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No limite da exaustão

Profissionais de diversos setores relatam momentos de esgotamento físico e mental durante esse um ano de pandemia

Comportamento
Por Redação
11 de abril de 2021 - 0h01
Gisela Paixão atua no XY Diagnose: “preocupação e cansaço” (Fotos: Carlos Grevi e Silvana Rust)

Por Marcos Curvello, Mariane Pessanha, Ocinei Trindade, Priscilla Alves, Thiago Gomes, Ulli Marques

Exaustos! Quem não se sente assim convivendo com os efeitos devastadores da Covid-19 há mais de um ano? Os efeitos da pandemia atingem direta ou indiretamente a todos. A doença não tem dado trégua. Os números de contaminados e mortos não param de subir. Entre os mais de 350 mil óbitos no Brasil, 949 mortes são de Campos dos Goytacazes. Cada um dá seu jeito de enfrentar o medo e as perdas. O Terceira Via ouviu pessoas de diferentes profissões que lidam com incertezas, cansaços físico e mental. Trata-se de um tema que não se esgota nesta edição. Apesar da exaustão, há esperança e fé para que vida volte à normalidade.

Izabel Carvalho é comerciante: “Muita gente pede comida”

A comerciante Izabel Carvalho tem um filho que se recuperou da Covid-19. Ela diz que sente preocupação, fadiga e ansiedade. “Ao mesmo tempo, procuro ter bons pensamentos, manter a auto-estima elevada, estar de pé e ter saúde mais do que nunca. Tem dia que a gente fica meio cansada e sem esperança, mas lembro do que Deus tem feito. São muitas lutas e batalhas vencidas”, conta a dona da pequena mercearia no Parque Tropical. Izabel se preocupa também com os estranhos que passam fome. Os pedidos por comida aumentaram.

“Tem vezes que o dia inteiro aparecem pessoas pedindo ajuda. A gente faz o que pode. Hoje, apareceram duas pessoas. Ontem não veio ninguém. Elas dizem que não têm comida, não têm trabalho, relatam a questão da pandemia, do lockdown. Agora tudo piorou. Geralmente, pedem alguma verdura para fazer uma sopa. Dificilmente saem de mãos vazias. Quem puder, deve ajudar. Se não for com dinheiro ou comida, pelo menos ajudar com uma palavra de ânimo”, revela.

Leonardo Henriques é lojista: “Não sei mais o que fazer”

Leonardo Henriques é comerciante de malhas e aviamentos. Ele sofre com perdas antes da pandemia, mas a situação econômica se agravou nos últimos meses. “Estamos sem saber o que fazer. Campos não possui muitas indústrias. É difícil manter todos os encargos em dia. Apesar dos serviços delivery, as vendas caíram 80%. O comércio não é o vilão da história. Seguimos todas as medidas que foram impostas a nós, não deixamos aglomerar. Ainda assim, somos culpados?”, questiona.

De acordo com o empresário, a suspensão das aulas afetou diretamente seu negócio. A crise o levou à exaustão e à hospitalização. “Ano passado fui infectado pelo coronavírus, levei 25 dias fora da empresa, 17 dias em casa isolado e 5 dias internado. Além de todo o estresse por conta da doença em si, tem também os problemas da empresa, problema dos funcionários. Perdi 17 quilos, não conseguia comer. Trabalho muito, mas a situação está bastante crítica”, diz.

Apoio emocional

Liana França é psicóloga e observa o medo dos pacientes

A psicóloga Liana França conta um pouco de sua rotina com pacientes, colegas de profissão e familiares que têm sido acometidos pela exaustão que a pandemia tem causado. “Apesar das restrições sanitárias e de atendimento, há um grande número de pessoas na fila de espera para iniciar a terapia. Todos se queixam principalmente do esgotamento emocional promovido pelas incertezas, pela falta de perspectiva de final para a doença”, diz.

Lidar emocionalmente com a exaustão não é tarefa simples, define a terapeuta. “Apesar de estarmos vivendo um longo período, é preciso encontrar, ou buscar situações dentro do seu domínio de controle, que possam agregar bons sentimentos e manter um rotina saudável, tanto física como psíquica. Entender que está fazendo o seu melhor e que não é o único que está vivendo isso”, sugere.

Liana observa a exaustão e o medo entre os colegas de profissão e de trabalho. “Muito mais a exaustão que o medo, pois o confronto diário com esse medo, em sua maioria, leva a uma espécie de adaptação. Há diferentes estudos no Brasil e em vários países dedicados a investigar as implicações da pandemia, demonstram preocupação com os desdobramentos desadaptativos em médio e longo prazo”, destaca.

