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Fome e extrema pobreza em Campos são analisadas por pesquisador da Uenf

O geógrafo e professor Marcos Pedlowski defende o retorno de projetos para desenvolvimento social que incluam os mais pobres

Entrevista
Por Ocinei Trindade
8 de outubro de 2020 - 20h10

 

Geografo e professor de pós-graduação em Políticas Sociais na Uenf, Marcos Pedlowski (Foto: Acervo Pessoal)

A reportagem “Campos tem 45 mil famílias na extrema pobreza” é destaque esta semana no Jornal Terceira Via. Os dados do Cadastro Único da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Ministério da Cidadania chamam a atenção para o problema social. O geógrafo e professor do curso de pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, analisa o crescimento dos quadros de fome e de extrema pobreza em Campos dos Goytacazes e no País.

Dados do Ministério da Cidadania apontam que Campos possui mais de 45 mil famílias em extrema pobreza. Como observa esses números?

Observo com um misto de preocupação e indignação. Em minha opinião, esses números refletem várias questões que têm a ver com a formação histórica do município e da chamada “transição conservadora” que foi operada no Brasil, de modo a que as condições de extrema desigualdade social não apenas foram mantidas, mas também aprofundadas. Além disso, também considero que o município perdeu uma oportunidade dourada ao desperdiçar boa parte dos bilhões entregues na forma de royalties e participações especiais do petróleo. Agora que o ciclo petrorrentista está exaurido, sobrou pouca coisa que possa permitir a dinamização da economia municipal, com os mais pobres arcando com a maior parte dos ônus criados pela forma perdulária com que os royalties do petróleo foram gastos. Entretanto, há ainda que se observar que existiram ganhadores nessa forma perdulária de usar os recursos, bem como existiram perdedores. O problema é que os perdedores são aqueles que historicamente sempre tiveram negada a oportunidade de usufruir da riqueza gerada com o seu próprio trabalho. Com isso, não há nenhuma surpresa no aumento da pobreza extrema que, aliás, sempre esteve entre nós.

A fome no município durante a pandemia se mostrou ainda mais visível. Como descreveria esse reflexo da crise socioeconômica?

A pandemia da Covid-19 teve o dom de explicitar os graves problemas que acometem a gestão municipal sob o comando do prefeito Rafael Diniz. Mas, os problemas causadores da grave econômica que contribuem para a piora das condições de vidas dos segmentos mais pobres da população são anteriores.  Se nos ativermos apenas ao plano municipal, o desmanche realizado pelo governo local das políticas sociais que serviam como um colchão de proteção, ainda que precário, para aliviar a miséria extrema que existe no município tem uma parcela significativa de culpa na atual situação.  A verdade é que ao fechar o Restaurante Popular e extinguir as estratégias que permitiam que os mais pobres tivessem uma capacidade mínima de circular e consumir, o governo criou um efeito dominó no comércio popular na região central da cidade de Campos, e, com isso, decretou um aumento significativo do desemprego no comércio. Essa situação toda gerou uma espécie de “tempestade perfeita” que acabou se transformando em um furacão perfeito. Aí, o que temos são as cenas lamentáveis de pessoas idosas e até crianças se aglomerando em sinais de trânsito para obter algum tipo de renda que permita com que possam sobreviver muito precariamente. A pandemia só tornou explícita uma situação que já vinha mal.

Como enfrentar e solucionar questões tão complexas como a fome e à extrema pobreza no município e no País?

Em minha opinião, os caminhos para superar a fome e a extrema pobreza são tortuosos, mas passam pela retomada de projetos de desenvolvimento que reincluam os pobres no orçamento público.  Além disso, há que se reverter as apostas em políticas ultraneoliberais como as que foram adotadas em Campos dos Goytacazes, e, posteriormente, replicadas em Brasília. A ideia de que cortando direitos e limitando a capacidade dos mais pobres de acessarem serviços públicos é simplesmente contraproducente, como bem vimos aqui e agora observamos com a economia brasileira, onde ambas se encontram em processo de liquefação.

No caso de Campos dos Goytacazes, temos que investir no fortalecimento da agricultura familiar simbolizada pela existência de 10 assentamentos de reforma agrária que produzem alimentos suficientes para acabar com a fome existente no município, mas que por falta de políticas municipais que permitam a permanência da produção, acaba exportando a maior parte da produção para outros estados.  Além disso, há que existir uma política de desenvolvimento científico que garanta investimentos no parque científico existente dentro de instituições públicas de ensino superior como é o caso da Uenf, Uff, Universidade Federal Rural e IFF.

A capacidade de produzir novos conhecimentos que sejam utilizados para dar suporte a processo de desenvolvimento tecnológico será fundamental para que Campos dos Goytacazes possa aproveitar a sua vantagem locacional como município polo no Norte Fluminense. Por último, como medida emergencial, há que se reinserir os pobres no orçamento a partir do restabelecimento das políticas sociais que foram liquidadas por Rafael Diniz. Em curto prazo, essa retomada das políticas sociais vai permitir que os mais pobres voltem, pelo menos, a poder adquirir alimentos.

A Uenf possui estudos e projetos de extensão relacionados a inclusão social. Pode comentar sobre essas práticas? 

A instituição hoje atua com projetos realizados por todos os seus quatro centros de pesquisa. Eu diria que essa ainda é uma face a ser melhor conhecida da contribuição da Uenf para o município, na medida em que muitos desses projetos estão sendo realizados justamente naquelas regiões onde estão concentrados os maiores bolsões de miséria do município. Esses projetos oferecem não apenas a transmissão do conhecimento acumulado pelas pesquisas realizadas dentro da instituição, mas agem como ferramentas de organização e de empoderamento social. A combinação desses projetos resulta não apenas na máxima do “ensinar a pescar”, mas também de desenvolver as noções de cidadania que o professor Darcy Ribeiro inoculou no DNA da Uenf.

Ainda sobre fome e extrema pobreza, o que é necessário destacar?

Considero importante notar que a fome e a extrema miséria não se dão de forma acidental, mas decorrem de uma forma particular que o capitalismo teve no Brasil e em Campos dos Goytacazes. A simples constatação de que o capitalismo “Made in Brazil” foi baseado no saque das riquezas naturais e na escravidão negra já serve como elemento basilar para entendermos o momento que vivemos.  No caso de Campos, a persistência de padrões de segregação social e de fechamento de oportunidades de mobilidade econômica e espacial para a maioria da população (que é negra) explicita bem o fato de que ainda não superamos as inequidades criadas pela forma particular de capitalismo que se desenvolveu em nossa região. Sem entender isso, não haverá como entender sequer a existência da fome e da pobreza extrema que, ressaltemos, nunca deixou de existir em Campos dos Goytacazes, e que agora apenas voltou a ser mais visível, muito em parte ao extermínio das políticas sociais.