×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Personalidades de Campos analisam a pandemia e seus reflexos

Ana Pellegrini (C. Pelle), Fátima Leite (Dela&Dele), Marcelo Oliveira (Palace), Paulo César (Imbeg) e Ricardo Vasconcellos (jornalista)

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
3 de maio de 2021 - 17h13

Desde que a OMS classificou o surto do novo coronavírus como pandemia, o Brasil vem amargando um dos piores desempenhos do planeta. Com mais de 400 mil óbitos, ocupa a infeliz posição de 2º no número de mortes – atrás apenas dos EUA, com 570 mil – e soma, ainda, quase o dobro do que registra o México, terceiro no ‘ranking da Covid’, com 215 mil óbitos.

Sem um plano nacional de combate à doença, com cada estado fazendo o que bem entende e igualmente desconectado dos municípios, enfim, um arsenal de medidas toscas, erradas e de elevado nível de incompetência, o Brasil vai sofrendo as consequências. Primeiro, com o inaceitável número de vidas perdidas. Segundo, com o desastre econômico que não sabe onde irá chegar.

Um quadro dramático que expôs as entranhas de um País que não educou grande parte de sua população e que agora não consegue assimilar a importância de respeitar as medidas restritivas; que não investiu em rede hospitalar, em saneamento básico e em habitação. Incapaz, ainda, de enxergar os bolsões de miséria espalhados aos quatro cantos e que, num período trágico como o atual, não consegue mover recursos para proteger os vulneráveis.

Diga-se, um País que no mês que assinala o ‘Dia do Trabalho’ – 1º de Maio último – simplesmente não oferece trabalho e registra o infame quantitativo de 14,5 milhões de desempregados. O infortúnio que atinge o Brasil inteiro afeta mais umas cidades, outras menos. Campos, pelo tamanho do orçamento e potencial econômico, não deveria estar entre aquelas. Mas, salvo melhor juízo, está.

Para falar sobre a pandemia, os reflexos na economia, o aumento desenfreado da pobreza e da taxa de desemprego local, que se situa entre as piores do Brasil, a página ouviu cinco personalidades de diferentes segmentos. Registre-se, para uma matéria melhor elaborada, muitos outros depoimentos teriam que ser incluídos, particularmente de representantes classistas. Por isso o tema será retomado na próxima publicação.

Ana Maria Pellegrini (Foto: Divulgação)

Para a médica Ana Maria Pellegrini, que há 30 anos dirige a Clínica Pelle, a saída para a crise sanitária está em investimentos na saúde pública e na formação de equipes médicas qualificadas. “A pandemia do novo coronavírus mudou radicalmente a rotina de todas as pessoas. Houve mudanças nas relações pessoais e profissionais criando novas perspectivas e acentuando incertezas.
A pandemia também favoreceu a polarização política. O lockdown nos leva a um caminho desconhecido, produzindo pensamentos que oscilam entre evidências empíricas que mostram benefícios do isolamento e os reflexos de uma crise mundial e regional jamais vista. Apesar de haver boas intenções nas medidas restritivas em momentos de crise e uma demanda por pensamentos que mitigam as perdas da sociedade, cria-se um contexto que torna difícil a tomada de decisões racionais que considerem uma real análise de custo-benefício. Um ano se passou e nosso sistema de saúde continuou o mesmo, sem grandes investimentos nas estruturas hospitalares e treinamento de equipes de saúde.

A literatura acadêmica não possui robustez necessária para garantir que as medidas de lockdown irão surtir os efeitos esperados. Enfim, vivemos um dilema. Fui a favor do lockdown ano passado. Atualmente penso que a prioridade deve ser investimentos em saúde pública e qualificação de equipes de trabalho e avanços na vacinação.

Esperança? Acredito que viveremos dias melhores no final do ano.” – disse.

