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Assim é o Brasil: discutindo sucessão no meio da pandemia

É inacreditável que políticos queiram antecipar o debate da eleição com 450 mil mortos e em vias de uma terceira onda

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
24 de maio de 2021 - 16h35

De repente, sem mais nem menos, começam a surgir não apenas bastidores, mas discussões abertas, sobre a sucessão presidencial. Para além do absurdo, é mais uma demonstração de que a política brasileira não consegue trilhar um caminho de equilíbrio pleno, sem os frequentes solavancos.

Segundo país do mundo com maior número de mortes – atrás apenas nos EUA – chegando à marca de quase  450 mil óbitos, até poucas semanas seria absolutamente inacreditável que o Brasil, de joelhos ante o novo coronavírus, fosse antecipar disputa presidencial marcada para daqui a um ano e meio. Ou seja, 18 meses.  

Em tempos normais, já seria uma discussão prematura e prejudicial, que via de regra atropela as políticas públicas de desenvolvimento, bem como ações que visam melhorar qualidade de vida da população. Mas não! A sucessão presidencial está aí… – um escárnio sem precedentes – cada vez menos pontual e mais espaçosa, dando conta da disputa entre Bolsonaro e Lula no ‘primeiro bloco’ e, prateleiras abaixo, Ciro Gomes, Sérgio Moro, João Dória e sabe-se lá mais quem. É dizer: um escândalo. 

Como não considerar vergonhoso o fato do Brasil, que em abril passado amargou o pior mês da pandemia, com vários dias registrando perdas superiores a 3 mil vidas – até 4 mil – queira, neste momento e em meio a tudo que está acontecendo, discutir eleição presidencial? E mais: maio, até agora menos trágico que abril, segue na faixa de 2,5 mil óbitos/dia como se fossem ‘apenas’ números. Mas não são. São vidas.  

Sem saber como será o amanhã, com a transmissão da pior doença dos últimos 100 anos batendo forte e descontrolada, faltando vacinas e com a imunização atrasada, (felizmente mais de 42 milhões de brasileiros já receberam a primeira dose, mas que corresponde apenas a 20% da população) é inaceitável que se discuta política, ‘se vai dar Bolsonaro ou Lula’, enquanto o povo morre face ao colapso do sistema hospitalar, dos erros gritantes cometidos pela União, estados e municípios no “combate” à Covid (combate com aspas mesmo) e, ainda, com a possibilidade de uma terceira onda que, segundo a Fiocruz, seria “catastrófica”: “Neste patamar elevado, uma explosão de infecções pioraria o que já está ruim”.    

Turbulência presente na maioria dos períodos   

Voltando à parte inicial da matéria, que observou os frequentes atalhos e vielas que empurram a política brasileira para fora do que seria uma avenida larga e iluminada, impedindo que o País trilhe, sem tropeços, o caminho da estabilidade e segurança institucional, talvez estejamos, como Nação, diante de mais um desses episódios que podem ser comparados à escuridão em busca da escuridão. 

Não que se vislumbre alternativa fora da democracia. Ao contrário, nas últimas quatro décadas, mesmo em momentos de tensão, o Brasil mostrou que o processo democrático está enraizado como jamais e por tão longo tempo – desde 1985 – esteve. Contudo, não se livra das frequentes turbulências.  

Da redemocratização para cá, deixando de fora o governo Sarney que, aos trancos e barrancos, ao menos impediu o retrocesso, sofremos com o bizarro período de Fernando Collor, que acabou em impeachment.  

Depois da calmaria nas administrações Itamar Franco e Fernando Henrique, o governo Lula da Silva – mensalão à parte – justiça seja feita, também conseguiu avanços e manteve o Brasil nos trilhos.  

Mas a soma de todos os erros e mentiras ditas ao povo no primeiro governo Dilma explodiram já na reeleição da petista, respingando fortemente em Lula. Do início de seu mandato até o afastamento, o País parou, a economia entrou em recessão e o Petrolão surgiu como o maior escândalo de corrupção do mundo.   

Fraturas expostas e a confirmação do impeachment que desde muito se anunciava. No feroz empenho de Lula para manter no Planalto sua afilhada, se desgasta ainda mais. Mas, para o líder do PT, não tinha outro caminho. 

Assumiu Temer, melhorou os índices econômicos, acalmou o Brasil, mas pôs tudo a perder nos porões do Jaburu, no triste episódio do áudio gravado pelo corrupto Joesley Batista, dono da JBS.   

Portanto, a insegurança começou lá em 2014, percorreu longa jornada aprofundando-se a partir da prisão de Lula e da campanha presidencial de 2018 fortemente marcada por movimentos odiosos de ambas as partes. Eleito, Bolsonaro passou 2019 criando polêmicas desnecessárias e dando declarações rigorosamente incompatíveis com a liturgia do cargo. Chegou 2020, a pandemia e tudo o mais que se tem visto até aqui e que dispensam relatos. 

Ainda que necessária, CPI da Covid estaria na hora certa? 

Da mesma forma que se questiona a insanidade descomunal de se antecipar a discussão em torno da sucessão para presidente, numa afronta para com as milhares de famílias que estão de luto pelas mais de 400 mil vidas perdidas – algo que serve para os dois lados políticos, para todos os lados políticos que levam à frente tamanho disparate em meio a uma pandemia implacável e que se avoluma frente à incompetência do Estado brasileiro – também há de se questionar se a CPI da Covid está sendo instalada em momento propício e, em caso positivo, se o senador Renan Calheiros deveria ser o relator? 

Admitindo que sim, que a CPI é urgente, salta claro que o relator deveria ser outro que não um político que responde a oito inquéritos no STF, a maioria por corrupção e organização criminosa, em um dos quais denunciado.  

Será que já esqueceram da Mendes Jr., das notas frias de compra de bois e outras irregularidades que fizeram com que tivesse que renunciar à Presidência do Senado? 

Ora, o Brasil vai continuar perdendo para a Covid enquanto uma fatia de políticos estiver pensando em eleição e com figuras como Renan Calheiros na relatoria seja lá do que for. 

ACREDITE!  |Renan Calheiros como relator de CPI