Esgotamento físico e mental

Enfermeira Renata Viana Basílio: “Momentos difíceis”

Mesmo com 33 anos de profissão, a enfermeira Renata Viana Basílio nunca vivenciou situação semelhante. Seu cansaço físico vem das seguidas horas cuidando dos pacientes com Covid-19 no Hospital Geral Dr. Beda. Já o esgotamento mental, segundo ela, é ver tantas famílias arrasadas com a perda de entes queridos. Renata deixa a correria do plantão, volta para casa, mas sabe que no dia seguinte começa tudo outra vez. E tem sido assim há um ano.

“Passamos por tantos momentos difíceis e, quando achamos que iria dar uma tranquilizada, voltamos para um pico de casos e de mortes. E nesta altura, todos os profissionais de saúde, todos, estão exaustos e emocionalmente abalados. Pois não é só uma questão de cansaço físico, mas, principalmente psicológico. Vivenciamos pessoas com o quadro de saúde se agravando e morrendo quase todos os dias. A gente não sabe até quando essa situação vai durar”, desabafa. Por amor à profissão e aos pacientes, arrumamos forças para seguir em frente.

Mastologista Maria Nagime: “Atendimento a pacientes com câncer não parou”

A médica mastologista Maria Nagime atua no Hospital Geral Dr.Beda, e também colabora profissionalmente com o Centro de Controle e Combate ao Coronavírus (CCCC). “A exaustão nessa fase de Covid chegou porque, além de toda a rotina pesada da assistência ao paciente, foram adicionadas as várias regras para evitar o contágio, uso de artefatos para a gente se proteger e também o paciente. O tratamento do câncer no serviço que faço parte não foi interrompido em nenhum momento. Esse cansaço se deve às demandas maiores do mesmo trabalho”, diz.

Maria Nagime afirma que o cansaço aumenta com a carga de trabalho. “Passamos a sair mais cedo de casa e voltamos mais tarde; acúmulo de horárias, sem momento para lazer. Os lazeres foram todos impedidos pela pandemia”, conta. A médica defende o distanciamento social. “Eu me sinto presa, mas por uma boa causa, pois é um erro aglomerar nessa fase. Quem faz isto está sendo responsável pela doença de uma outra pessoa. Aceitar o fato de aglomerar é assumir a culpa de contaminar um ente querido, uma pessoa que se tenha afeto”, alerta.

Rotina difícil no CCCC

Médica do Cynthia Cordeiro, do CCCC: “População precisa aprender”

A médica Cynthia Cordeiro é responsável pelo setor de triagem do CCCC. Ela diz que a rotina tem sido dramática. “A gente tem apelado ao governo para que veja a necessidade do rodízio dos profissionais do CCCC que estão exaustos. A população também precisa entender o que está acontecendo. A gente vive uma realidade tão difícil no trabalho, e quando sai daqui vê as pessoas vivendo como se não existisse pandemia. O número de atendimento tem subido absurdamente, e os pacientes chegam em estado cada vez mais grave. A capacidade de leitos passou de 100%”, lamenta.

Os profissionais de saúde na linha de frente de combate à Covid-19 enfrentam diferentes desafios. Se no começo o maior medo era o de não se adaptar aos novos protocolos e contrair a doença que até então era desconhecida, hoje, a preocupação é se haverá recursos para atender aos pacientes e mantê-los vivos. O enfermeiro de Emergência de Terapia Intensiva e coordenador de Emergência do Centro de Controle e Combate ao Coronavírus de Campos (CCCC), Danilo Saldanha, relata a angústia nessa pior fase da pandemia.

“Temos três ventiladores na Emergência e, quando os três estão ocupados, eu e minha equipe ficamos bolando estratégias de improviso, como em hospitais de guerra, para caso surja mais um paciente para ser entubado. De repente recebemos a informação de que surgiu uma vaga e comemoramos! Mas, quando subimos com esse paciente, vemos um caixão descendo. Aí vem a agonia: o que estamos comemorando, afinal?”, declara Danilo.

Enfermeiro Danilo

No cenário calamitoso, muitos profissionais exercem carga horária excessiva. “Campos carece de material humano. Eu mesmo trabalho em diversos lugares porque precisamos suprir a demanda. E ainda somos proibidos de tirarmos férias, a não ser que tenhamos acumulado cinco vezes esse direito, o que é um absurdo”, conta.

