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Pacientes na fila do transplante numa corrida contra o tempo

Terceira Via retrata o trabalho das equipes envolvidas na doação, captação e transporte de órgãos

Geral
Por Redação
6 de junho de 2021 - 0h01
Captação de fígado no Hospital Ferreira Machado (Foto: Silvana Rust)

Duas dores que se encontram e se transformam em esperança. De um lado, a agonia de estar em uma fila, à espera de um órgão humano que possa salvar a vida. Do outro, a dor da perda, o luto e uma busca incansável de uma equipe médica, que corre contra o tempo para preservar córneas, coração, pulmões, fígado e outros organismos de quem não resistiu e só respira por meio de aparelhos. Esta é a rotina de quem lida de perto com a morte, mas que, através dela, salva. O Programa Estadual de Transplante (PET) nunca esteve tão atuante quanto em 2020, em plena pandemia do coronavírus. E embora tenha dado uma freada em 2021, não faltam histórias para contar.
Em Campos, um braço do PET funciona no Hospital Ferreira Machado. É o Norte Fluminense Transplante (NF-Transplante), que ocupou o terceiro lugar, até o ano passado, em número de doações de órgãos em todo o Estado do Rio de Janeiro. A última captação de órgãos aconteceu sexta-feira e a fotógrafa Silvana Rust, do Jornal Terceira Via, foi a única representante de jornal e TV a acompanhar o procedimento com exclusividade. (Veja aqui).

Captação de órgãos no HFM – Foto: Silvana Rust

Tamanho sucesso vem de uma equipe que trabalha junto no NF-Transplante há mais de 20 anos e, apesar da idade — alguns com mais de 60 anos — comemora o comprometimento e a dedicação, além dos investimentos públicos. Desde 2019, o Governo do Estado do Rio de Janeiro prioriza o PET. Isso se reflete em aumento de pessoal, equipamentos, conhecimentos, logística e transporte com o objetivo de salvar vidas e reduzir a fila estadual de transplantes. Pelas estradas ou pelo céu, os órgãos captados aqui viajam em segurança até a capital fluminense ou para outras partes do país onde são feitos os transplantes. Mas para a presidente da Associação Amigos do Rim, Greice Vasconcelos, esta distância geográfica torna-se um entrave que afasta ainda mais as chances de um paciente de Campos ser contemplado por um órgão.

Longa espera
Segundo Greice, recentemente, um integrante da fila que esperava por um rim foi contatado de madrugada pela central de transplantes e não teve condições financeiras para viajar para a capital do Rio de Janeiro para ser transplantado. Ela cita, ainda, outras dificuldades. “Os pacientes nunca sabem quando vão receber a ligação e eles precisam chegar rápido ao Rio de Janeiro. Muitas vezes não têm recurso financeiro em mãos para viajar na hora, sem contar, também, que há a distância de mais de 300 quilômetros e o órgão tem vida curta. Outro problema é que, às vezes, o paciente que está na fila pode não ser compatível com o doador ou não ter condições físicas e clínicas para ser transplantado. Isso faz com que os pacientes fiquem muito tempo na fila”, afirma.

Equipe especializada em transplante de fígado do estado chegam a campos com apoio do PET – Foto: Silvana Rust

Mas, a dificuldade de locomoção do potencial receptor do órgão até a capital fluminense pode estar próxima do fim. O assessor da superintendência de operações aéreas da Secretaria Estadual de Saúde, Carlos Chaves, informou com exclusividade ao Jornal Terceira Via que vai incluir na rotina de trabalho mais esta atribuição. “Transportamos órgãos e as equipes especializadas na captação de órgãos por todo o estado e podemos, com certeza, incluir nesta rotina o transporte de pacientes a serem transplantados também”, disse.
Até junho de 2020, havia 2.969 pessoas na fila de espera por um transplante de órgãos no estado do Rio de Janeiro, sendo 1.562 esperando por uma córnea, 1.341 por um rim, 49 por fígado,14 por coração e três pacientes esperavam por um pâncreas.
Greice, presidente da Amigos do Rim, explica também que há muitos doentes vinculados à associação que não almejam transplante e preferem fazer hemodiálise. Para este tratamento, também existe uma fila de espera, pois o município de Campos possui 450 máquinas de hemodiálise em dois hospitais. “Como é um tratamento muito longo, as máquinas só são desocupadas quando um paciente morre ou quando é transplantado. Por isso, a fila de espera não para de crescer”, conta. Gleice acrescenta que o paciente renal com doença crônica ou aguda que não consegue fazer hemodiálise, controla a doença com acompanhamento médico nefrológico e dieta restritiva com nutricionistas especializados no tratamento.

