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Vaga Certa ainda cheio de incertezas

Com críticas e elogios, projeto visa organizar vagas em ruas de Campos

Geral
Por Ocinei Trindade
9 de maio de 2021 - 14h29
Estacionamento público no Cais da Lapa (Fotos: Silvana Rust)

O Sistema de Estacionamento “Vaga Certa” da Prefeitura de Campos dos Goytacazes deve começar a funcionar até junho, mas já causa polêmica. Cabe ao Instituto Municipal de Transporte e Trânsito (IMTT) coordenar e implantar o serviço, que consiste em cobrar por hora pelo estacionamento nas ruas do perímetro central. O projeto existe desde 2017, na gestão de Rafael Diniz, mas não foi executado. O atual prefeito, Wladimir Garotinho, assinou decreto que colocará em prática a cobrança aos condutores de veículos. Desde que foi anunciada, a medida tem gerado críticas e sugestões de mudança.

A direção do IMTT afirma que o “Vaga Certa” se baseia em preceitos legais da Constituição Federal, do Código Civil Brasileiro, do Código de Trânsito Brasileiro e na Lei Municipal nº 8.793 de 22 de novembro de 2017. A área de abrangência do rotativo envolve as vias do perímetro urbano delimitado em uma espécie de quadrilátero, que se estende nos limites da Rua dos Goytacazes, Avenida 28 de Março, a Avenida Nelson de Souza Oliveira, a Avenida XV de Novembro e a Rua Conselheiro Thomás Coelho.

Motociclista estaciona em rua central da cidade

Ao todo, são dezenas de ruas que passarão a ter estacionamento pago por hora. Os valores anunciados pelo IMTT, inicialmente, foram de R$3 para carros e R$1,50 para motos, mas, após críticas de usuários e entidades comerciais, houve  redução para R$2 e R$1, respectivamente.

Representantes do comércio de Campos têm se mostrado receosos quanto à implantação do “Vaga Certa”. Muitos se queixam de não terem sido consultados antes da publicação do decreto.

Alfredo Dieguez integra Câmara dos Dirigentes Lojistas

 “Este projeto é uma reivindicação das entidades de muito tempo, mas não houve contato nenhum com as entidades antes. Na última quinta-feira (6), marcaram uma reunião com IMTT e Secretaria de Desenvolvimento Econômico para apresentação. Olhando pelo aspecto positivo, seria a tentativa de uma melhor organização. Porém, estamos num momento atípico, numa pandemia, a grande maioria com poder aquisitivo menor. Podemos ter um reflexo negativo, consumidores acostumados a parar na rua sem custo evitarão ir ao Centro da cidade”, avalia Leonardo Castro, presidente da Associação Comercial e Industrial de Campos.

Integrantes da Câmara de Dirigentes Lojistas e da Comércio da Rua João Pessoa também ponderam sobre o rotativo. “Precisamos avaliar com mais precisão os reflexos das medidas para o comércio”, opina Expedito Coleto, presidente da Carjopa. Para um dos diretores da CDL, Norival Lima, o novo sistema é inoportuno.

“Há a recuperação econômica e financeira com que precisamos lidar devido à pandemia. O comércio está muito sacrificado, o nível de emprego e renda está baixo. Há muitas dúvidas. É inegável que o estacionamento precisa de rotatividade. Acho um valor proposto muito alto para estacionar. Não sabemos se isso vai atrair ou afastar consumidores do Centro”, diz.

O empresário Alfredo Dieguez, integrante da CDL, se diz contrário ao projeto neste momento. “Esse sistema precisa ser totalmente transparente, adotar um tipo de aplicativo mostrando vagas ocupadas e disponíveis. Todo o recurso que entrar deve ser disponibilizado de modo transparente. Este recurso deveria recuperar o Centro com melhorias”, sugere.

Proposta de melhorias

Arquiteto e urbanista Renato Siqueira é especialista em trânsito e ex-presidente do IMTT

O arquiteto e urbanista Renato Siqueira foi presidente do IMTT no governo Rafael Diniz. Ele ajudou na elaboração de medidas que fazem parte da Lei Municipal nº 8.793/17, e que por decreto municipal do prefeito Wladimir, serão iniciadas nas próximas semanas. Sobre a não execução do projeto na gestão passada, Renato alega que foi uma decisão do ex-prefeito. Ele defende o estacionamento público rotativo.

“Sobre os espaços para estacionamento em vias públicas, esta ação visa oferecer dinamismo e variação na ocupação do espaço urbano para veículos para todo o cidadão, especialmente em áreas de intensa centralidade, de modo a apresentar alternativa mais econômica aos vários estacionamentos”.