Técnica de enfermagem do XY Diagnose, Gisela Silva foi uma das primeiras entrevistadas do Jornal Terceira Via no início da pandemia. De lá para cá, sua rotina mudou pouco, embora a carga de trabalho tenha aumentado. “Todos os dias, tudo se repete, o medo, a insegurança e a tristeza fazem parte dos meus dias. Muitas vezes desmotivada, eu peço o renovo de forças e proteção a Deus e tento dar o meu melhor. Apesar de já ter tomado a vacina, a preocupação ainda é grande porque a maioria da população não tomou”, afirma.

Técnica de enfermagem Gisela Silva

Mudanças na rotina

Rayanna Piratininga trabalha como caixa. A pandemia mudou sua rotina e também seu endereço. Ela morava no distrito de Travessão, se mudou paro centro de Campos para conseguir chegar no horário e com mais segurança no trabalho. Passou a ver a mãe apenas nos fins de semana, o que aumenta a sensação de solidão e preocupação com a família. A convivência com alguns clientes do hortifrúti nem sempre é fácil.

Rayanna Piratininga precisou mudar de endereço

“O cansaço mental é muito grande. Uma vez fui chamada de ridícula porque disse ao cliente que ele não poderia entrar sem máscara e eu não poderia pegar o produto para ele. A gente fica exausta porque esse tipo de situação acontece várias vezes ao dia. Os pedidos por delivery aumentaram. “Temos que separar todos os produtos. Não sei quando isso tudo vai acabar, mas espero que seja logo”, desabafa.

Padecimentos maternos e profissionais

Advogada e mãe, Fabrinne Paixão se desdobra com os filhos

A advogada Fabrinne Paixão é mãe de três filhos: uma menina de 10, e dois meninos gêmeos de 5 anos. Ela conta que a rotina de cuidados e aulas on-line é extremamente estressante. Sente-se à beira de um colapso emocional.
“Imagine que a mãe senta com seu filho uma hora por dia, faz as atividades e depois levanta, guarda tudo e cumpre outra função. Quando eu termino com um, tenho que respirar 10 vezes porque já preciso estudar com o segundo. Ou seja, aquele que estuda primeiro tem uma mãe mais didática e paciente”, conta a advogada.

Após a rotina escolar encerrada, há todos os trabalhos domésticos, do serviço público, do exercício da advocacia. Exercer a maternidade em tempo integral foi muito traumático, disse Fabrinne que ainda enfrenta o medo de contrair o coronavírus. “Quanto mais eu me informo sobre os números da Covid-19, mais eu os coloco na bolha. Tem sido muito difícil amenizar os efeitos da pandemia. O que mais me machuca é não ser a mãe divertida, engraçada, bagunceira que sempre fui porque não sobra tempo”, queixa-se.

Professora Alessandra Prudêncio: “Me preocupo se os alunos desistirem de estudar”

A professora Alessandra Prudêncio atua na rede pública municipal. Sofre com a ansiedade e os desafios impostos pelo afastamento das salas de aulas. Ela conseguiu vencer as dificuldades com a tecnologia com a ajuda dos filhos, mas ainda assim, relata que o ensino não alcança todos os alunos, o que a deixa angustiada.

“Todos nós professores tivemos que aprender. As aulas online não são como estar junto e, no meu caso, tenho menos da metade da turma participando. Isso causa muita preocupação. Fico pensando quantos vão deixar de estudar, quanto tempo vamos demorar para os alunos se recuperarem. Sei que todo mundo está com dificuldade. Fico lutando diariamente, assim como meus colegas de profissão. É triste a gente estar isolado, o meu psicológico está muito afetado. Então, a gente luta com as armas que tem para não se deixar abater”, emociona-se.

Mariane e Caroline Rangel atuam com maquiagem e eventos: queda do faturamento

A maquiadora Mariana Rangel é organizadora, ao lado da irmã Carolina Rangel de uma mostra que reúne fornecedores de eventos que atuam em Campos e região. São em média 150 expositores com quatro mil visitantes por dia. Com a paralisação do setor, devido à pandemia do novo coronavírus, este é o segundo ano que a feira deixa de acontecer.

“Foi bem difícil essa questão do adiamento em 2020. Não foi só a gente como organizador que perdeu. Atingiu todo o mercado de casamento. São muitas pessoas afetadas. Eu sou muito ansiosa e não consigo ficar parada. Neste período percebi que minha preocupação e ansiedade aumentaram”, diz Mariana.

A comerciante Izabel Carvalho acredita que para enfrentar a pandemia é preciso exercer a fé. “Somos corpo, mente e alma. Temos que fortalecer os três”, acredita. A psicóloga Liana França também opta pelo otimismo e sensatez. “Vale buscar ajuda profissional quando perceber aumento de ansiedade e depressão. E entender o momento de agir e pensar coletivamente com empatia, solidariedade e generosidade”, conclui.