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Harmonicamente ao som do blues

Ângelo Nani em seu segundo álbum solo privilegia a gaita e releituras de clássicos do gênero

Cultura
Por Ocinei Trindade
8 de novembro de 2020 - 0h01

Ângelo Nani celebra seu segundo álbum solo (Fotos Pedro Garcia e Kelvin Klein)

Aos 48 anos de idade, Ângelo Nani se sente cada vez mais o homem da gaita. A expressão se manifesta no título em inglês de seu mais recente álbum de blues, “Harmonica Man”. Em tempos de pandemia, o lançamento se dá de modo virtual, nas plataformas digitais. O disco físico só a partir de 2021, quando pretende retornar aos shows. Nascido em Campos dos Goytacazes, Nani se dedica ao blues há 26 anos. “Sou fiel ao estilo musical, não abro mão”, diz sobre o gênero triste (tradução de blue) que surgiu entre os negros dos Estados Unidos.

Quando era adolescente e participava de campeonatos de surfe nas praias da região, Ângelo Nani foi tocado pelas trilhas sonoras que ambientavam os encontros de surfistas. Além do rock brasileiro dos anos 1980 com Titãs, Lobão, RPM, Paralamas, ele foi apresentado ao blues por meio dos ícones musicais Robert Plant, Robert Gray, Eric Clapton, entre outros.

“Eu não sabia que aquilo era blues. Comecei ouvindo rádios e indo a shows em praças. Conheci em Campos a lendária banda Avyadores do Brazil na Praça da República, atrás da rodoviária. Aquilo me impactou. Na extinta Rádio Atlântica FM, Paulo André Barbosa apresentava um programa de jazz e blues. Ouvi um som de uma música que gostei muito que parecia guitarra, mas depois descobri que era gaita. Sem muito dinheiro, frequentava a loja Caiana Discos para comprar fita e vinil. Até que decidi comprar minha primeira gaitinha na Ao Livro Verde. Sou autodidata no instrumento desde então”, conta.

Integrantes da banda Blues Groovers com Ângelo Nani ao centro

Ângelo Nani tem várias influências, ele admite. Os brasileiros Rildo Hora, Celso Blues Boy, Blues Etílicos, além dos estadunidenses Greg Wilson, Little Walter, Sonny Boy Williamson, Big Walter Horton, Jonnhy Winter, os blues que vêm do Mississipi e de Chicago, nos Estados Unidos.

“Essa mistura eu transformo em trabalho autoral que pode ser verificado em meus discos. Minha mãe sempre cantarolava, fez teatro, chegou a cantar. Quis ir para o rádio, mas os pais não deixaram. Meu avô tocava violão. Uma tia de minha mãe tocava gaita. Tenho um primo o Catito Nani, cantor, violonista. São outras influências que foram me formando”, acredita.

O novo álbum “Harmonica Man” foi gravado em 2016 e concluído em 2018, com mixagem e masterização. Porém, ficou guardado todo este tempo esperando uma oportunidade de ser lançado. Originalmente, o projeto previa 11 faixas, mas o gaitista e o diretor do projeto decidiram lançar apenas sete canções. São composições autorais, além de versões de clássicos do blues. Participaram os integrantes da banda Blues Groovers, Otávio Rocha (guitarra), Ugo Perrota (contrabaixo), Beto Werther (bateria), além de Flávio Guimarães. A direção musical é do americano Greg Wilson, da banda Blues Etílicos. Já a engenharia de som ficou a cargo de Pedro Garcia.

“É um trabalho de bastante qualidade. Os apreciadores do blues vão gostar de ter esse som disponível”, diz Ângelo Nani que, além da gaita (ou harmônica), canta em algumas faixas do álbum.
Ângelo Nani gosta de brincar com o tempo e com a música. Casado, ele é pai de uma filha de 16 anos que começa a dar os primeiros passos como cantora. “No blues e no jazz, quanto mais velho, melhor se fica. É como um vinho ou uísque, a gente costuma se divertir com esse sabor do tempo”, sugere.

Mais envelhecido ou mais maduro, Nani afirma que achou seu ponto de equilíbrio no timbre da gaita, e no canto que se tornou mais encorpado. “Este repertório está bem bacana. O título do álbum caiu bem. Sou um ‘harmonica man’ com bastante expectativa nesse trabalho por causa dos músicos, de muito feeling e dedicação”, destaca.

Coleção de harmônicas do músico, também chamadas de gaitas no Brasil

Som de pandemia

Para o gaitista, a pandemia está difícil para todo mundo, incluindo quem vive de música. “Está um momento muito triste. Eu peguei Covid-19, fiquei cansado e desmotivado. Passada a doença, até hoje tenho desânimo físico. Sinto falta dos shows. Faço lives e vídeos nas redes sociais digitais. Isso tem me ajudado muito”, conta Ângelo.
Depois de “Harmonica Man”, o músico pretende lançar outro álbum online em sequência.

“Passo a ter mais material para usar e divulgar o trabalho. Quando está tudo dando certo, eu não apresento todas as gravações. Queria esperar o momento certo para lançar, participando de festivais. Mas veio a pandemia, preferi lançar com sete faixas. Acho que é uma forma de agradar o ouvinte que gosta de escutar um som objetivo. No momento, só faço divulgação nas mídias mostrando o meu trabalho. Acredito que haverá novos shows para fazer em breve”.

Formado em administração, Ângelo Nani conta que viveu só da música até os 28 anos. Ele foi professor de gaita, mas dificuldades financeiras surgiram. Resolveu fazer um concurso público e se mantém também com essa fonte de renda. “Não sou de família rica, tenho que sobreviver. Sou funcionário público e me dedico à música que é o que mais gosto de fazer. A gaita diatônica é meu principal instrumento”.

Discos e festivais

Em 1994, Ângelo Nani participou da gravação de um disco de vinil com a Avyadores do Brazil. Nos anos 2000 esteve em gravações da 401, “Homem Sim contra a Mulher Bomba”; “Artur Gomes, Sax, Blues e Poesia”; da banda Segredo de Estado, “UniVibe”; “Acústico com Luiz Ribeiro”; e “Ao Vivo no Encontro Internacional de Motociclistas em Rio das Ostras”. Seu primeiro álbum solo foi “Blues me segue”. Agora, o artista se volta para o “Harmonica Man” e sua sequência.

Para Ângelo Nani, o blues e o rhythm blue no Brasil tem crescido demais. “Há muita banda e gente cantando e tocando. Há gaitistas incríveis pelo país. Quem gosta, sempre será apaixonado e fiel ao estilo. Estou lançando o disco online, já que a venda de discos não é mais como antes. Quando eu lançar o disco físico, vou vender tudo. Tem gente que prefere escutar assim o blues”, afirma.

Ângelo Nani tem no currículo a participação no famoso Festival Rio das Ostras Jazz e Blues. “Estive várias vezes. Acho que sou o único artista de Campos a estar no palco principal em 2010 e 2014. Me sinto muito honrado. As redes Sesc e Sesi com festivais de jazz e blues em várias cidades ajudam a divulgar o gênero. O Campos Blues Festival foi um evento bem bacana, assim como o Rio Rock e Blues Festival, na Lapa, Rio de Janeiro”, cita.

Enquanto não retorna aos palcos, Ângelo Nani segue como o homem da gaita, embalado por seus ícones Led Zepellin, Rush, B.B. King. “Ouço muita coisa boa. O blues me pegou, ele me segue”, conclui.