Renato Siqueira não vê conflito que possa desagradar ao usuário com a implantação do sistema de vagas pagas. “Se compararmos apenas o aspecto do valor da hora, considerando o valor definido no decreto 143/2021, que é de 60% do valor da hora cobrado pelo estacionamento particular, o sistema rotativo estimula o uso, tanto do ponto de vista econômico, quanto do acesso, ocupações indevidas ao longo de todo o dia”.

De acordo com o atual presidente do IMTT, Nelson Goda, “a previsão do IMTT é que este serviço seja licitado no próximo mês, e só a partir da efetivação da concessão é que será de fato implantado no município”, destacou.

Críticas e insatisfações

Igor Pessanha e Robson Ignácio vigiam motos na Rua 21 de Abril

Usuários das vagas públicas de estacionamento não gostaram da cobrança pelo espaço. Outros descontentes são os “flanelinhas”, informais que ajudam a vigiar e lavar veículos. Robson Ignácio e Igor Pessanha estão há quase dez anos na Rua 21 de Abril “guardando” motos. “A decisão vai atrapalhar a gente. Daqui tiro meu sustento e da família”, dizem. “Nossos clientes básicos são comerciários. A maioria conhecida.” Ambos ganham de 30 a 40 reais por dia.

Ivan Ferreira trabalha como vigia e lavador de carros na Barão de Amazonas há 25 anos

Faz 45 anos que Ivan Ferreira trabalha nas ruas vigiando e lavando carros. Só na Barão de Amazonas está há 25 anos.  “Criei meu filho e ajudo meus netos com esse trabalho aqui. Não vejo como manter essa cobrança por parte da prefeitura. Tenho clientes que deixam a chave do carro comigo. Sou de confiança”, afirma.  Um de seus clientes é o aposentado Celso Ventura. “Estacionamento particular é muito caro. Prefiro dar ao flanelinha. Esse valor previsto pela prefeitura é muito alto”, alega. Outro que se queixa é o pintor Gutemberg Santos. “Uso muito a moto para me deslocar. Será muita despesa com estacionamento”.

Cláudio Rangel trabalha na Avenida Alberto Torres, onde deixa carro estacionado

Edson Neves é morador da Alberto Torres há 25 anos. “Sempre é difícil estacionar para quem mora aqui. Ninguém tem dinheiro com essa crise financeira. É mais uma despesa. Eu não pretendo pagar. Entro na Justiça, mas não pago. A maioria que deixa carros aqui é trabalhador ou morador do Centro”, conta. O cabeleireiro Cláudio Rangel trabalha na Alberto Torres, onde deixa seu carro.  “Sou contra pagar por hora. O problema financeiro do comércio é grave. Isso vai prejudicar a todos”, acredita. O aposentado Mauricio Silva mora há 18 anos ao lado da Igreja Boa Morte. “Sou contra a cobrança. É muito difícil encontrar vaga. Eu deixo na rua e só consigo estacionar à noite”, revela.

Investimento em vagas

O professor Filipe Tavares prefere deixar carro em estacionamento privativo toda vez que precisa ir ao Centro. “Me sinto mais seguro, evito indisposição com flanelinha. Costumo ficar cerca de duas horas. Pago R$10. Acho vantajoso”, diz. Os preços nos rotativos privados custam entre R$4 e R$5 por hora, em média. Os valores são bem maiores que os sugeridos pelo “Vaga Certa”. Nos shoppings centers, as cobranças para carros custam até R$8 e valem pelo tempo que o proprietário estiver nas dependências do estabelecimento.

Quem mora na área central de Campos e não dispõe de garagem em casas ou apartamentos, costuma contratar vagas para estacionar carros, pagando mensalmente pelo aluguel que custa em média R$180. Este serviço sai mais barato do que o proposto pelo sistema “Vaga Certa”. A reportagem do Terceira Via simulou o custo de quem estaciona um veículo por oito horas no Centro. São R$16 diários. Em um mês, descontando os domingos e feriados, o custo mensal giro de R$400 para pagar por vagas na rua.

Felipe Tavares prefere deixar seu carro em estacionamento privado

O proprietário de um estacionamento privado que prefere não se identificar, acredita que o novo sistema deve favorecer os rotativos particulares. “Em média, os particulares cobram R$4 ou R$5 a hora. Porém, o serviço mensal custa R$150 a R$200 por mês. Sai mais em conta que sistema proposto pela prefeitura”, comenta.

Enquanto não se coloca em prática, o “Vaga Certa” já movimenta discussões entre todos os que dependem direta e indiretamente do serviço público. Aguardar parado também custa.

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