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Pela primeira vez em 288 anos, Santo Amaro não terá festa

Pandemia da Covid-19 altera a estrutura das comemorações e a tradicional cavalhada

Campos
Por Redação
10 de janeiro de 2021 - 0h01

Cavaleiro se vê isolado sem poder realizar tradição (Foto: Carlos Grevi)

A Festa de Santo Amaro, uma das mais importantes tradições campistas, chega a sua 288º edição com várias mudanças por causa do impacto causado pela pandemia do novo coronavírus. Desta vez, quem for ao santuário no dia 15 de janeiro, ou nos dias que antecedem a data, não verá as atrações que compõem a parte profana (de lazer) da festa. Desfile de bandeiras, shows, rodeios, leilões, barraquinhas de produtos e alimentos e, até mesmo, as tradicionais procissão e cavalhada não acontecerão. Para evitar aglomerações e consequente disseminação do coronavírus, apenas a parte religiosa foi mantida e, ainda assim, com algumas mudanças e seguindo recomendações das autoridades em saúde.

A festa costuma reunir milhares de fiéis e simpatizantes que vão de várias cidades da região e até mesmo de outros estados ao local para fazer pedidos, pagar promessas ou agradecer por graças alcançadas. Em 2019, por exemplo, a Prefeitura de Campos registrou a presença de cerca de 50 mil pessoas. Grande parte deste público acompanha a tradicional cavalhada, que reúne 24 cavaleiros (12 representando os mouros e 12 representando os cristãos), há anos, no campo ao lado do santuário e não ocorrerá neste ano pela primeira vez.

O cavaleiro Miguel Henrique já participou da cavalhada por 52 anos seguidos. Ele, que era o capitão (líder) dos cavaleiros cristãos, lamenta o cancelamento do evento profano neste ano, mas garante entender o motivo.

Foto: Carlos Grevi

Foto: Carlos Grevi

“Eu tenho um grande orgulho quando eu visto esse uniforme. Comecei a cavalhada aqui quando eu tinha 14 anos e me aposentei como cavaleiro há quatro, quando passei meu lugar para o meu filho. A cavalhada é tudo na minha vida e, mesmo fora dela hoje, ela ainda está dentro de mim. Eu fico triste, porque este vai ser o único ano que não vamos ter a cavalhada em Santo Amaro, mas a gente entende que é uma situação complicada por causa da pandemia.”, contou Miguel, que há quatro anos faz parte da comissão organizadora da festa.

Além da fé, o amor pela cavalhada e dedicação na organização das atrações que compõem a programação de lazer dos festejos também é evidente em Fernando Teles. Ele, que é membro da comissão da cavalhada e um dos organizadores dos festejos, se emociona ao falar sobre o assunto.

“A Festa de Santo Amaro faz parte da minha vida desde que eu era criança. A minha casa funcionava como um ponto de apoio para as pessoas. Meu pai fazia parte, hoje sou eu e já tenho meu filho de 15 anos que não perde uma Festa de Santo Amaro. Então, é um legado que vai de pai para filho. Isso é muito forte pra mim. Quem conhece a história da Festa de Santo Amaro, passa a vir todo ano, porque são muitas bênçãos recebidas”, contou.

Apesar de todo amor e dedicação, Fernando também se mostra consciente com toda a situação que envolve o cancelamento das festividades.

“A gente acompanha as notícias desse vírus que traz tanto sofrimento. Então, nós temos que ter consciência e, por isso, resolvemos há alguns meses, não fazer esse evento neste período. Depois que as coisas tranquilizarem e a vacina chegar, talvez em julho a gente realize uma cavalhada simbólica para não deixar passar o ano de 2021 em branco”, destacou.

Festa em anos anteriores (Foto: Tarcísio Nascimento)

Cancelamento da cavalhada nunca aconteceu antes

Segundo a pesquisadora da Uenf e escritora do livro “A Cavalhada de Santo Amaro – Uma Tradição da Baixada Campista”, Gisele Gonçalves, não há relatos históricos de que alguma vez a cavalhada tenha deixado de acontecer. “O que a gente tem de registros sobre outras epidemias não cita se esses problemas chegaram até essas localidades mais afastadas. Hoje, o vírus se propaga de uma maneira muito pior. Antes, o povoado era mais isolado e a festa não tinha a dimensão que tem”, explicou.

Ainda de acordo com Gisele, a Cavalhada de Santo Amaro é a mais antiga do Brasil e a única que permanece em atividade em todo o estado do Rio. O primeiro registro é de 1730.

