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“As consequências vêm depois” (Barão de Itararé) 

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Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
3 de dezembro de 2020 - 11h34

Jornalista com forte inclinação para o humor sarcástico, o gaúcho Aparício Torelly, o “Barão de Itararé” – pseudônimo com o qual se tornou famoso – construiu inúmeras frases memoráveis ao longo de 50 anos no jornalismo carioca, quase todas debochadas, críticas e engraçadas.

Também escritor e político, uma de suas raras pérolas sem cunho de ‘zoação’ foi “As consequências vêm depois”, que, longe de engraçada, consiste numa advertência prévia sobre tudo na vida e cai como uma luva na trágica situação vivida pelo Brasil no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus – catástrofe anunciada, advertida, denunciada e publicada à exaustão pela esmagadora maioria dos veículos de comunicação do Brasil.

NoTerceira Via, foram várias as páginas – portanto, grandes espaços, como mostram as reproduções abaixo, também repercutidas no jornal on-line – que chamaram atenção para o grave problema, repetidas vezes sublinhando que a maior pandemia dos últimos 100 anos poderia ser atenuada ou agravada, dependendo de como seria tratada e combatida pelas autoridades governamentais, pelo sistema de saúde e pela população.

Contudo, a despeito de tantos alertas, a doença que se pensava, talvez, controlada, retornou recrudescida nas últimas semanas, tirando proveito da soma de todos os erros e de todo negacionismo da União, das transgressões de alguns estados (o Rio de Janeiro com governador afastado e secretário de saúde preso) e, principalmente, de fatia considerável da população.

Quadro sombrio depois de 9 meses 

Semana passada (26) completou nove meses desde a confirmação do primeiro caso de Covid no Brasil. Mesmo acreditando-se que poderia ir longe, não se fez cálculos que custaria mais de 174 mil vidas, caminhando para 7 milhões de casos de contágio.

Aliás, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ‘esperou’ o lançamento do seu livro, “Um paciente chamado Brasil”, em setembro, para contar da reação raivosa do presidente Bolsonaro ao ser informado que o Brasil poderiachegar a um número catastrófico de mortes caso não fossem feitas as intervenções sugeridas.

Ficam, então, as perguntas: caberia ao ex-ministro mostrar as projeções dramáticas apenas ao presidente, ou revela-las ao Brasil? Como médico e titular da Saúde, sua primeira fidelidade não deveria ser para com a população e, depois, para com o presidente?

E mais: de acordo com as contas do próprio Mandetta, o Brasil vive o cenário mais sombrio. Há dois meses ele lembrou que trabalhava com três projeções: a mais otimista, 30 mil óbitos; a mais pessimista, 180;e que o número imaginado era 80 mil.Bem, estamos a caminho dos 180.

Governos e população juntos na negligência 

De tudo quanto deixou de fazer o governo federal, não cabe repetir – todos sabem. Manter um interino quatro meses à frente do Ministério da Saúde e depois efetivá-lo… sem falar no episódio do protocolo da compra da vacina chinesa, minimizado pelo próprio ministro Pazuello (“é simples assim: um manda e o outro obedece”) – diz tudo.

Há dias, algo inusitado: Paulo Guedes grava um vídeo onde “explica”, do alto de seus conhecimentos científicos, que o aumento da transmissão do vírus não significa que a Covid esteja avançando, acreditando tratar-se de um “repique” porque a doença “cedeu”.

Primeiro, ter baixado de 1000 para 300/350 óbitos por dia não caracteriza ‘ceder’. De fato, recuou de números dramáticos para altos, porque não há que se considerar 300 mortes como algo aceitável. Segundo, subiu, sim, de forma considerável, com registros diários na faixa de 500 a 650 nas duas últimas semanas.

O ministro Paulo Guedes, importando os critérios da década de 80 da Universidade de Chicago (que nem em Chicago são mais usados) deveria se preocupar em obter algum sucesso na economia e deixar para os sanitaristas as avaliações sobre pandemia e saúde pública.

Números preocupantes – O Brasil chegou a ter apenas dois estados em alta, mas nas últimas semanas a média móvel variou entre oito e treze estados. No Rio, a taxa de ocupação em UTIs alcançou 90%, e em outras cidades já existe fila de espera para vaga. Isso, sem falar nos 7 milhões de testes que correm o risco de vencer, os quais dependem que a Anvisa amplie o prazo de validade.

Resistência à mascara – Para além das falhas inaceitáveis do governo central e de algumas unidades da federação, o pior infortúnio está na própria fatia da população que de forma irresponsável continua promovendo aglomerações e resistindo ao uso da máscara. Se houvesse uma conscientização minimamente cidadã, mesmo com todo negacionismo das autoridades, o número de casos e de óbitos certamente seria bem menor.