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O uso do Latim gera discussões, mas também influencia instituições de ensino e teológicas

Professora Edinalda Maria Almeida aborda a língua que tem sido motivo de discordância entre católicos de Campos

Educação
Por Ocinei Trindade
31 de julho de 2021 - 9h10
(Igreja Nossa Senhora do Carmo (Foto: Carlos Grevi)

A série de entrevistas sobre religião e comportamento da Igreja Católica em Campos dos Goytacazes destacada pelo Terceira Via, com a reportagem “Igreja divida pela língua e por ritos” (clique aqui), é encerrada pela professora de Latim, Edinalda Maria Almeida, profissional experiente ligada ao Insituto Federal Fluminense e ao Centro Universitário Fluminense (Uniflu) por vários anos. Ela discorre sobre as discussões sobre o uso da língua em pesquisas acadêmicas, no meio jurídico, e também pelos católicos tradicionalistas.

Professora Edinalda Maria Almeida

Como define a importância do Latim, mesmo considerada “língua morta”, na atualidade?

Muitos aspectos podem ser descritos nesse recorte sobre a importância do Latim, mas creio que serão contemplados ao longo das respostas. O Latim só pode ser considerado ‘língua morta’ do ponto de vista do status da língua, porque o estudo continua vivo, em Cursos de Letras, Filosofia, Direito, entre outros.

A importância do estudo do Latim funda-se na relevância histórica dessa língua que foi o veículo de quase toda a nossa cultura tradicional. Para nós, em particular, esse estudo, quando bem feito, tem grande vantagem de permitir-nos um conhecimento muito mais sólido do vernáculo.

Para compreensão da escrita, das letras, literatura etc, qual o papel do estudo do latim?

O Latim foi durante mil anos uma língua franca, ou seja, usada por pessoas de diferentes regiões e nacionalidades do mundo para se comunicar – algo como o inglês é hoje. É considerado o ancestral de uma série de línguas modernas, como o italiano, o francês, o espanhol e o português. Estudar latim é entrar em contato com um mundo do passado para entender melhor e com mais profundidade o futuro. Ao estudar latim, o cérebro é ‘treinado’ a examinar as estruturas frasais de modo mais intuitivo. Posso afirmar que se grande parte da população tivesse acesso à estrutura e ao raciocínio que se desenvolve no estudo do Latim, as famigeradas fake news não fariam tanto sucesso.

Também, do ponto de vista das Literaturas, é extremamente relevante poder ‘beber diretamente da fonte’ . Grandes pensadores, filósofos, inventores e cientistas do mundo antigo possuíam algo em comum além dos trabalhos deixados para a eternidade. Todos eles falavam Latim! Pelo fato de a Língua Latina ser uma das mais comuns na antiguidade, a maioria dos grandes pensadores do Ocidente escreveu suas obras em Latim. Ao se dedicar ao estudo dessa língua, é possível se conectar, de uma forma única, com os maiores conceitos e aprendizados da humanidade. É poder ler as prosas de Cícero, os diários de Júlio César e até mesmo as teorias de Isaac Newton no original!

Onde considera mais relevante o uso do Latim na contemporaneidade?

Quem acha que o mundo das Letras é oposto ao mundo dos números erra feio quando se trata de Latim. A língua é extremamente lógica e organizada em sua estrutura. Assim como estudar matemática, dedicar -se ao estudo do idioma é uma forma de cultivar o raciocínio, refinar a lógica  e aguçar a mente, ensinando-a a atentar aos detalhes.

Isso significa aprimorar as habilidades de resolução de problemas e treinar o pensamento crítico. Por isso, profissionais da área de exatas, de Informática e de TI, poderiam lucrar muito se conhecessem o Latim e isso  tem acontecido em vários países. Grandes programadores e profissionais da área de tecnologia têm se dedicado ao estudo da Língua Latina.

Também, é claro, ao estudar Latim, aprende-se melhor o Português. A árvore genealógica da Língua Portuguesa apresenta as razões para esta afirmativa. As línguas Indo-Europeias deram origem a uma série de grupos linguísticos, entre eles o Itálico. Este, por sua vez, deu origem ao Latim, que, no decorrer dos séculos, tornou-se  a base de outras nove línguas: romeno, dalmático, italiano, espanhol, catalão, provençal, francês, rético, sardo e português. Com o estudo de Latim, certamente será possível compreender a organização sintática da Língua Portuguesa, a origem das palavras, além de enriquecimento considerável do vocabulário.

Independentemente de religião, o que acha da decisão papal de reprimir o uso do Latim nas missas católicas?

O Papa Francisco é , na minha opinião, uma voz serena, pacífica e profundamente humana. Creio que a decisão dele,  em relação ao Rito Tridentino, criará reações apopléticas para uns  e alívio para outros. Não conheço o teor do Traditiones Custodes, mas confio no bom senso de quem, aos olhos do Mundo, tem sido o grande defensor do Concílio Vaticano II.

Por ser professora do ensino do Latim, qual a ligação de afeto que tem com essa língua?

Ainda menina, aluna do Grupo Escolar XV de Novembro, li a inscrição Ad Augusta per Angustia e fiquei intrigada com o significado, revelado por Dona Ignêz, minha professora, e com a ausência de acento na palavra latina Angustia. Tinha 8 anos e comecei a pesquisar, a prestar atenção nas Missas e, a cada dia, a curiosidade e a paixão aumentavam. Fiz Curso de Letras, fui Monitora de Latim e, a convite da professora Laura Vasconcelos, passei a ministrar as aulas, em estado quase epifânico. Tenho mesmo grande afeto pela Língua Latina porque devo aos meus professores, aos estudos e pesquisas, a  profissional que me tornei; devo o exercício de minha primeira atividade acadêmica e, sem humildade ostentatória, a feliz ascensão profissional que pude experimentar em mais de 40 anos de Magistério

Gosta de participar de ritos católicos em Latim? Por quê?

Não sou católica, mas gosto, sim, porque, mesmo sendo o rito celebrado em Latim Eclesiástico, é possível compreender , príncipalmente, os cânticos, sem falar no quase absoluto é admirável silêncio. Mas, trata-se apenas de uma apreciação superficial da professora de Latim, sem vínculos religiosos com a tradição ou com qualquer outra exigência conservadora. Mesmo admirando creio que, na língua do povo, sem dúvidas, há maior participação e aproximação entre a Igreja e seus fiéis, em qualquer Doutrina, possibilitando o exercício da eterna novidade do Evangelho: o Amor.