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Na pandemia, ruas viram única fonte de renda para parte dos campistas

Agravadas pela Covid-19, crises sanitária e econômica aumentam número de trabalhadores informais e pedintes

Geral
Por Ocinei Trindade
25 de abril de 2021 - 0h01
Catadores de materiais recicláveis (Foto:

Nos sinais de trânsito na região da Pelinca, área nobre de Campos dos Goytacazes, vendedores ambulantes disputam as janelas dos automóveis, tentando obter dos motoristas a compra de algum doce, bala ou água. Diante de uma resposta negativa, pedem ajuda em moedas. A cena se repete em muitos outros semáforos da cidade. Nos últimos meses, desde o início da pandemia, cresceu o número de informais e de pedintes. A economia acendeu o sinal vermelho, ultrapassando mais uma vez o número suportável da extrema pobreza. As soluções por parte dos governos demonstram ser paliativas, pois fome e desemprego seguem em ascensão.


De acordo com dados da Prefeitura de Campos, atualmente há cadastrados no município 936 ambulantes, além de 850 permissionários. Entretanto, o número de trabalhadores informais no município é desconhecido. No Cadastro Único do Ministério da Cidadania, Campos conta com 47.600 famílias em extrema pobreza.  
“Isso representa um aumento de 6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os 13 Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) do município estão monitorando famílias com demanda por cestas básicas e atendendo de acordo com as condições orçamentárias vigentes. A procura por cestas básicas se ampliou em 63% se comparado ao mesmo período de 2020”, diz a nota da prefeitura.

Rita, vendedora de balas

Sinais de sobreviventes
Rita de Cassia da Silva está desempregada há quase dois anos.  Morava no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, tem filhos e netos, trabalhava num shopping. Vítima de balas perdidas em confrontos de traficantes, teve a perna atingida. Veio para Campos e morou na rua por sete meses. Conseguiu um aluguel barato e tenta se manter vendendo doces nos sinais do Jardim São Benedito.

“Chego cedo para conseguir comida no Mosteiro Santa Face. Estava sem gás, juntei dinheiro para comprar. Peço doações, dinheiro. Melhor pedir que roubar. Muita gente acha que é para comprar drogas, acha que poderíamos trabalhar, mas não tem emprego. Então, me arrisco nos sinais a vender e levar algum dinheiro para casa. Situação muito difícil, já passei fome, e sem ajuda é difícil se manter”, diz Rita.

Situação parecida tem Bianca Rangel, 24 anos.  Moradora da Lapa, mãe de um menino de 5 anos e de uma menina de 11 meses, ela paga R$450 de aluguel. Sobrevive de reciclagem de materiais que acha no lixo. Em dia de sorte, consegue R$30. A pandemia piorou sua situação, pois nem sempre há o que comer.

“Recebo R$259 do Bolsa Família. Eu não tenho vergonha de pedir dinheiro na rua ou nos sinais. Às vezes fico sem comer para dar aos meus filhos. Quando recebo qualquer doação é um alívio”, diz.

Fernando Cabral tenta se manter na informalidade

Fernando Cabral, 26 anos, tem certificação em dois cursos profissionalizantes do IFF, mas não consegue emprego. Em 2020, ele e a mulher conseguiram se manter por um tempo com o auxílio emergencial do governo federal que ela recebeu. Pais de uma menina pequena, eles se viram para pagar aluguel na Tapera.

“Recebemos alguma ajuda de parentes. Passei a ajudar minha cunhada a vender docinhos caseiros na Pelinca. Consegui alcançar R$ 90 em três dias. A pandemia só trouxe mais insegurança e incerteza. A gente vende o almoço para comprar a janta e vamos nos ajudando”.

Solidariedade social
A assistente social Eliana Feres diz que as crises sanitária e econômica, provocadas pela pandemia, evidenciam a situação dos trabalhadores informais que sempre tiveram dificuldade de garantir seu sustento.

“Essas vulnerabilidades sempre existiram, mas a partir da pandemia ganharam amplitude e têm causado um forte componente de solidariedade social. Mas não podemos tratar a questão com campanhas solidárias. Os impactos econômicos das crises sanitária e social colocam o desafio do município em prover proteção social a pessoas. Reconhecê-las como sujeitos de direitos sociais é fundamental ampliar sua capacidade protetiva”, afirma.

Com a crise decorrente da pandemia, o Conselho Municipal de Assistência Social defende a criação de um programa de transferência de renda municipal de forma coordenada com os sistemas de informações dos governos Federal e Estadual.

