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Voluntária religiosa avalia o drama da fome em Campos

Freiras do Convento Santa Face se surpreenderam com o aumento de famílias à procura de comida durante a pandemia

Solidariedade
Por Ocinei Trindade
26 de setembro de 2020 - 16h55

Irmã Maria da Conceição é uma das religiosas voluntárias do Mosteiro Santa Face, em Campos (Foto: Reprodução)

O Jornal Terceira Via em sua reportagem de destaque “E quando o auxílio do Governo Federal acabar?”, ouviu diferentes opiniões de acadêmicos e pesquisadores das áreas econômica, sociológica e de assistência social para analisarem os impactos da concessão do auxílio emergencial, além da previsão do fim do benefício federal que deve acontecer em dezembro. Faz quatro décadas que religiosas do Mosteiro Santa Face, localizado no entorno do Jardim São Benedito, área central de Campos, sabem o que é lidar com pessoas sem teto e sem comida muito antes da pandemia. Segundo a voluntária Irmã Maria da Conceição, a Covid-19 fez com que as freiras da congregação pedissem ajuda para poderem ajudar centenas de famílias pobres que engrossaram as filas por refeições. Ela faz uma reflexão sobre o papel de todas as pessoas que podem colaborar para combater o problema da fome na cidade de Campos e no mundo.

 

Há quanto tempo o Mosteiro Santa Face fornece refeições doadas?

Fornecemos refeições aqui no Mosteiro por volta de 40 anos. No início com poucos pedintes, aumentando gradativamente o número deles.

Quantas refeições vocês serviam antes da pandemia e quantas passaram a fornecer?

Antes, no tempo do Restaurante Popular na gestão da prefeita Rosinha, distribuíamos 60 quentinhas. Depois que fechou, subiu para 130 refeições. Com a pandemia chegamos a 300 quentinhas diariamente. Agora, com o Auxílio Emergencial do governo federal voltou ao normal de 60 a 70 quentinhas.

Quantas pessoas trabalham no convento para ajudar as pessoas que pedem comida?

Somos nove Irmãs, mas apenas três trabalham na cozinha. Temos duas pessoas próximas de nossas famílias que trabalham conosco e são remuneradas.

Vocês recebem ajuda de outras pessoas, empresas e da Prefeitura?

O Superbom nos ajudou muito no início da pandemia com a doação de 200 quentinhas diárias durante quatro meses. Sem eles não conseguiríamos cozinhar para tanta gente. No entanto, a maioria das doações durante o ano todo recebemos da sociedade campista, principalmente dos comerciantes, médicos e empresários. Sempre contamos com a ajuda de amigos, parentes e até pessoas anônimas.

Irmã Maria da Conceição, como a senhora avalia o problema da fome na cidade? O que pode ser feito para isso seja minimizado?

O problema da fome? Acho que o que deveria ser feito no momento é ter mais fiscalização nos supermercados que faturam sem limites.

Vocês do Convento conhecem algum caso entre tantos famintos que tenha se destacado para refletir sobre esse grave problema social?

Com o limite da clausura, não temos um contato mais particular com os famintos para conhecer mais de perto a real situação de cada pessoa ou cada família.

Sei que sua ordem religiosa vive em clausura. Vocês temem a contaminação pela pandemia?

Somos monjas de clausura. Por isso, apenas três Irmãs se prontificaram para servir as pessoas carentes pela grade da janela. É um trabalho voluntário, uma renúncia em favor dos irmãos de rua,  visto que nossa vocação e inclinação preferencial é a oração, o silêncio e o recolhimento.

Temos medo, sim, do contágio da Covid 19. Por isso, tomamos os devidos cuidados e estamos sempre distribuindo máscaras. No entanto, não devemos nos deixar abater pelo temor excessivo. Estamos nas mãos de Deus e Nele encontramos fortaleza e conforto em todas as tribulações.

A fé e a fome podem conviver juntas?

A fé é útil e necessária em qualquer ocasião, principalmente em situações extremas de sofrimento e penúria. Deus é nosso Criador e Pai Misericordioso. Se recorremos à oração, o socorro é infalível. “Pedi e recebereis, buscai e achareis” (Mt 7, 7-8)

O Senhor nos fala pela Sagrada Escritura que nenhum justo morre de fome. (Provérbios 10:3).

Qual mensagem ou reflexão a sociedade pode ter neste momento de pandemia?  

Se as pessoas pensassem mais no seu próximo, a fome não existiria, pois a caridade começa no espírito.  E, certamente, Deus não permitiria essa pandemia. Mas, vamos dizer assim, tornou-se necessária essa situação.  Com o distanciamento social, somos levados a refletir e dar valor ao que realmente importa. É como o Pai Eterno nos falasse: “Filho, silêncio!” E nesse silêncio, reconhecemos o essencial para a vida e o indispensável para o nosso encontro final com Deus.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer a todos os que lutam conosco para aliviar aqueles que clamam por socorro na sua penúria. Tanto os que colaboram com donativos, divulgação, como os que no seu interior rogam a Deus por nós.  Formou- se um verdadeiro exército de corações generosos. É a reestruturação do amor de Deus e do amor ao próximo. Que Deus os recompense!