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Empresas de ônibus de Campos perto do colapso

Sistema de transporte público em crise deixa a população desassistida; usuários reclamam e empresários se queixam de prejuízos

Transporte
Por Ocinei Trindade
18 de julho de 2021 - 0h15

O transporte público em Campos dos Goytacazes em 2021 continua com uma série de insatisfações. Usuários e empresários de linhas de ônibus se queixam da atual situação. Algumas empresas afirmam estar à beira da falência. O setor ensaiou uma recuperação na gestão passada com o sistema de integração de vans e ônibus, mas o projeto não agradou à população e, já no início da gestão Wladimir Garotinho, o serviço foi desativado. Também deixou de funcionar o aplicativo Mobi Campos que informava horário e localização dos veículos. O governo municipal diz que investe em melhorias no transporte, apesar da reclamação generalizada.

O principal interessado em um serviço de transporte público de qualidade é o usuário. Entretanto, a falta de ônibus tem sido criticada por passageiros de diferentes bairros e localidades de Campos dos Goytacazes. A estudante Thalia Florence, moradora do Novo Jóquei, diz que há poucos horários durante a semana. “Em feriados e nos fins de semana a situação piora. Muitos param às 22h. As pessoas ficam reféns de carros de aplicativos. Esse dinheiro faz falta para pagar contas de água ou luz”, diz.

Thalia Florence é moradora do Novo Jóquei

Para Denisângela Nascimento, 39 anos, moradora da Codin, o transporte público é péssimo. “Utilizo todos os dias para ir para o trabalho. Tem que haver mais ônibus nos horários de pico, pois há superlotação”, conta. Segundo Yasmim Lima, moradora do IPS, muitas vezes ela desiste de esperar pelo ônibus. “Fico muito tempo no ponto, cerca de uma hora. Aí desisto e pego um Uber”. A moradora do bairro Santa Rosa, em Guarus, Tauana Marques, diz que na pandemia a situação piorou. “Os ônibus ficam todos cheios, está horrível. Hoje, a única opção para mim é o ônibus”.

Rosemary Reis, da Turisguá-Consórcio União: “Minha empresa está falida”

Empresas em decadência

Os empresários Rosemary Reis, José Maria Mathias e Gilson Menezes atuam no setor de transporte público há várias décadas. Eles reconhecem a insatisfação dos usuários, mas alegam que dependem de regulamentação e cumprimento de contrato de concessão feito com a Prefeitura de Campos.

Desde 2014, foram criados consórcios com empresas de ônibus para atuarem em todo o município. O aumento do transporte pirata e a participação de vans têm afetado o segmento, segundo eles.
Responsável pelo Consórcio União, a dona da empresa Turisguá, Rosemary Reis, diz que até dezembro de 2020 havia 16 ônibus em atividade. Atualmente, apenas cinco circulam na Penha e em Donana.

“Fazíamos o fluxo de integração com as vans no terminal que foi desmontado em janeiro. Acabou a bilhetagem. O número de passageiros é o mesmo, mas as vans tomaram conta. Minha empresa está falida. Os funcionários estão sem receber há dois meses. Muitos já procuraram o Ministério do Trabalho. Estou indignada. Entrei na Justiça pelo fim do consórcio. Há brigas e disputas dentro do próprio consórcio”, alega.

Passageiros à espera de ônibus no Terminal do Centro

O empresário José Maria Matias diz que o setor é muito prejudicado há sete anos. “Neste momento a situação está péssima. As empresas estão fechando. As lotadas voltaram, as vans foram trazidas para o Centro. O contrato de 2014 não prevê uso de vans, somente ônibus para transportar passageiros. O transporte irregular é um problema sério. São mais de sete anos sem corrigir a tarifa. Um litro de óleo diesel custava R$2,50, atualmente está a R$4,40. Aumento em torno de 100%. Tivemos aumento de tributos, insumos, mas não tivemos correção nenhuma. A defasagem da tarifa é de pelo menos 50%. A pandemia fez com que nosso público caísse 70%. O número de passageiros diminuiu drasticamente”, avalia o dono da Viação São João, que faz parte do Consórcio Planície, composto ainda pela Jacarandá.


José Maria informou que houve redução da frota em 50%. “Atualmente, 30 veículos circulam. Até o início de 2020, antes da pandemia, eram 65 ônibus em atividade. A passagem que custa R$2,75 deveria valer no mínimo R$4,50. O cálculo da planilha se baseia no número de passageiros transportados e gastos com insumos, combustível e manutenção. É preciso repressão ao transporte irregular, ajuste de tarifa ou a Prefeitura subsidiar as passagens dos usuários, mas falta atitude do IMTT”, considera.

