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Semana da Consciência Negra conta com a atriz e ativista Lucia Talabi

"O racismo é uma cultura criminosa construída por sistemas perversos e de extrema apatia", diz

Entrevista
Por Ocinei Trindade
18 de novembro de 2020 - 0h03

Professora, atriz e ativista cultural, Lucia Talabi reflete sobre Consciência Negra (Divulgação)

A professora, atriz e ativista cultural, Lucia Talabi, participa de uma série de entrevistas do Jornal Terceira Via durante a Semana da Consciência Negra no Brasil. Racismo, relações humanas, preconceito, educação e políticas públicas fazem parte de algumas reflexões que ela promove sobre os temas.

O que significa ter consciência negra para você?

É ser capaz de  refletir profundamente sobre a complexidade  de sua própria história como brasileiro, independente de ter pele clara ou escura. Ser capaz de construir a autopercepção e respeito como poder que o iguala ao outro.  Quem é você? Que etnias compõem sua matriz? Em que contexto você cresceu ou vive?  Falar de consciência negra é tocar em múltiplas  questões como as culturais, políticas, econômicas, religiosas e  humanitárias. Portanto, um vasto campo de relações que deveria ser discutido por negros e não negros, com objetivo de evoluir para uma convivência de respeito. Isto  em busca da desconstrução de estruturas que provocam injustiças, desigualdades, e a exclusão nos espaços de representação e poder a uma população que é maioria, tanto em Campos, no Rio e no Brasil.

O racismo é uma triste realidade no País e no mundo. Como você lida com esse tipo de crime praticado no Brasil?   

A palavra “basta” tem sido um mantra! Desde muito pequena,  senti que para sobreviver como negra, é preciso estar atenta aos ataques diários por também ser mulher.  Não dá para relaxar! Lido com este mal resistindo consciente dos meus direitos e deveres como cidadã, para ocupar os espaços que eu quero,  e não apenas o que acham que estão reservados para mim. Procuro mentalizar, combater o medo para ser livre; e o ódio com a alegria. São horas de terapia! Parece muito poético e suave, não é? Ledo engano! Estas são armas fatais! É uma forma de reverter esta história. É um posicionamento diante de um monstro que parece imbatível.

Como se combate o racismo?

O racismo é uma cultura criminosa construída por sistemas perversos e de extrema apatia. Para combater o racismo é preciso que as Leis de promoção da igualdade racial sejam cumpridas; que políticas públicas humanitárias e efetivas sejam implementadas por um Estado presente; dizendo NÃO a habilidade cruel, genocida e impune exercida na maioria das instâncias de poder. É uma luta árdua e diária! O racismo está presente na Justiça, na Política, na Religião, na Educação, na Saúde, na Economia e na Comunicação, entre outras instâncias. É estrutural. Um tratado histórico de submissão e exploração.  É preciso que seja seriamente discutido por toda sociedade, sem mascaramentos e hipocrisia, para enxergar o mal que o racismo causa a todos. Não pode ser discutido apenas por negros porque quem alimenta as bases do racismo é a ideologia branca e colonizadora.

O Dia 20 de Novembro deve ser comemorado de que modo? O que é preciso para despertar a conscientização dos brasileiros?

É necessário que seja um dia de reflexão sobre a história de contribuição cultural, tecnológica e produtiva da população negra no Brasil. Comemorar a força deste povo escravizado que sempre respondeu ao sistema escravocrata, com históricos e emblemáticos enfrentamentos pela vida e  pela liberdade. Este dia deve reverberar durante  todos os dias do ano. O brasileiro precisa cada vez mais ser tocado pela compreensão do significado de resistência. Resistir não é suportar a opressão, e, sim, dar continuidade à luta por espaços de representatividade e oportunidades como educação, trabalho, saúde, moradia para todos. Conflito que se atualiza permanentemente com maior vigor pela necessidade de combater a imagem de uma raça superior a outra.  De se combater os efeitos do colonialismo que ainda se mantém mascarado de justo e igualitário, negando rever seus valores, insistindo em manter seus privilégios, mesmo que isto atrase profundamente o processo de desenvolvimento do país.

Você foi gestora da Fundação Zumbi dos Palmares em Campos. Como avalia as políticas públicas sobre a pauta dos negros na cidade, no Rio e no Brasil atualmente?

Falta visão por parte de quem pensa o plano de desenvolvimento de um território (no caso Campos, Rio e Brasil) de maioria negra e mestiça,  ao manter um órgão como o de promoção de igualdade racial inferiorizado, e, portanto precarizado. Este órgão deve ser visto como estratégico para formulação de diversas políticas públicas que fomentem a unidade de forças e pensamentos éticos; alinhando com todos os outros órgãos a meta de alcançar dignidade plena para toda população. É o investimento necessário para evitar grandes sofrimentos como estamos vivendo em todo o país. Quando falo em investimento, me refiro a tempo, sensibilidade, inteligências, recursos , disposição e atitude.

O individualismo, a falta de sensibilidade e escuta dos gestores substituem a verdadeira política altruísta. Este comportamento demonstra  a existência do racismo estrutural em nosso país, entre outros crimes de segregação; e como ele atrasa e corrói as possibilidades de desenvolvimento.   Constrói imagens de desesperança e subestima a percepção da população para o contínuo descaso.

O que gostaria de destacar?

Torço para que as pessoas  votem cada vez mais com consciência de que o povo é quem tem o poder,  e não pode-se deixar alienar e ser manipulado como uma marionete medieval.