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A alta do arroz nosso de cada dia

Com baixa produção no país, desde 2008 o produto não custava tão caro, e queda no preço é esperada somente para 2021

Geral
Por Redação
21 de setembro de 2020 - 0h01

Consumo| Licínio Barcelos orienta o consumidor em tempos de alta de preço

O preço do arroz não cabe no poema, já pontuou o poeta Ferreira Gullar. E, agora, não cabe sequer no bolso dos cidadãos. Nas últimas semanas, tem chamado a atenção o aumento do valor cobrado por esse item básico da alimentação dos brasileiros. Em Campos, um pacote de 5kg do grão estava sendo comercializado a quase R$ 30 no dia do fechamento desta edição. Razões econômicas, políticas e sociais estão por trás dessa alta que, no que se refere à região, ainda jogou luz a uma questão muito discutida: o desinteresse dos empresários e do poder público em investimento no agronegócio que faz com que quase nenhum alimento que o campista consuma venha de Campos. Mas enquanto o preço não cai — o que se espera que aconteça somente em 2021 — cabe aos cidadãos segurar a mão no bolso porque outros produtos e serviços tendem a seguir esse padrão. Desde 2008 o arroz não custava tão caro. O aumento, segundo o Índice de Preços por Atacado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que melhor capta essas variações de preços de produtos agropecuários, foi de 100% nos últimos 12 meses. O motivo? Queda na produção e alta procura, inclusive para exportação. Como comumente ocorre no caso de commodities (mercadorias de origem primária com alto nível de comercialização), o que vale é a chamada “lei da oferta e da procura”: quanto mais querem comprar, mais caro o produto vai custar.

 

                                                                             

O que aconteceu?

Ranulfo| É preciso agronegócio

Nesse cenário pandêmico, muitos países deixaram de exportar produtos e, no caso específico do arroz, tal matéria-prima produzida no Brasil despertou o interesse global devido à desvalorização econômica, refletida no aumento de 30% do dólar, que deixou o preço de exportação competitivo. Aliada a isso, a pandemia da Covid-19 também obrigou a população a se manter em casa, o que tendeu a aumentar o consumo desse alimento de valor cultural. Essas práticas vieram ao encontro das ações do governo federal que passou a priorizar o mercado internacional e deixou de investir no estoque regulador, este que impedia as altas especulativas e garantia a normalidade dos preços. O resultado é o que se vê: pacotes que, antes, custavam R$ 14 sendo vendidos a R$ 26. “O setor agropecuário já vinha trabalhando com baixos lucros há anos. E o que aconteceu agora é que o aumento do dólar favoreceu o produtor que, ao invés de abastecer o mercado brasileiro, passou a vender para o exterior e, assim, recuperar a rentabilidade perdida. O problema é que o estoque regulador está com um dos índices mais baixos dos últimos cinco anos. Temos, então, um choque de preços”, explicou o economista Ranulfo Vidigal. O pesquisador e melhorista de plantas, dedicado a esse grão há mais de 40 anos, Silvino Amorim Neto, cita, ainda, o alto custo de produção desse grão. “Os produtores estão sofrendo. Eles têm de arcar com insumos, adubação, inseticida, irrigação e, por muito tempo, o preço não acompanhou esses investimentos. Agora, o volume diminuiu e a procura cresceu. Esse valor precisou aumentar para que houvesse um equilíbrio e esses produtores não ficassem à míngua”, esclareceu. Acontece que a alternativa que vem sendo apresentada pelos governantes a fim de que o preço caia e não haja desabastecimento é a importação: comprar arroz de outros países produtores que o comercializam por um baixo custo mas, como efeito, o produto oferecido é, também, de baixa qualidade. Silvino chamou essa medida de “populista”. “Querem, assim, manter o arroz na mesa do povo sem medir os danos econômicos que essa medida pode gerar. O governo precisa ser cuidadoso. Importação pressupõe planejamento. O preço tem que ser justo para que os produtores não fiquem no prejuízo e o povo não seja ludibriado”, orientou.

Roberto Viana | Quer limitar venda

O que fazer, então?

O presidente do Sindicato dos Comerciantes Varejistas de Campos e empresário, Roberto Viana dos Santos, acredita que a melhor saída, neste momento, é reduzir o consumo até que o preço caia. Ele, que é proprietário de um tradicional atacado da cidade, disse que não pretende suplementar seu estoque de arroz e aconselha a população a fazer o mesmo. “O saco de arroz que compro hoje está mais caro do que o que vendo. Não compensa. O que farei, diante disso, é limitar a quantidade de venda para o cliente”, disse. Um dos proprietários da maior rede de supermercados da região, Licínio Barcelos, também segue essa estratégia. De acordo com ele, “segurar a compra” é o melhor a ser feito para que o consumidor final não seja prejudicado. “Se antes comprávamos 10 carretas de arroz no mês, agora compramos duas ou três, no máximo, porque o preço cobrado pelos produtores sobe toda semana. Compramos menos, então, para estimular o fornecedor a cobrar, também, menos. Somente assim conseguimos evitar um prejuízo maior para nossos clientes”, afirmou. O presidente do Sindivarejo também orienta a população: “Os consumidores devem comprar menos do que o costume até que o preço normalize”, previu. Mas embora essa pareça ser a medida mais acertada, o pesquisador Silvino Neto alerta: “Não podemos boicotar o produtor porque, caso isso ocorra, pode haver um desastre econômico gerado devido ao desestímulo da produção”, pontuou.

