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STF retoma nesta quinta-feira julgamento sobre cultos na pandemia

Na sessão desta quarta-feira, apenas o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou

Justiça
Por Redação
8 de abril de 2021 - 10h27
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal. (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na quinta-feira (8) julgamento que decidirá se governadores e prefeitos podem proibir a realização de cultos religiosos com objetivo de conter o contágio da covid-19, doença que já matou mais de 340 mil pessoas no Brasil.

Na sessão desta quarta-feira, apenas o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou. Sua decisão é a favor da possibilidade de restrições às atividades religiosas de caráter coletivo.

Ao se manifestar, Mendes ressaltou o novo recorde de mortes alcançado na terça-feira, quando 4.195 óbitos causados pela covid-19 foram registrados em 24 horas no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde.

Segundo ele, o Brasil se tornou um “pária internacional no âmbito da saúde” ao concentrar no momento cerca de um terço das mortes diárias causadas pelo coronavírus no planeta.

Embora o direito à liberdade religiosa esteja garantido na Constituição brasileira, o ministro considera que ele pode ser restringido, tendo em vista a necessidade de medidas que reduzam o contágio da doença.

“A Constituição Federal de 1988 não parece tutelar um direito fundamental à morte”, afirmou em seu voto.

Mendes ressaltou ainda que o STF já reconheceu no ano passado o poder de prefeitos e governadores de adotar medidas sanitárias para conter a pandemia.

“Assim o fez o Supremo Tribunal Federal levando em consideração pretensões do governo federal de obstar os Estados e municípios de adotar uma das poucas medidas que, por comprovação científica, revela-se capaz de promover o achatamento da curva de contágio de coronavírus, qual seja, o lockdown. Talvez a única disponível em um contexto de falta de vacinas”, reforçou.

O ministro citou também, em seu voto, exemplos de outros países que adotaram restrições a atividades religiosas, como decisão da Suprema Corte alemã de abril de 2020 que recusou pedido para liberar cultos nas vésperas da Páscoa do ano passado.

Os que pedem a liberação das cerimônias, por sua vez, argumentam que a liberdade religiosa é um direito fundamental garantido na Constituição. Para a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), decretos muito amplos de restrição a atividades religiosas acabam dificultando até atividades sem aglomeração, como transmissão de cerimônias online a partir dos templos.

O julgamento no plenário do STF tem o objetivo de pacificar a questão na Corte, já que, no momento, há duas decisões individuais de ministros conflitantes em vigor.

De um lado, há uma liminar concedida por Gilmar Mendes na segunda-feira (05/04) mantendo o veto à realização de cultos religiosos no Estado do São Paulo, determinado pelo governador João Dória. O ministro recusou um pedido do PSD para derrubar trecho do decreto estadual. É essa ação que está sendo analisada pelo plenário, mas seu julgamento deve fixar parâmetros válidos para todo o país.

Já o ministro Kassio Nunes Marques havia liberado no sábado (03/11) a realização de celebrações religiosas em todo o país, desde que cumpridas medidas de redução do contágio como uso de máscaras, distanciamento entre os fiéis e limitação do público a 25% da capacidade do local. Sua decisão atendeu a um pedido da Anajure.

“A proibição categórica de cultos não ocorre sequer em estados de defesa ou estado de sítio. Como poderia ocorrer por atos administrativos locais? Certo, as questões sanitárias são importantes e devem ser observadas, mas, para tanto, não se pode fazer tábula rasa da Constituição”, escreveu o ministro.

Na decisão, Marques citou também o transporte coletivo, mercados e farmácias como exemplos de serviços essenciais que continuam funcionando durante a pandemia. “Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas”, escreveu.

“Daí concluo ser possível a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto é, com respeito a parâmetros mínimos que observem o distanciamento social e que não estimulem aglomerações desnecessárias”, escreveu o ministro.

Ambiente favorável ao contágio?

Críticos da liberação dos cultos defendem que a religião pode ser praticada individualmente ou em família, sem sair da casa. Dizem também que celebrações coletivas podem ser praticadas por meio de plataformas online.

Cientistas têm apontado cerimônias religiosas como situações de alto contágio de coronavírus por, em geral, ocorrer em ambientes fechados, com pouca ventilação, e envolver amplo contato entre fiéis, uso compartilhado de objetos e cantos litúrgicos.

Dessa forma, a decisão de Nunes Marques que liberou a realização de missas e cultos em todo o Brasil, do ponto de vista epidemiológico, “vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, disse à BBC News Brasil Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).

“Celebrações religiosas são ambientes de alto risco. Temos vários relatos de surtos originados em locais de culto. Não somente por serem ambientes fechados, mas também pelas atividades desenvolvidas (orações, corais, canto) que propiciam liberação de partículas virais no ar”, explica.

“Então, do ponto de vista epidemiológico a reabertura de igrejas nesse momento da pandemia no Brasil, com altas taxas de transmissão e falência do sistema de saúde, é algo que vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, acrescenta.

A Anajure reconhece que cultos coletivos podem ser um fator de risco na crise de coronavírus. Uma nota divulgada pela associação em março de 2020, início da pandemia, inclusive recomendava que os pastores suspendessem temporariamente eventos e cultos.

À BBC News Brasil, o presidente da Anajure, Uziel Santana, disse que a associação mantém essa orientação no caso de cidades em que o sistema de saúde esteja colapsado, com falta de vagas. Na sua avaliação, porém, essa decisão deve caber às próprias igrejas, sem ser algo imposto.

Para ele, a forma como a restrição têm sido estabelecida de forma ampla em decretos de prefeitos e governadores têm dado espaço para abusos.

A Anajure cita na ação um caso de março de 2020 em que “os pastores Jésus Junio Silveira Reis e Nathalia Batista Napoleão, líderes da Igreja Servindo a Cidade, em João Monlevade/MG, estavam no interior do templo, com a filha do casal e com um voluntário da instituição, quando fiscais do Município e, posteriormente, policiais militares chegaram, determinando o fechamento do local”.

Por isso, Santana espera que, ainda que a possibilidade de proibição das atividades religiosas seja mantida, o Supremo fixe limites à duração e à amplitude dos decretos municipais e estaduais.

“Não cabe ao poder público determinar: ‘fechem as igrejas, vocês não podem fazer nada’. As igrejas realizam um trabalho social, têm histórico de atuação em guerras, em crises de refugiados, em epidemias”, argumenta Santana.

“São locais de acolhimento, locais em que pessoas desesperadas se sentem amparadas. E você simplesmente proibir, de modo em que não haja balizas corretas, de que a pessoa esteja ali cultuando, de modo parcimonioso, sem aglomeração, seguindo protocolos, eu acho que isso é irrazoável”, disse ainda.

Fonte: BBC Brasil