Psicólogo Luiz Antônio Cosmelli – Foto: divulgação

Há esperança
A equipe do NF Transplantes entra em cena quando há um possível doador de órgãos, internado em algum hospital de Campos e diagnosticado com morte cerebral. O psicólogo Luiz Antônio Cosmelli é um dos responsáveis pela abordagem familiar. Ele explica os desafios que cercam este momento. “Nunca é muito fácil esta abordagem. É um ponto fora da curva, porque, quando nós chegamos para entrevista, é a última etapa e a mais complexa para a doação acontecer, já que envolve história e relacionamento familiar, as emoções, os laços afetivos e também o histórico de atendimento do paciente no hospital e o enfrentamento da morte. É bom destacar que neste momento, o paciente está respirando, o coração batendo e os órgãos funcionando. Só o cérebro não funciona. Na verdade, está em atividade por meio de aparelhos. E, para a família entender isso, é muito difícil. É preciso ter muita paciência, calma, respeito e assertividade porque o nosso objetivo é salvar vidas”, afirma Cosmelli.

Números
Em 2020, o NF Transplantes captou 38 órgãos de 18 doadores. Foram dois corações, quatro córneas, 12 fígados e 20 rins enviados à central de transplantes, no Rio de Janeiro para obedecer a lista única estadual. Foi o ano em que o Hospital Ferreira Machado ocupou o terceiro lugar em número de captação de órgãos em todo o estado.

Foto: Silvana Rust

Em 2021, até o início de junho, foram autorizadas apenas duas captações. A primeira resultou na doação de duas córneas, dois rins e um fígado. Em uma outra possibilidade, não foi possível a doação, pois o doador testou positivo para Covid-19. A segunda captação do ano aconteceu na sexta-feira.


Doação de órgãos e Covid-19
De acordo com Cosmelli, o potencial doador é submetido a uma série de exames laboratoriais para detecção de possíveis doenças, como HIV, diabetes, hepatites e também a Covid-19. “Não é permitida a doação nestes caso, pois influenciaria negativamente a saúde, desempenho e qualidade de vida do receptor”.
Sobre a queda brusca no número de doações de órgãos em 2021, em relação ao ano de 2020, Cosmelli explica que estão sendo feitos estudos para identificar o motivo. “Estamos tentando avaliar o que está interferindo nesta baixa. Se são menos acidentes, se as pessoas estão se cuidando mais por causa da Covid-19 ou tratando outras doenças como diabetes e hipertensão para evitar uma possível gravidade no quadro caso contraia a Covid-19”, disse.


Fernando Baltazar aguarda por um transplante duplo de rim e pâncreas

Luta pela vida
Em Campos, segundo Greice, há cerca de 50 pacientes renais ocupando lugares na fila estadual. Um deles é o músico Fernando Baltazar, de apenas 25 anos.
Fernando, que morava, trabalhava e estudava no Espírito Santo, descobriu que seus dois rins pararam de funcionar. “Por causa da quarentena, no início da pandemia, eu voltei para Campos para ficar com minha família. Foi quando passei muito mal. Passei por vários hospitais e fiz exames que concluíram a paralisação dos rins. Optei por um tratamento domiciliar, a diálise peritoneal, até porque, pessoas esperavam por entre 6 e 7 meses por uma hemodiálise. A diálise é um tratamento que me permite viver. Sem ele, teria apenas poucas semanas de vida. É um tratamento muito delicado, já tive duas infecções, mas dá para levar a vida bem enquanto espero pelo transplante duplo”, disse.
Por causa da obesidade, Fernando perdeu o pâncreas aos 8 anos de idade e adquiriu diabetes por causa disso. Segundo ele, por ter negligenciado o tratamento, não conseguiu controlar a doença que evoluiu para o comprometimento dos rins. Fernando conseguiu na Justiça que seu plano de saúde cobrisse as despesas do transplante, que deve acontecer no Rio de Janeiro, assim que chegar sua vez na fila e ele encontrar um doador.

Equipe de Operações Aéreas – Superintendente Major Rodrigo Medina, assessor Carlos Chaves e coronel Neiva

Apoio pelo ar
A Superintendência de Operações Aéreas da Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro atua em apoio também ao Programa Estadual de Transplantes (PET). O assessor Carlos Chaves conta que o governo utiliza uma base aérea onde ficam situadas aeronaves do Departamento de Operações Aéreas (DOA), da Saúde, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e também a de uso do governador do estado. Além de apoio ao PET, a superintendência atua no resgate de vítimas em regiões de difícil acesso ou com o estado de saúde debilitado, que necessite de emergência. Como foi o caso de uma criança de um ano, resgatada no final do mês de maio, em Natividade, no Noroeste do Estado, com 40% do corpo queimado, vítima de um acidente doméstico. A equipe de resgate aéreo levou a criança em poucos minutos para hospital de referência em tratamento de queimados na capital e a vítima já recebeu alta.
A mesma equipe faz o transporte de vacinas contra a Covid-19 para todo o interior do estado, inclusive Campos, coordenados pelo superintendente major Rodrigo Medina. “Estamos onde a população fluminense mais precisa”, finaliza Chagas.

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