Eliana Feres destaca os dados do Cadastro Único.  São 46.511 famílias com renda per capita familiar de até R$ 89; são 3.467 famílias com renda entre R$ 89,01 e R$ 178; ainda 10.498 famílias com renda entre R$ 178,01 e meio salário mínimo; além de 10.328 famílias com renda acima de meio salário mínimo. São  44.542 famílias recebendo o  Bolsa Família.

Assistente social Eliana Feres

“Certamente, há um aumento da extrema pobreza em Campos, no que tange ao atendimento à população em situação de rua que cresceu em  127%, se comparado as mesmo período do ano passado”, compara.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Rodrigo Carvalho, o quantitativo de população em situação de rua costuma variar. O Centro Pop, equipamento destinado a esse público, ofertou, durante o ano de 2021, 1.761 atendimentos, o que representa um aumento de 124% em relação ao mesmo período do ano anterior.

O professor Ricardo Nóbrega destaca a solidariedade dos movimentos sociais, sindicatos e organizações não-governamentais. “Isto tem sido fundamental, com a distribuição de cestas básicas e cuidados com os mais vulneráveis. Na cidade, destaco o trabalho do Resista Campos e da Rede Emancipa, que têm feito um excelente trabalho”.

O economista Ranulfo Vidigal alega que os programas de assistência social são pequenos diante das crises econômica, pandêmica e social. Ele critica o governo municipal nesse aspecto.  “Economizar nesse setor é ir contra a economia local, além de deixar nas mãos desses grupos aquilo que eles não podem resolver. Isto é estranho e fora de propósito para um grupo político, cuja a característica básica era o social. Alguns diziam um populismo social, mas nem isso está tendo”, diz.

A ambulante Márcia Christine, 43 anos, é mãe de uma adolescente de 13. Decidiu vender balas e doces nos sinais para complementar a renda do Bolsa Família. Ganha até R$30 por dia. “Conheço muita gente que está passando dificuldades, fome, sem emprego. É uma vida apertada, lido com a hostilidade de alguns nos sinais de trânsito, mas para continuar viva e cuidando da minha filha vou seguir lutando”, conclui.  

Análise socioenconômica sobre a situação de informalidade em Campos

Professor da Uenf e sociólogo Ricardo Nóbrega (Reprodução)


Ricardo Nóbrega é doutor em sociologia e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Para ele, o crescimento da informalidade se relaciona aos níveis de desemprego que crescem nacionalmente desde 2014, quando a crise econômica, política e social do país se aprofundou, alcançando sua pior expressão no governo Bolsonaro.

“As chamadas reformas trabalhista e da previdência, em vez de trazerem a prometida geração de empregos formais e as medidas de austeridade fiscal, apenas aumentaram a informalidade e trouxeram mais vulnerabilidade e precariedade material aos trabalhadores. No caso do Norte Fluminense, houve ainda os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que trouxeram prejuízos às empresas do setor de óleo e gás e que foram especialmente danosos à região, que tem uma economia fortemente dependente dessa cadeia produtiva. A pandemia aprofundou essa crise e suas consequências sociais podem ser vistas em toda parte”, considera.

Para o professor, a Prefeitura de Campos tem atuado de forma muito tímida frente aos enormes desafios e necessidades do momento. “A reabertura do Restaurante Popular, por exemplo, fornecendo marmitas a essa população que está em situação de insegurança alimentar, seria uma medida que amenizaria o sofrimento da população. Mas nada indica que ela ocorrerá no curto prazo”, observa.

Economista Ranulfo Vidigal

O economista Ranulfo Vidigal considera “pífia” a atuação do governo municipal nos 60 primeiros dias.

“Há uma função chamada ‘assistência social’ no balancete da prefeitura de 19 de abril, que tem um subitem chamado assistência comunitária. Este item tem autorização do Legislativo para gastar este ano mais de R$25 milhões. Isto dá uma média de R$2,1 milhões por mês. Portanto, em janeiro e fevereiro, tudo mais constante, Wladimir já deveria ter injetado no mercado algo em torno de R$4,2 milhões, para minimizar o sacrifício das famílias nesta situação de penúria. Os dados são oficiais. Gastou-se até fevereiro a bagatela de R$98 mil ou 4%. Deixou de investir nessa área crucial mais de R$3,5 milhões. Isto mostra em uma cidade nessas condições, mostra claramente que a prioridade do governo Wladimir foi zero”.