Fátima Leite (Foto: Divulgação)

A empresária Fátima Leite, dona do salão Della&Delle – um dos mais prestigiados da cidade – frisa que seu ramo de negócio foi um dos mais prejudicados nos períodos de lockdowns. Ela alerta para o número de pequenos salões que fecharam e diz que a atividade é sempre a primeira a fechar e última a abrir, apesar de não produzir aglomeração.

“Tem sido tempos tão difíceis como nunca imaginamos. As vidas que se perderam, as tantas que estão lutando nos leitos de UTIs e aquelas que sequer conseguem a internação. E depois de mais um ano, o vírus continua sua escalada avassaladora. A gente vê o quanto o sistema de saúde em nosso país é frágil e as políticas públicas desencontradas tornam tudo ainda mais difícil.

Por outro lado, os reflexos terríveis nas atividades econômicas, com lockdowns que se mostraram improdutivos. Na minha opinião, o combate deve se dar onde existe aglomeração, e muitos estabelecimentos que fecharam só contribuíram para o desemprego e perda de renda. Falando por mim, não existe aglomeração em salões de cabeleireiro. O atendimento é consciente, com hora marcada, com distanciamento e demais protocolos. Aglomerações a gente vê nas filas das lotéricas, em festas clandestinas, em bares, etc. Mas os salões são os primeiros a ser fechados e os últimos a abrir. Isso, espero, seja passado.

Vamos torcer que a vacinação avance, a pandemia recue e os profissionais que perderam seus empregos voltem a ter trabalho. O aumento da pobreza é uma coisa muito triste e devemos todos ser solidários e ajudar os que estão sem ter o que comer”. – concluiu.

Paulo César Freitas (Foto: Divulgação)

Na visão do engenheiro civil Paulo César Freitas, que dirige uma das mais tradicionais construtoras do interior do Estado do Rio, a Imbeg Engenharia, a construção civil pesada enfrenta grave crise desde 2014, que passou a ser sem precedente a partir da pandemia. Para ele, a Covid expôs de forma brutal a precariedade então escondida.

“Olha, antes de entrar na questão específica da Construção Civil, que é minha área, gostaria de sublinhar que a pandemia desnudou o Brasil real que estava camuflado. Hospitais sucateados é realidade que vem de longe. Falta de investimento em saúde, em saneamento básico, em habitação e um mar de informais que não têm os benefícios do emprego com carteira assinada, os quais, em períodos de fechamento, mendigam para não passar fome. Isso tudo está vindo à tona agora: são várias pontas de icebergs que hoje se mostram por inteiro e que a sociedade fazia de conta que não existiam.

Na Construção Civil – que é um dos segmentos que mais empregam trabalhadores de baixa escolaridade – a Covid trouxe o caos. O setor que encolheu sobremaneira e salvo por obras de pequeno porte e reformas, a construção pesada, responsável por empreendimentos de grande monta, atravessa crise sem igual. Observe que o aço quase dobrou de preço. O combustível subiu 50% nos últimos 18 meses. Para dar um exemplo, a nossa empresa não tem um funcionário sequer trabalhando para o município. Nos últimos quatro anos, nem a manutenção das ruas foi feita. O resultado são as centenas de buracos espalhados aos quatro cantos por falta de um mínimo de conservação.

Então, Guilherme, o Brasil não implantou medidas sanitárias eficientes, atrasou na imunização e não acredito num quadro de reversão antes de setembro/outubro. Torço para estar errado, mas o que a gente vê, por exemplo, no Centro da cidade depois das 20/21h, são vários grupos de desabrigados espalhados pelas calçadas – a frente do Banco do Brasil, na Quatro Jornadas, quase toda tomada. Uma visão triste e desumana. É, digamos assim, o retrato da miséria exposta aqui e em várias outras cidades. E a meu ver – se me permite – no caso de Campos, incompatível com o orçamento do município”. – finalizou.

