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Adriano Moura reflete sobre consciência negra

O professor de história, dramaturgo e poeta diz: "é preciso assumir que o racismo existe no Brasil"

Entrevista
Por Ocinei Trindade
17 de novembro de 2020 - 0h03

Adriano Moura é o autor do texto teatral

O professor, escritor, dramaturgo e poeta Adriano Moura foi entrevistado pelo Terceira Via sobre a Semana da Consciência Negra. Desde 2003, no dia 20 de novembro, o governo brasileiro adotou a data como forma de reflexão sobre o combate ao racismo e a defesa dos direitos humanos. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Ele é considerado um dos maiores líderes negros do Brasil, devido à luta contra o sistema escravista.

O que significa ter consciência negra para você?

Compreender os processos históricos, econômicos, políticos e culturais que produziram a escravidão, e como construir uma mentalidade capaz de combater o racismo como herança desses processos.

O racismo é uma triste realidade no País e no mundo. Como lida com esse tipo de crime praticado no Brasil?

Como professor tento combater na minha área de atuação que é a educação, discutindo, lendo, refletindo com meus alunos, futuros professores a assumirem postura combativa. Racismo é crime, e, como tal, deve ser denunciado, julgado, punido. Não dá para fazer vista grossa para instituições, amigos, artistas, políticos que o praticam. Mas insisto: não posso combater o racismo contra negros e fechar os olhos para situação dos indígenas e imigrantes de países latino-americanos. Tento lidar com o assunto abrangendo a complexidade étnica do mundo.

Como se combate o racismo?

Não é simples. Primeiro é preciso assumir que o racismo existe no Brasil, inclusive como, atualmente, um discurso de Estado. Vivemos anos sob o manto de uma falsa democracia racial, mentira cada vez mais escancarada. Outra coisa é entender o racismo como dado concreto, que por mais que se valha também de questões simbólicas, seus efeitos na vida dos negros, principalmente os mais pobres, se verificam concretamente. O tema é muitas vezes tratado como abstração, com críticas ao uso de signos comumente associados a uma determinada cultura negra. Começar pelas estruturas econômicas que mantêm a maioria da população negra na pobreza é um dos principais caminhos.

O Dia 20 de Novembro deve ser comemorado? O que é preciso para despertar a conscientização dos brasileiros?

Não acho que seja uma data para se comemorar, mas para se refletir sobre como combater as desigualdades sociais que vitimam predominantemente a população negra e mantêm as estruturas que sustentam o racismo. Também como sendo uma data que deveria servir de culminância de uma prática que precisa durar o ano inteiro: dar visibilidade à produção de pessoas negras nos diferentes setores como ciência, educação, arte. O apagamento é instrumento de discriminação .

O que gostaria de destacar nessa data?

O 20 de Novembro é uma data específica em que se discute o racismo inerente à população negra e entendo os motivos. Mas penso que as discussões étnico-raciais no Brasil precisam abranger as populações indígenas e imigrantes de países considerados de terceiro mundo também. O racismo é um polvo de muitos tentáculos. É necessária uma coalizão de forças para combatê-lo. Como salienta o filósofo camaronês Achille Mbembe em “Crítica da Razão Negra”, o modelo capitalista neoliberal tem submetido diferentes corpos vulneráveis a novas formas de escravidão.