperar?

A intensificação do garimpo ilegal de ouro é um problema que neste momento não está acontecendo apenas no Rio Paraíba do Sul, mas em outras regiões do Brasil, especialmente na Amazônia.  Os resultados que podemos esperar são os piores possíveis, pois o garimpo descontrolado e ilegal não apenas remove áreas inteiras das calhas dos rios e de seus afluentes para a execução das atividades de garimpo, com isso aumentando as taxas de material particulado que são liberados nas águas, causando toda sorte de alteração ambiental. Mas o problema maior é o uso de grandes quantidades de mercúrio no processo de separação dos grãos de ouro dos sedimentos em que eles se encontram. Como esse é um processo extremamente intenso em função da concentração das partículas de ouro nos sedimentos ser normalmente baixa, o que acaba ocorrendo é o uso de grandes quantidades de mercúrio para que se chegue a um volume economicamente viável de ouro. O resultado disso é o descarte de grandes quantidades de mercúrio nos rios em que a atividade estiver sendo praticada.  Quero ainda lembrar que o Rio Paraíba do Sul é um dos mais industrializados do Brasil, e ao longo da sua calha principal são realizados lançamentos urbano-industriais que, não raramente, contém metais pesados, como é o caso do mercúrio. Assim, não podemos restringir o problema da contaminação desse ecossistema apenas às atividades de garimpo ilegal de ouro. O garimpo é talvez a face mais explícita de uma longa cadeia de contaminações. Lamentavelmente a atual conjuntura de completo abandono dos controles ambientais pré-existentes ao governo do presidente Jair Bolsonaro pode já ter nos lançado em um grave ciclo de contaminação desse importante recurso hídrico.

Rio Paraíba do Sul em São Fidélis (Foto: Silvana Rust)

Como o senhor avalia a questão da mineração no Brasil, a importância que tem para o PIB ou economia, e as questões que envolvem legislação ambiental, seu cumprimento e descumprimento?

Apesar de ser uma atividade historicamente importante no Brasil, para ser economicamente viável a mineração acaba impactando grandes espaços, seja pela extração de um dado minério, mas principalmente pelo uso intensivo de água e a construção de locais de armazenagem que acabam se tornando gigantescos reservatórios de lixo químico. O rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho são apenas casos mais recente de uma longa trajetória de danos ambientais e sociais causados pela mineração no Brasil. Além disso, aqui as mineradoras recebem um verdadeiro passo livre do estado brasileiro para ficarem impunes quando suas atividades causam graves incidentes. Desta forma, penso que a sociedade brasileira deveria pensar cuidadosamente se nos interessa manter um projeto minerário que ao final das contas precisa causar tanta destruição para gerar lucros que na maioria das vezes nem ficam dentro do Brasil, já que a mineração é umas atividades econômicas mais concentradas nas mãos do grande capital multinacional.

O que gostaria de destacar ainda quanto a esse problema ambiental?

Há que se lembrar que tramita atualmente uma proposta de flexibilização do Código da Mineração que pretende transformar as atividades minerárias em uma atividade “de utilidade pública”, de “interesse social” e “essencial para a vida humana”. Nada poderia ser mais distante da mineração do que isso.  Além disso, a proposta em análise na Câmara dos Deputados diminuirá o poder de estados e municípios sobre regiões de interesse das mineradoras, deixando a maioria das decisões importantes com a Agência Nacional de Mineração. Eu entendo que se essas modificações forem aprovadas, e têm toda chance de que serão, o que teremos é uma premiação indevida de um setor que tem demonstrado ser um inimigo do meio ambiente e das populações que têm o azar de estarem localizadas nos territórios selecionados para serem objeto de atividades minerárias. O que realmente precisamos é fortalecer os órgãos fiscalizadores e de criar regras mais rígidas de controle social e transparência, que impeçam que as mineradoras ajam como predadoras irresponsáveis de nossos sistemas sócio-ecológicos como ocorre neste momento.