Durante a semana faltam ônibus nos terminais


Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros (Setranspas), Gilson Menezes, há falta de diálogo com o governo municipal para solucionar os problemas do serviço de ônibus. “Tem sido dificultado pelo prefeito Wladimir, que, aliás, anda fugindo dos empresários de ônibus. O sindicato já reivindicou e protocolou documentos solicitando reunião, mas ele foge. Existem poucas conversas com membros do IMTT, mas apenas para dar desculpas. Na verdade, com o prefeito não há dialogo”, afirma.

Gilson Menezes atribui o aumento autorizado pelo governo da participação de vans um agravante para a crise. “As empresas se limitam a transportar poucos passageiros pagantes, uma grande parte de gratuidade (idosos, deficientes físicos), e uma tarifa achatada, congelada desde 2013. A situação das empresas é de extrema dificuldade e não tem uma solução em vista. Eles dão muita atenção e prioridade às vans. Inverteram os papéis. Às vezes, duas ou três vans disputam com um ônibus em trânsito”, critica.

Sem Mobi Campos
A moradora do Carvão Franciele Medeiros era usuária do aplicativo Mobi Campos, que informava horários e localização de ônibus e vans. Com o fim do sistema de integração, o aplicativo também foi desativado pela gestão atual. “Eu utilizava o Mobi Campos e funcionava direitinho. A gente tinha uma noção onde o ônibus estava, e hoje em dia, sem ele, a gente não tem noção”, diz Franciele.

Denisângela Nascimento é moradora da Codin: “Dependo do ônibus”

A técnica em enfermagem Angélica Martins é moradora da Pecuária. Ela se queixa da falta de ônibus e do descumprimento de horários no bairro. Ela também reclama do fim do aplicativo Mobi. “No fim de semana nós não temos transporte público. A minha nota é zero. Por diversas vezes usei o aplicativo. Faz muita falta, porque a gente não sabe o horário certo dos ônibus”, conta.

Tauana Marques é do IPS

Para o especialista em trânsito e instrutor do Sest/Senat, Eduardo Lugão, todo aplicativo utilizado no transporte urbano visa atender melhor a população. “Essa tecnologia é usada em grandes cidades. O município precisa providenciar tudo o que for necessário para atender melhor o usuário do transporte público, que é contribuinte. Todo transporte irregular deve ser combatido pelo poder público. A população precisa ter consciência em optar por serviço regular, caso contrário, isso contribui para manter a situação deficitária. É um ciclo vicioso: cabe à Prefeitura oferecer, cabe ao empresário prestar um serviço de qualidade, mas também cabe à população privilegiar o transporte regulamentado”, explica.

Prefeitura e IMTT se posicionam
O governo considera que o avanço das vans na região central do município passou a ser imperioso “como forma de tratar o cidadão campista com o devido respeito, pois a administração anterior não arcou com a construção dos terminais de integração necessários à implantação de um sistema alimentador”, disse em nota. Para a Prefeitura, com o avanço da vacinação, a tendência é de que aumente a circulação de pessoas e diminuam os impactos da Covid-19. Uma Comissão de Avaliação do Sistema de Transportes vai tratar de soluções para os diferentes aspectos do transporte municipal.

“O IMTT considera essencial que a saúde financeira dos consórcios/empresas esteja em boas condições para que possam cumprir com os custos necessários à operação do sistema concedido”, citou.
Segundo o IMTT, o MobiCampos gerava custos à administração pública e não garantia a fidelidade das informações para o usuário. “O IMTT estabeleceu novos parâmetros para que uma nova plataforma seja desenvolvida em conjunto com as instituições superiores de ensino e com transparência. A fiscalização de transportes atua contra as lotadas e o transporte pirata desde janeiro, tendo apreendido mais de 50 veículos nessa situação. O IMTT está investindo na renovação da frota e tecnologia para ampliar a cobertura e o número de operações”.

Bonde em Campos, 1960 – Acervo “Amicampos” – Leonardo Vasconcelos

Memória do Transporte
O professor e pesquisador Leonardo Vasconcelos integra o Centro de Memória Fotográfica de Campos e o site Acervos da Memória Iconográfica de Campos (amicampos.com). Ele reuniu algumas imagens curiosas sobre o transporte utilizado na cidade ao longo dos séculos. “Essas fotos foram escaneadas, tratadas e identificadas, e só existem graças ao esforço dos pesquisadores”, diz Leonardo.

Centro de Campos (Acervo Amincampos – Leonardo Vasconcelos)

Para o memorialista, a situação do transporte urbano em Campos ainda precisa evoluir. “Durante muitos anos me desloquei de ônibus, mas a falta de veículos em quantidade suficiente e a pouca pontualidade são um transtorno para quem se utiliza do transporte público. A adoção dos VLTs [Veículo Leve Sobre Trilhos] como alternativa de transporte em Campos, certamente, me estimularia a utilizá-los para me deslocar”, cogita.