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“Toda instituição religiosa muito grande apresenta a divisão de diversos setores”, diz doutor em Teologia

Fabio Py é professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Uenf e pesquisador sobre comportamento religioso, incluindo o catolicismo

Religião
Por Ocinei Trindade
30 de julho de 2021 - 9h39
Professor da Uenf e doutor em Teologia, Fábio Py (Acervo Pessoal)

A série de entrevistas sobre religião e comportamento da Igreja Católica em Campos dos Goytacazes prossegue no Terceira Via, com destaque esta semana para a reportagem “Igreja divida pela língua e por ritos” (clique aqui). O professor Fábio Py, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, é pesquisador sobre religiões. Com doutorado em Teologia pela PUC-RJ, ele comenta sobre os católicos da cidade; a polêmica envolvendo o Papa Francisco que recomenda minimizar o uso do Latim em cerimônias; e as diferentes tendências do catolicismo.

Como avaliaria a suposta divisão atual da Igreja Católica que envolve tradicionalistas, progressistas e carismáticos dentro da instituição?

Essa é uma caminhada muito antiga. Há muitas resoluções sendo refeitas ao longo do tempo, de pelo menos 40 anos de recomposição sobre como comunicar as pessoas.  O Latim tem algo muito simbólico. Por não ser uma língua falada e compreendida, isto traz elementos interessantes em nosso meio durante a celebração. Porém, há uma preocupação muito desse papado com a comunidade e com a comunicação direta com a população. São poucas as paróquias que mantêm esse rito, mesmo em Campos. As que mantêm se preocupam com a tradição. De certo modo, são grupos muito ligados com as elites campistas que defendem a não compreensão do que é falado nas missas. É interessante ver a ações dos tradicionalistas. Toda instituição muito grande apresenta a divisão de diversos setores. Gramsci chama isso de tendências dentro da Igreja Católica. São grupos que debatem entre si, mas fazem parte da mesma estruturação do clero. Muitos embates são severos. Divisões entre progressistas, carismáticos, adeptos da teologia da libertação. Até pouco tempo, a comissão da Pastoral da Terra não era reconhecida, sendo um braço atuante na cidade. Muito pouco se vê das pastorais no geral em Campos. Um exemplo é a Pastoral do Negro e das Favelas. Praticamente são elementos não existentes na cidade. Em lugares como a Baixada Fluminense isso é habitual. A estruturação dos tradicionalistas em Campos dos Goytacazes é tão forte que inviabiliza esses setores progressistas. Entretanto, as diferentes tendências ajudam em conjunto a mobilizar diferentes setores sociais. Logo, é uma forma também de fortificação institucional. Isto não é ruim, apesar de crises e tensões dentro da estrutura católica.

Qual seria o peso dessa ação do Papa Francisco em relação aos chamados tradicionalistas?

A ritualística em Latim é uma característica muito exaltada entre os tradicionalistas. É uma forma de desarticular aos poucos essa tendência e tentar de alguma forma dissolvê-la; e também garantir um diálogo com a comunidade que fala português no Brasil.

Até que ponto missas em Latim poderiam causar divisão? Qual a importância da língua para os ritos católicos?

O Latim é uma língua litúrgica e processual nos documentos da Igreja. Ela serve para certos momentos da celebração das liturgias e para certos rituais, mas estes vêm aos poucos perdendo força. Tem havido a utilização dos vernáculos particulares. Nesse caso, no Brasil, o português. Mesmo que se tenha em alguns momentos o uso do Latim, cada vez mais vem apelando e indicando as traduções. Por isso, a tentativa de Francisco de se garantir as línguas faladas, as línguas vernaculares derivadas do Latim. Há uma dificuldade, já que o Latim foi encerrado há séculos como língua falada.

Missa na Igreja Nossa Senhora do Carmo (Foto: Carlos Grevi)

Como observa a comunidade católica tradicionalista?

Isto é uma raridade ver uma cidade com dois bispos. Isto ocasionou basicamente por causa dos tradicionalistas. Afirmaram o uso da batina, da vulgata, de certos rituais mais antigos. Não se pode esquecer das antigas elites campistas; das antigas aristocracias rurais que se transformaram depois em lideranças urbanas que têm toda uma identificação com o passado do Brasil, que visam o tempo todo atualizar essa memória no presente.