“Talvez, nem as pessoas da região se dão conta da importância da Cavalhada. Na história, essa cavalhada simboliza uma batalha na Península Ibérica em que os cristãos venceram os mouros. É algo que remonta os jogos medievais. Na cavalhada de Santo Amaro, os cavaleiros mostram união entre os povos, encenam a batalha, mas ao final trocam flores e terminam a encenação com o levantamento do lenço que simboliza a paz. A cavalhada estar em atividade mesmo depois de tanto tempo, traz uma relevância muito grande para a nossa região”.

Foto: Supcom

Medidas contra o coronavírus

As celebrações das missas acontecerão no Centro Pastoral, que funciona ao lado do Santuário. Todos os acessos terão orientação da Equipe de Acolhida do Santuário que estará ajudando os devotos. Medidas sanitárias de distanciamento social serão cumpridas e o uso de máscaras será obrigatório para quem for assistir as missas. Para participar, também é necessário o agendamento, que pode ser feito a partir desta segunda-feira (11) na secretaria da Igreja ou pelo telefone do Santuário (22) 2738-2454.

“É uma situação atípica em que temos que ter muita cautela. Sabemos que até a vacinação começar, não poderá haver uma festa com aglomeração. Então, devemos ter vários cuidados, como ensina a pandemia. Também vamos seguir as restrições de 30%, o distanciamento social e a higienização para garantir esse clima de cuidado. As missas serão realizadas no salão comunitário, que é mais ventilado”, explicou o bispo Dom Roberto Ferrería Paz.

Segundo Aprígio Barcelos, membro do Conselho Administrativo do Santuário de Santo Amaro, outra adaptação deste ano é o levantamento do mastro, que é erguido com a imagem de Santo Amaro na véspera do dia 15, mas desta vez não ocorrerá da mesma forma.

“Vamos colocar o mastro e hastear a bandeira três dias antes, mas sem festividade. Pedimos que as pessoas que têm algum problema ou sejam do grupo de risco, que venham antes nas missas dos dias anteriores ou nas missas do início da manhã do dia 15. Não queremos que ninguém pegue coronavírus aqui na festa”, apelou Aprígio Barcelos.

Mesmo com todas as medidas, o subsecretário adjunto de Atenção Básica e Vigilância em Saúde e Promoção, Charbell Kury, orienta que as pessoas que fazem parte de grupos de risco – idosos, pessoas com doenças crônicas, entre outros – evitem participar de atividades que reúnam muita gente, incluindo missas e caminhadas.

“Estaremos dando assistências aos romeiros nos pontos à beira da estrada, mas nem por isso as pessoas devem se descuidar. Neste momento de pandemia, é impossível se pensar na parte profana”, explica Charbell Kury.

Programação de missas

No dia 15 de janeiro, a igreja vai estar aberta 24h e as missas começam a 00h. Nos intervalos das celebrações, equipes vão higienizar as cadeiras. Serão 12 missas no total, nos seguintes horários:

Madrugada – 00h / 1h30 / 3h / 4h30

Manhã – 6h / 7h30 / 9h / 11h (com o bispo Dom Roberto)

Tarde – 14h / 16h / 17h30

Noite – 19h (última missa)

Músico perpetua a festa com canção (Foto: divulgação)

Música em homenagem à Festa de Santo Amaro

O músico e produtor Marcelo Mufaza compôs, com o amigo Maicon Elioberto, a música “Festa de Santo Amaro”, que foi lançada no final de dezembro e já atingiu mais de 2 mil visualizações no Youtube. A canção é uma homenagem e traz o universo da mais tradicional romaria fluminense com seus símbolos, cores, histórias e personagens.

“O Maicon, que é artista plástico, me fez o convite para criar a música e em meia hora a gente fez a composição e ‘Festa de Santo Amaro’ já nasceu assim e foi muito bem recebida. No dia 15, dia de Santo Amaro, vai ser lançado um clipe com várias fotografias cedidas por fotógrafos de Campos e que mostram várias partes da festa”, contou.

O refrão da música traz a seguinte mensagem: “Entre mouros e cristãos, todos levantam as mãos nessa festa popular / Cavaleiros imponentes, determinados e valentes, cada um em seu lugar / Pontaria com destreza, maestria com beleza, harmonia entre as cores nesta festa popular / Azul celeste e vermelho / Fica a dica, o conselho, para a fé se renovar / É Santo Amaro padroeiro da Planície Goitacá…”.

A canção completa pode ser conferida no Youtube com o título: Marcelo Mufaza – Festa de Santo Amaro.