Marcelo Oliveira (Foto: Divulgação)

À frente de um dos estabelecimentos mais tradicionais de Campos, o Palace Hotel e Restaurante, há quase 60 anos na sua família, o hoteleiro Marcelo Oliveira se diz inconformado com a falta de uma liderança nacional no combate ao coronavírus; com as medidas ineficientes e lockdowns mal feitos. Para ele, a doença foi politizada e dá como exemplo o hospital de campanha da 28 de Março em detrimento de parte das dependências da Santa Casa que está desativada e poderia receber leitos de UTIs.

“Para mim, está muito claro que lá atrás, quando tudo começou, faltou um lockdown de confinamento severo e de no mínimo 30 dias. Não fizeram, foram fatiando os fechamentos que, além de não resolverem a questão sanitária, deixaram o setor produtivo, de serviços e o comércio, à mingua. Não há campanha nacional para divulgar as restrições com responsabilidade e tampouco investimento na rede hospitalar.

Inexiste unificação de ações entre a União, estados e municípios e cada ente federativo faz (ou não faz) o que bem entende sem qualquer coordenação. Pergunto: por que, ao invés de montar e desmontar o hospital de campanha da 28 de Março, que não atendeu um único paciente, não se aproveitou as instalações vazias da Santa Casa para instalar lá os leitos de UTIs, os quais estariam até hoje? Política – é claro.

Outro ponto que poderia ter sido melhor ajustado foi o da fiscalização, que tendo em vista o tamanho do município e a pouca quantidade de funcionários para realizar um trabalho igualitário, acabou atuando com mais frequência na área central, onde na maioria das vezes as determinações são cumpridas. Por outro lado, o mesmo não pode ser dito dos bairros periféricos os quais, com todo respeito, arrisco dizer que, salvo exceções, os protocolos são ‘artigo de luxo’. De mais a mais, basta dar uma volta pela cidade, por ruas de grande movimento, e a gente vê que não são os restaurantes que fazem aglomeração.

Respondendo outra questão que você me traz, entendo que o empresariado não aguenta mais um eventual lockdown. Aqui, no nosso estabelecimento, tivemos queda vertiginosa. Mas os quase 60 anos no mercado nos permite certa oxigenação. Mas não é fácil. Até porque continuamos investindo, evoluindo e modernizando nossos serviços.

Por outro lado, você passa pela João Pessoa, entre outras ruas, e fica impressionado com o número de estabelecimentos que foram obrigados a encerrar. Então, um novo fechamento – que não acredito – seria um tiro fatal no empresário que está tirando fôlego sabe-se lá de onde para recuperar as perdas. Penso que todos concordamos que a hora é de vacinar e de montar leitos de UTI em quantidade compatível com nossa cidade. Afinal, não somos tão pobrezinhos assim…” – observou.

Ricardo André Vasconcellos (Foto: Divulgação)

Jornalista conceituado, servidor público federal e bacharel em Direito, Ricardo André Vasconcellos chama atenção para o 1º de Maio que passou – Dia do Trabalho – ter sido lembrado pela estarrecedora marca de quase 14,5 milhões de desempregados. E os que estão empregados – alerta – empobrecem com uma renda desigual.

“Que o Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador, transcorrido silenciosamente no antes festejado 1º de Maio, sirva de reflexão para o grave momento que passamos no País, nos estados e municípios. São mais de 14 milhões de desempregados no Brasil, numa crise agravada pela maior pandemia da história. Mas mesmo assim, a Revista Forbes divulgou que, neste período, o Brasil ganhou 18 novos bilionários. Que mistério é esse que, num país com PIB negativo ou ínfimo, a população em geral mais empobrecida, de volta ao mapa mundial da fome, a classe média em queda livre para as classes D e E e, mesmo assim, alguns grupos conseguem enriquecer ainda mais.

Essa distribuição de renda perversa ainda vai destruir o que conquistamos como Nação”. – lamentou.