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Relatório final da CPI da Covid atribui nove crimes a Bolsonaro e pede 80 indiciamentos

Documento de 1.289 páginas foi elaborado ao longo de seis meses

País
Por Redação
27 de outubro de 2021 - 9h06
Relatório aprovado pelos senadores tem 1.289 páginas (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

A CPI da Covid aprovou nesta terça-feira (26) por 7 votos a 4 o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a maior tragédia sanitária da história do Brasil — nesta terça, o país contabilizou 606.293 mortes desde o início da pandemia.

Com a aprovação do relatório, a comissão de inquérito, criada para investigar ações e omissões do governo durante a pandemia, encerra os seis meses de trabalho pedindo o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas.

O relatório aprovado pelos senadores tem 1.289 páginas e responsabiliza o presidente Jair Bolsonaro por considerar que ele cometeu pelo menos nove crimes.

Há também pedidos de indiciamento de ministros, ex-ministros, três filhos do presidente, deputados federais, médicos, empresários e um governador – o do Amazonas, Wilson Lima. Duas empresas que firmaram contrato com o Ministério da Saúde – a Precisa Medicamentos e a VTCLog – também foram responsabilizadas.

Votaram a favor do relatório:
• Eduardo Braga (MDB-AM)
• Humberto Costa (PT-PE)
• Omar Aziz (PSD-AM)
• Otto Alencar (PSD-BA)
• Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
• Renan Calheiros (MDB-AL)
• Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Votaram contra o relatório:
• Eduardo Girão (Podemos-CE)
• Jorginho Mello (PL-SC)
• Luis Carlos Heinze (PP-RS)
• Marcos Rogério (DEM-RO)

Após proclamar o resultado, Omar Aziz atendeu a um pedido da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) e pediu um minuto de silêncio pelas vítimas da Covid.

A aprovação do relatório se deu após mais de sete horas de discussão, com dois intervalos, em meio a contestações da tropa governista minoritária na CPI.

Senadores aliados ao Palácio do Planalto refutaram a tese de que Bolsonaro foi responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e apresentaram votos em separado nos quais pediram a investigação sobre a atuação de governadores e prefeitos. As propostas, porém, não foram sequer votadas, já que o parecer de Renan Calheiros foi aprovado antes.

Em um primeiro desdobramento da CPI, senadores planejam entregar o relatório ao procurador-geral da República, Augusto Aras, já nesta quarta-feira (27).

Também está prevista nos próximos dias a entrega do documento ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e aos ministérios públicos do Rio e de São Paulo. O parecer será encaminhado ainda ao Tribunal Penal Internacional.

Mudanças na reta final

A última versão do relatório final foi apresentada na manhã desta terça-feira, horas antes da votação do parecer.

Na reta final, o relator acatou pedido de senadores e decidiu incluir doze novos nomes na lista de indiciamentos. São assessores e ex-assessores do Ministério da Saúde, pessoas envolvidas no “mercado paralelo” de vacinas, o governador do Amazonas, Wilson Lima, e o ex-secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo.

O nome do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) chegou a ser incluído na lista nesta terça, mas foi retirado novamente no fim da tarde.

Também houve a inclusão de pedido para que a advocacia do Senado acione o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República a fim de que promovam a responsabilização de Bolsonaro por “campanha antivacina”.

A decisão foi tomada após o presidente fazer, durante uma “live” em uma rede social, menção a uma informação falsa que associa a vacinação contra a Covid à Aids. Após repercussão negativa, o registro da transmissão foi excluído por YouTube, Facebook e Instagram.

O relatório também solicita que a advocacia do Senado peça a “imediata interrupção da continuidade delitiva” por meio do afastamento de Bolsonaro de todas as redes sociais para a “proteção da população brasileira”.

A discussão

Ao longo da manhã e da tarde, senadores discursaram sobre os trabalhos da comissão. De um lado, parlamentares aliados acusaram a comissão de ser um instrumento político e eleitoral. Já a maioria do grupo apontou para as irregularidades cometidas pelo governo ao longo da pandemia.

