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Há 521 anos davam ouro em troca de apito. Hoje, suor e sangue por Bolsa Família

Em tempos “normais”, grande parte do povo luta contra a fome. Nos dias de hoje, de pandemia, fila para respirar

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
19 de abril de 2021 - 12h15
(Foto: Reprodução)

Um olhar sobre a história do povo brasileiro – do trabalhador assalariado, do operário, enfim, dos menos favorecidos – vemos, naturalmente que de forma caricata, que na essência pouco mudou dos tempos do “Descobrimento” de 22 de abril e da “colonização” que se seguiu, para os dias atuais. Na prática, a exploração é praticamente a mesma: os ‘colonizadores’ que aqui chegavam devam aos habitantes – ao povo de então – apito e espelhinho. Em troca, levavam ouro e madeira. E os índios ainda ficavam satisfeitos, agradecidos e devendo favor.
Desde os tempos da antiga Vera Cruz, antes de se chegar ao nome Brasil (1512), vemos que a relação entre governantes e governados não mudou muito. Modernizou-se, ganhou novos contornos, adaptou-se ao século 21, mas o eixo continua o mesmo.

Nos nossos tempos, os governos dão cheque-cidadão, bolsa isso e bolsa aquilo, enquanto os governados – em sua grande maioria trabalhadores – entregam, em troca, suor e sangue tirados de uma vida inteira de trabalho árduo e penoso. Os que estão empregados – a maioria para um salário de fome – se dão por satisfeitos quando o dinheiro dá para comprar a comida e, com sorte, vez por outra, um brinquedinho barato para os filhos.

Em resumo, este é o espelho do Brasil, que ao longo de mais de meio século cultiva uma desigualdade absurda e que não distribui com sua gente as riquezas naturais. Ao contrário, vem mantendo em diferentes épocas e ciclos o mesmo padrão: uma minoria cada vez mais rica à custa de uma imensa maioria cada vez mais pobre.

Exploração contínua – Nos primeiros 300 anos, os índios, verdadeiros donos da terra, foram em grande parte escravizados e mortos. Há relatos de que até doenças europeias teriam sido propositalmente transmitidas para dizimar tribos. De início, a exploração de pau-brasil, ouro e pedras preciosas. Mais tarde, a cobrança tirânica de impostos abusivos. Quem não pagasse, ia para a forca ou era deportado para a África.

Foram mais de 300 anos de exploração explícita em troca da ‘colonização’ que levava tudo e deixava uma ou outra benfeitoria. É o que a história trata como jugo português.

Pandemia expõe empobrecimento

O Brasil-Colônia foi de exploração em todos os sentidos e sobre isso não há controvérsia. A independência trouxe o império e com ele os privilégios das elites portuguesas já aqui instaladas em detrimento do brasileiro nato que seguiu pobre e quase escravizado pelos senhores de terra que formavam a aristocracia rural. A própria república levaria anos para mudar o status-quo e assim o Brasil foi recebendo, de década em década, o legado da pobreza de muitos e do enriquecimento de poucos.

Entra governo e sai governo, via de regra o que prevalece é a miséria vista na absoluta falta de políticas públicas eficientes, capazes de oferecer aos mais humildes razoável qualidade de vida. Ao contrário, o simples do povo não tem acesso à habitação, a salário digno ou saúde de qualidade. Educação é um luxo e ter emprego – qualquer emprego – é quase uma sorte para os menos qualificados. Até mesmo o saneamento básico falta para uma fatia expressiva da população e o transporte público é uma vergonha. Enfim, no geral, o serviços essenciais são um desastre.

Salários – Não foi diferente antes e não o é hoje. O Salário Mínimo de miséria, de mil e poucos reais – pago a uma parte considerável do povo – ‘patrocina’ o altos salários recebidos por um pequeno grupo de privilegiados, notadamente no setor público. Com os “acessórios” – os penduricalhos –, deputados federais recebem 60, 80, 90 mil reais – mais despesas e mais um exército de assessores. Não é diferente na maioria das Câmaras de Vereadores de vários municípios e nas Assembleias Legislativas.

Autarquias, órgãos do governo e diferentes esferas do setor público têm salários 80… 100 vezes maior que o Mínimo, sem falar numa série interminável de privilégios distribuídos com o nome de auxílio isso e auxílio aquilo, que no final das contas forma uma estrutura espetacular de mordomias. Em suma, o que deveria ser ofertado a quem precisa, àquele que nada tem, é transferido para os que já têm de sobra. Trata-se de um sistema que funciona às avessas.

Pandemia – Por conta da pandemia, que expõe drasticamente o precário sistema hospitalar do País, o brasileiro tem que entrar na fila para esperar vaga em UTI que lhe permita respirar. É isso mesmo: fila para respirar. E a pobreza escancara sua face mais cruel com o “auxílio emergencial” – insuficiente para que milhões de brasileiros classificados como ‘vulneráveis’ possam ter comida na mesa.

Em resumo, nada há para comemorar no 22 de abril. A Covid no Brasil mata em proporção acima de qualquer limite. A falta de coordenação e liderança do governo da União se junta à incompetência dos governos estaduais e municipais e suscitam as perguntas: 1) Deixando a esfera federal de lado, os municípios ricos do interior de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas, do Paraná e de outros estados não conseguem dinheiro para montar UTIs? 2) Não têm como reunir fundos e comprar respiradores na quantidade necessária? 3) Não é algo estranho que anunciem a instalação de 10 ou 20 leitos como se fossem centenas? 4) Devemos encarar como normal que depois de um ano de pandemia, em estados abastados e em municípios igualmente abastados, haja fila de espera para respirar?

(*) Registro Histórico

​Em trechos acima, quando se colocou “Descobrimento” com aspas, o objetivo foi o de colocar ressalvas que mostram não estar absolutamente comprovado o que se ensina nos bancos escolares..

Primeiro, porque o território onde chegou a esquadra de Pedro Álvares Cabral, além de habitado, sempre esteve onde está. Logo a “descoberta”, em conceito geográfico, é relativo. Segundo, como o comandante lusitano não nos deu identidade política, mas, bem diferente disso, conquistou terras para Portugal, sob essa ótica é para lá que se vê o episódio auspicioso, não aqui.

É preciso levar em conta que ‘descoberta de território’ remete a algo ermo, inabitado e desocupada, quando, de fato, em 1.500, a ‘terra nova’ já contava, segundo estudos, com cerca de 3 milhões de índios. Além disso, a versão, por exemplo, de Duarte Pacheco, não pode ser desprezada. Numa época em que Portugal e Espanha expandiam seus domínios, a descoberta de Pacheco (esta sim, por acaso), teria que ser guardada a sete chaves para não chegar ao conhecimento dos espanhóis.

Residiria aí o motivo para que rapidamente D. Manuel reunisse uma esquadra tão impressionante, formada por 13 navios e 1.500 tripulantes, com ordens para que sem demora partisse de Lisboa sob o comando de Cabral. Além do que, o rei recebera informações de Vasco da Gama, que havia retornado a Portugal um ano antes, em 1499, de que teria avistado “terra firme” quando navegava para as Índias. Seria a costa brasileira.

Por essa narrativa fica derrubada a tese do acaso: se D. Manuel já sabia, a frota de Cabral zarpou com a missão secreta e específica de vasculhar o Atlântico e chegar à ‘terra firme’ já descoberta por Pacheco e avistada por Vasco da Gama, para só depois, então, seguir para as Índias.