Aumento generalizado

A alta do arroz é vista por especialistas como um alerta. O preço de outros produtos alimentícios, também essenciais no prato dos brasileiros, pode seguir o mesmo caminho. É o caso, por exemplo, do óleo e da carne. O presidente do Sindivarejo disse que, ainda que o preço do arroz seja alarmante, o caso do óleo de soja é o mais preocupante. Segundo ele, há chances desse produto não ser encontrado nos supermercados. Para o economista Ranulfo Vidigal, a gravidade do problema é ainda maior. “A alta do arroz deve se manter no restante deste ano e outros produtos seguirão essa tendência. Na sequência, virá o aumento do óleo e, o que mais tememos, da carne. Mas a situação pode ser pior porque esse aumento de preços deve respingar na correção dos serviços de utilidade pública, como energia elétrica, telefonia e água”, declarou. Ele explica que o Índice Geral dos Preços (IGP) da FGV serve de base para o reajuste desses serviços. “Quando chegarmos ao fim do ano, essas empresas vão reclamar seus aumentos na faixa de 10%, 15%. Isso porque a inflação do alimento se reverbera no período subsequente, em função da indexação dos preços da economia brasileira”, esclareceu.

Falta investimento na região

O que poucos sabem é que o arroz que está na mesa dos brasileiros todos os dias vem quase que unicamente do mesmo lugar. O Rio Grande do Sul é o estado que mais e melhor produz esse grão e o exporta para outros estados (e, como dito acima, também países). Essa regra vale também para os campistas e demais moradores das regiões Norte e Noroeste Fluminense. A produção de arroz em todo o estado do Rio de Janeiro é ínfima, ainda que haja terras o suficiente para serem exploradas pelo mercado agrícola. E esse fato advém, segundo o presidente do Sindivarejo, do desinteresse e da acomodação. “A verdade é que nossa região é pobre. Tudo o que comemos vêm de fora. Embora a tradição econômica do município de Campos esteja alinhada à agricultura, o que nos gerou reconhecimento nacional no passado, após a exploração petrolífera, os empresários e os governantes encheram os olhos com a facilidade de ganhar dinheiro e esqueceram de que é preciso trabalhar para conquistá-lo. Isso preocupa porque a economia está estagnada e o parque de agronegócio sem perspectiva. Se não temos economia pulsante, como vamos negociar? Qual o nosso capital? Não temos produção interna bruta”, denuncia Roberto Viana. O empresário exemplifica a fragilidade econômica por meio da comparação. Segundo ele, São Francisco de Itabapoana, município vizinho com extensão de apenas 10% de nosso território, é o maior produtor da região. “Hoje, Campos possui apenas a cana de açúcar, a olaria e uma algumas indústrias que podem nos deixar a qualquer momento. O proprietário de terras em Campos prefere investir no gado porque dá menos trabalho”, opinou.

Nutrição| Natália Muniz

Mas, e a saúde?

Natália Muniz sugere outros grãos e raízes, fontes de carboidrato saudáveis e de custo menos elevado. “O arroz e o feijão se completam em relação ao valor nutricional, não à toa são a base da pirâmide alimentar brasileira. Mas, diante dessa alta nos preços, é possível fazer adaptações. O cozimento do arroz com a lentilha, que é rica em proteína vegetal, por exemplo. O grão de bico e a ervilha também podem ser aliados, assim como a batata e a mandioca”, sugeriu.

 

 

Silvino Neto| “agricultura em Campos é precária”

Arroz gourmet?

O pesquisador Silvino Neto concorda que o investimento em agricultura em Campos é precário. Mas, na contramão da tendência das últimas décadas, ele decidiu iniciar um trabalho inovador em Italva, no Noroeste Fluminense. Lá, 15 pequenos produtores começaram a trabalhar há dois anos com duas variedades de arroz gourmet, negro e vermelho, originárias da China e trazidas por Silvino de Pindamonhangaba, em São Paulo. Esses arrozes aromatizados e de sabor “acastanhado” custam aproximadamente R$ 40 o quilo e já vêm sendo vendidos por esses produtores a R$ 20, o que, segundo Silvino, mostra-se um resultado compensador. “Supermercados e restaurantes de todo o estado do Rio e do Espírito Santo já estão comprando desses produtores, ainda que de forma rudimentar. Eles conseguiram vender, inclusive, as 10 toneladas que colheram na safra passada. Nosso objetivo é profissionalizar essa venda por meio da organização de uma cooperativa”, disse. Esse projeto também seria iniciado em Campos, especificamente em terras de Morro do Coco, este ano, mas, devido ao volume expressivo de chuvas, os planos tiveram de ser adiados.