Em discurso, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse ser “evidente” que Bolsonaro não criou o vírus, mas “tão evidente quanto” que o presidente “se esforçou diuturnamente para acelerar a propagação do vírus”.

“Essa é uma ação consciente e confessa. Salvo engano, há mais de 200 vídeos juntados aos autos onde o presidente da República, de forma metódica, ensaiada, preparada, organizada, utilizando as ferramentas de Estado, fez com que os brasileiros se protegessem menos, acreditassem na fantasia de remédios milagrosos, questionassem e desrespeitassem medidas de contenção básicas que todos os outros países seguiram”, afirmou Vieira.

Um dos principais aliados do governo na CPI, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) chamou a comissão de “estelionato político”, afirmando que a comissão “não investigou e protegeu acusados de corrupção nos estados e municípios”.

“E o relatório é uma grande fake news processual, porque acusa sem provas e se ancora numa narrativa do jogo pré-eleitoral”, afirma o governista.

Indiciado por incitação ao crime, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) afirmou que a comissão “escolheu os acusados e trabalhou incansavelmente para tentar incriminá-los” e acusou o relator, Renan Calheiros, de abuso de autoridade. Ele também afirmou que a CPI é o “maior atestado de idoneidade do governo Bolsonaro”.

“O maior ‘escândalo’, entre aspas, que foi levantado aqui foi o de uma vacina que não foi comprada. Nem um real de dinheiro público foi gasto”, disse o filho do presidente. A compra da vacina indiana Covaxin, no entanto, apenas foi suspensa após revelações de irregularidades apresentadas durante a comissão. O contrato previa um pagamento de R$ 1,6 bilhão para a aquisição do imunizante.

Vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi um dos últimos a falar na sessão desta terça-feira, antes da votação do relatório. Ele ocupou, temporariamente, o assento do presidente do colegiado no plenário, espaço cedido por Omar Aziz (PSD-AM), para o pronunciamento.

Randolfe exibiu um vídeo com declarações do presidente Jair Bolsonaro, em que o chefe do Executivo chama a Covid-19 de “gripezinha”; diz que se chama Messias, mas não faz “milagre”, ao ser questionado sobre vítimas do coronavírus; e sugere que vacinas podem transformar pessoas em jacarés, entre outras declarações criticadas por especialistas em saúde. As falas foram um dos motivos, conforme Randolfe Rodrigues, para criação do colegiado.

O vice-presidente da CPI também destacou os fatos apurados pela comissão, como negociações suspeitas para a compra de vacinas e a demora do governo na busca por imunizantes; e citou os nomes de Major Olimpio (PSL-SP), José Maranhão (MDB-PB) e Arolde de Oliveira (PSD-RJ), três senadores que morreram vítimas da Covid. “Às vítimas da pandemia, que descansem em paz. A todos os brasileiros e brasileiras, teremos a missão de fazer este relatório ser cumprido”, declarou o vice da CPI.

Relator, Renan Calheiros (MDB-AL) fez duras críticas a Bolsonaro. Adversário político do presidente, Renan disse que o governo Bolsonaro “sabotou a ciência” e é “despreparado”, “desonesto”, “caviloso”, “arrogante”, “autoritário”, entre outras adjetivações.

“O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais baixo degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade”, afirmou Renan.

Último a discursar, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), voltou a defender que o relatório final não será arquivado sem gerar resultados práticos, ou seja, sem que as pessoas apontadas por terem cometido crimes sejam efetivamente responsabilizadas.

“Não queríamos e não queremos vingança – queremos justiça. Se alguém acha que algum procurador vai matar no peito esse relatório e dizer que isso aqui são narrativas, vai ter que dizer como são narrativas, sabe por quê? Porque esse documento é público”, disse.

Fonte: g1