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Pesquisadora da Uenf, Clareth Reis, aborda temas sobre consciência negra

"Enquanto os crimes de racismo e de injúria racial não forem efetivamente punidos, esta prática persistirá", destaca

Entrevista
Por Ocinei Trindade
19 de novembro de 2020 - 0h03

O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro comemora seu oitavo aniversário. Nesta quinta-feira (19) haverá um debate virtual sobre educação, racismo e pandemia, tendo como foco  negros e indígenas no referido contexto. O encontro acontece de 18h às 20h, pelo Google Meet, com os professores Helena Theodoro e Felipe Tuxá. A mediação é da professora Clareth Reis, coordenadora do Neabi, que concedeu uma entrevista ao Terceira Via para falar de racismo e consciência negra.

O que significa ter consciência negra para você?

Ter consciência negra é se ver e se sentir integralmente negra ou negro; é saber que somos pessoas que merecem ser respeitadas e não apenas “toleradas”;  é olhar no espelho e enxergar sua pele preta, seu cabelo crespo e se gostar. É se assumir como negra, ou negro, em qualquer espaço social que transitar, seja na família, na escola, no trabalho ou no lazer.

Ter consciência negra é saber que a nossa sociedade é racista, por isso é necessário se juntar à luta antirracista.  Ter consciência negra significa andar de cabeça erguida e não sentir vergonha de adentrar em qualquer espaço, mesmo naqueles que sentimos que não somos bem vistos pelos olhares e atitudes de pessoas racistas.

O racismo é uma triste realidade no País e no mundo. Como lidar com esse tipo de crime no Brasil, e como se combate o racismo?

Essa questão foi discutida recentemente numa Atividade Acadêmica Remota Emergencial oferecida para o quinto período do curso de Licenciatura em Pedagogia da Uenf que discute Educação e Relações Étnico-Raciais. O debate provocado pelo tema e toda a minha vivência como mulher negra, como professora e como pesquisadora me fez perceber que, enquanto os crimes de racismo e de injúria racial não forem efetivamente punidos, esta prática persistirá, ou seja, racistas continuarão cometendo crimes e sendo absolvidos, ou, nem mesmo julgados.

Para combater o racismo há necessidade de educar a sociedade para as relações étnico-raciais. Essa educação contribui para que as pessoas negras, desde a mais tenra idade, adquiram conhecimentos necessários para elevar sua autoestima, bem como para se defender quando forem vítimas de racismo ou de injúria racial. Conhecer os seus direitos e saber que o racismo é crime e está previsto na Lei nº 7.716/1989; que é inafiançável e imprescritível, é fundamental para agir.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal e, diferentemente do crime de racismo, a injúria racial admite fiança, por isso, em muitos casos, o crime de racismo é transformado em injúria racial, exatamente para atenuar a pena do racista. As pessoas negras precisam saber que numa situação em que forem xingadas de “macaco”, por exemplo, ou quaisquer outros nomes com teor ofensivo associado à sua raça ou cor, ela poderá denunciar a pessoa que o ofendeu, pois o crime de injúria racial está associado ao uso de palavras ofensivas à raça ou à cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

Acredito ainda que a educação para as relações étnico-raciais serve para educar também as pessoas brancas, para que reconheçam as desigualdades raciais existentes, consequência do racismo arraigado estruturalmente na nossa sociedade e no mundo. É preciso entender que há necessidade de ações afirmativas para corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade ao longo de anos.

Ações afirmativas entendidas a partir do conceito de equidade que constituem tratar quem sofre desigualdades de forma desigual, ou seja, estimulando as pessoas que não tiveram igualdade de oportunidade devido à discriminação racial sofrida em suas trajetórias a ocupar espaços que lhes foram negados historicamente.

O Dia 20 de Novembro deve ser comemorado de que modo? Como despertar a conscientização dos brasileiros?

Neste dia precisamos comemorar as nossas conquistas, frutos de muitas lutas, pois “nossos passos vêm de longe”, nossas lutas não surgiram agora. Além disso, há necessidade de continuarmos a denunciar as desigualdades decorrentes do preconceito racial, da discriminação racial e do racismo. Enfim, é preciso comemorar, mas criticamente, sem deixar de perceber que o racismo continua arraigado na estrutura da sociedade mundial, que todos os dias morrem pessoas vítimas do racismo; que as instituições, sejam públicas ou privadas, continuam preterindo pessoas negras.

O Dia da Consciência é importante ainda para toda a sociedade, tendo em vista que é um dia de falar também sobre os efeitos nocivos do racismo. E o racismo é um problema da sociedade em geral, e não apenas da população negra.

Para despertar a conscientização das pessoas basta olharmos ao nosso redor e tentarmos enxergar, criticamente, onde estão as pessoas negras, tentar visualizar o que a televisão exibe, por exemplo. Quais personagens são atribuídas às pessoas negras? Quando vamos a um Centro de Compras costumamos ver pessoas negras trabalhando como vendedores/as ou ocupando cargos de gerências nas lojas? O que os estudos e a nossa realidade mostra sobre a presença de negros/as nas universidades? Quais cursos são mais frequentados por estudantes negros/as quando tem acesso ao ensino superior? Por que no trabalho doméstico as mulheres negras são a maioria?

Sabemos que a pobreza no Brasil tem cor e raça. E qual é essa cor/raça? Então, estas questões podem nos levar a pensar sobre a necessidade de despertar a sociedade brasileira para pensarmos sobre a problemática aqui abordada, para compreendermos a necessidade de falar sobre racismo, desigualdades e, principalmente, para não reproduzirmos o racismo, e, sim, buscarmos a equidade.

Por fim, para acabar com o racismo no mundo, primeiro, é preciso reconhecer que o racismo existe estruturalmente, depois, inserir-se na luta antirracista, começando por mudar suas próprias atitudes e formas de tratar as diferenças.