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Cemitério para pobres em Campos assusta pelo aspecto de abandono

Área conhecida como "cova rasa" ou "lugar para enterrar indigentes" espanta, principalmente por ser de responsabilidade da Prefeitura

Cidade
Por Ocinei Trindade
10 de outubro de 2021 - 0h05
Sepultamento é feito em área tomada por mato no Cemitério do Caju (Imagens André Santo e Carlos Grevi)

O maior cemitério de Campos dos Goytacazes contém muitos registros históricos importantes, mas também vários problemas e reclamações. A área, que leva o nome do bairro, Caju, reúne um complexo com outras três unidades católicas e uma judaica, além de setores abertos à comunidade em geral. Contudo, o que chama a atenção é a área destinada aos mais pobres, sem condições de pagar por um sepultamento. Conhecida como cova rasa ou área de indigentes, a administração municipal denomina “área social” o local que frequentemente é tomado por mato, insegurança, aspecto de abandono e ações de suspeitos por tráfico de drogas e violação de sepulturas. A sensação de perplexidade e indignação são frequentes ali.

Em todas as áreas do histórico Caju há alguma danificação

Durante alguns dias, a reportagem do Terceira Via percorreu a extensa área do Cemitério do Caju. Ficou constatada na área aberta ao público a danificação de alguns túmulos, com tampas e lápides quebradas. Isto também ocorre nos cemitérios das irmandades católicas São Francisco, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora do Terço, além do Cemitério Israelita voltado para a comunidade judaica. Estes cemitérios ficam dentro do Caju, mas são de responsabilidade dos religiosos. Cabe à Companhia de Desenvolvimento de Campos (Codemca) da Prefeitura Municipal, administrar todo o Caju, além de outros 23 cemitérios públicos espalhados na zona rural e nos distritos.

Julio César Xavier é gerente da Codemca

Segundo o gerente Júlio César Xavier, o custo anual de manutenção das unidades passa de R$ 1,5 milhão, com pagamento de pessoal e equipamentos. A Prefeitura de Campos passou a recadastrar os proprietários de túmulos e a cobrar taxa anual de conservação no valor de R$134,03. Quanto ao espaço social do Caju destinado aos pobres e indigentes que estava em péssimo estado de conservação, Xavier se explica.

“A vigilância do cemitério pela Codemca é só durante o dia. Oficialmente, o Caju funciona até 17h. A danificação de sepulturas não é de responsabilidade nossa. A recuperação fica a cargo dos titulares ou permissionários. A área social tem recebido atenção e limpeza constantes. O mato cresce rápido. A administração orienta para que famílias cuidem da identificação das covas para que, em três anos, possam fazer exumação de corpo e transferi-lo para outro tipo de sepultura. Caso não cumpram o prazo, a administração pode retirar os restos mortais e acomodar em ossário. A aparência pode chocar ou parecer abandono. Não há custo nenhum nessa área para as famílias dos sepultados”, define.

Equipe da Terceira Via esteve no Cemitério do Caju e pediu explicações sobre o abandono

Em média, o Cemitério do Caju realiza mensalmente 50 sepultamentos gratuitos. São cerca de 600 por ano que acontecem na chamada área social. Em outras regiões do cemitério há mais de 40 mil sepulturas registradas. Estima-se que, desde 1855, estejam sepultadas no local entre 160 mil a 200 mil pessoas, sem contar com os corpos da área social, pois pode haver remoção dos restos mortais periodicamente.

Após cobranças da Terceira Via, a administração providenciou limpeza do local

“Qualquer um de nós pode ser sepultado na área social. Isso aconteceu durante a pandemia. Por necessitar de tempo maior entre um sepultamento e outro, pessoas da mesma família não puderam ser colocadas nos túmulos, mesmo tendo dinheiro para comprar outra sepultura. Muitas foram para a cova rasa ou área social. Parentes optaram esperar até poder realizar exumação e transferir os restos mortais para o jazigo da família no período de três anos”, explica Julio Xavier.

Dias após ser procurada pela reportagem do Terceira Via para falar do abandono e sujeira, a administração providenciou a limpeza da área social do Cemitério do Caju, como demonstram as imagens do fotógrafo Carlos Grevi.

Taxas e projetos

Desde setembro, a Prefeitura de Campos passou a cobrar uma taxa de manutenção dos túmulos dos cemitérios públicos. O valor é de R$134,03. Desde 2018 a cobrança não era feita, segundo a Codemca. Alguns usuários se queixaram nas redes sociais sobre a cobrança e a situação atual dos cemitérios da cidade. “Infelizmente, hoje trabalhamos somente para pagar impostos e taxas… Pouco sobra para se alimentar e se vestir”, diz Franciere Balbi. “Com o cemitério daquele jeito, realmente está difícil sobreviver a tudo isso”, comentou Silvana Lúcia. “Tudo tem que pagar.  O cemitério todo maltratado, sem segurança nenhuma. Dá até medo de entrar lá sozinha. Não sabemos onde vamos parar, de tanta cobrança”, desabafa Cláudia Márcia.

Irmandade do Terço é um dos quatro cemitérios dentro do Complexo do Caju

Nos cemitérios públicos de Campos, uma sepultura em área comum pode valer até R$8 mil. Não há venda direta, segundo a Codemca, mas uma concessão chamada de “perpetuação” que ficará a cargo da família do morto. Esta perpetuação em cemitério da zona rural custa R$1.072; na área urbana (Caju), custa R$1.700.  Estima-se que nas irmandades católicas e judaica, o valor de sepulturas  pode variar de R$ 17 mil a R$ 30 mil reais.

“No próximo Dia de Finados, a Prefeitura de Campos deve anunciar obras no Caju, com a construção de um gavetário que terá capacidade para sepultamento de 250 corpos. Há melhorias que estão em andamento. Até o fim do ano, mais investimentos em manutenção serão feitos. Nos próximos seis meses, a população vai perceber diferenças”, aposta Júlio Xavier. Ele disse que o projeto para instalação de um crematório público, iniciado na gestão de Rosinha Garotinho, poderá ser retomado. “Depende de várias coisas para isso ocorrer, incluindo estudos de impacto e licenças ambientais”, cogita.

A Prefeitura de Campos oferece o auxílio-funeral para famílias pobres. O serviço funciona na  Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, Jardim Carioca,  24 horas por dia e com o atendimento pelo telefone: (22) 98175-2518

Segurança e serviços

A Defensoria Pública informou não ter relatos de problemas com os serviços prestados pelo Cemitério do Caju. A promotora pública Anik Rabelo disse ainda não ter recebido queixa de dificuldade no sepultamento de crianças e adolescentes, mas que está atenta a tais possibilidades. De acordo com o promotor Fabiano Rangel, “o Ministério Público atua após provocação, e se presentes os requisitos dispostos na Lei que autoriza a sua participação. Ele não atua em substituição ao serviço de Assistência Social do Município”, cita.

O Cemitério do Caju, em Campos, foi inaugurado em 1855

A Secretaria de Estado de Polícia Militar esclarece que a PM é responsável pelo policiamento ostensivo, efetuando prisões quando criminosos são detectados em flagrante delito. “O bairro do Caju conta com policiamento intensificado nas imediações da comunidade da Baleeira, próximo ao cemitério mencionado. O comando do 8ºBPM atua em apoio aos órgãos municipais para garantir a segurança da população”, diz a nota.

A delegada da 134ª de Polícia Civil, Natália Patrão, comentou sobre eventuais crimes no entorno ou dentro do Caju. “A 134ª DP faz um trabalho de inteligência e levantamento de informações quanto ao tráfico de drogas local. Já foram apreendidas drogas pela PM ao redor do cemitério”, esclarece.

Cemitério histórico

Esculturas compõem e ornamentam túmulos do Caju: galeria de arte a céu aberto

Para o pesquisador Hélvio Cordeiro, autor do livro “A história viva da morada dos mortos”, nos cemitérios estão enterradas a história de um povo, sua cultura e os seus antepassados. Em 25 de outubro de 1855, o cônego Antônio Pereira Nunes realizou o benzimento do local onde começariam a ser feitos os enterros nos trabalhos de cemitério. No dia 26, começaram os sepultamentos. Consta que a primeira pessoa a ser sepultada no Caju foi Josefa Pinheiro Feydit.

Hélvio Cordeiro é pesquisador e autor de livros sobre cemitérios de Campos

“A primeira irmandade a adquirir sua área no novo Cemitério Municipal de Campos de Nossa Senhora do Terço, em dezembro deste mesmo ano de fundação. Em fevereiro do ano seguinte, a segunda a demarcar sua área foi a Irmandade de São Francisco. Em outubro de 1861, um requerimento à Câmara, feito por um cidadão de nome João Ludolfo Anderson, solicitava uma área para construção do Cemitério dos Protestantes. A área cedida ficava ao lado direito da entrada e ficava separado dos demais por muros, com entrada independente. Na época ficou conhecido como Cemitério dos Protestantes ou dos Acatólicos”, conta Hélvio.

Uma das coisas que chama mais a atenção no Cemitério do Caju são as belas esculturas. “São poucas as pessoas que param para prestar atenção na beleza que ornamentam muitas sepulturas. São entalhes feitos com um capricho enorme e demonstram o talento do artista que não costuma deixar assinatura de autor. Países como Argentina e França têm como tradição passeio cultural e histórico nos cemitérios. É um museu a céu aberto, onde se pode apreciar a beleza dos traços mágicos e perfeitos dos escultores”, conclui.