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E quando o auxílio do Governo Federal acabar?

Fim da ajuda emergencial já preocupa beneficiários e empresários

Economia
Por Ocinei Trindade
20 de setembro de 2020 - 0h01

Longas filas| Todos os dias, milhares de pessoas vão às agências da Caixa Econômica Federal para recebimento do auxílio emergencial que deve durar até dezembro, segundo o governo (Fotos: Carlos Grevi)

O auxílio emergencial autorizado pelo governo federal durante a pandemia de Covid-19 trouxe alívio a milhões de famílias brasileiras. Graças ao recurso, boa parte da economia conseguiu se manter. Foram cinco parcelas de R$600 para trabalhadores sem carteira assinada, autônomos, MEIs e desempregados; e de R$1200 para mulheres que sustentam a casa sozinha. Até 31 de dezembro, o auxílio foi prorrogado, mas pela metade: R$300 e R$600. Há dúvidas sobre quem tem direito aos valores. Outra incerteza é sobre quando o programa federal terminar. Em Campos, beneficiários do auxílio e especialistas questionam como ficaria a situação após o fim do auxílio emergencial.

Nina Aparecida cuida de idosos; sem vínculo empregatício e com filha menor, obteve auxílio de R$1200: “Não sei se irei receber mais”

Em uma das longas filas da Caixa Econômica Federal, em Campos, a profissional autônoma Nina Aparecida, disse que conseguiu receber quatro parcelas de R$1200 por ser mãe solteira. “Eu não sei se terei direito a mais parcelas ou se vou conseguir receber até dezembro, mesmo que seja a metade. O auxílio me ajudou muito com pagamento de contas, aluguel e moradia. Economizo o que posso, pois sei que o futuro é incerto nessa pandemia. Cuido de idosos e sempre dou um jeito para manter a casa”, comenta.

Na semana passada, o governo federal publicou decreto para regulamentar o auxílio emergencial residual de R$ 300. Quem começou a receber a ajuda de R$ 600 a partir de maio não terá as quatro cotas extras. No site consultaauxilio.dataprev.gov.br é possível conferir a situação de cada parcela e o motivo do bloqueio, caso isto ocorra.

Economista Ranulfo Vidigal vê com preocupação o fim do auxílio emergencial em dezembro

O economista Ranulfo Vidigal lembra que em Campos foram inscritas 177 mil pessoas no site da Caixa Econômica em busca do auxílio emergencial. “Isto mostrou o grau de informalidade muito acima do imaginado. O desemprego que já era alto se acentuou. Nos primeiros cinco meses do benefício, segundo dados da própria Caixa, o auxílio injetou R$335 milhões. Dá uma média de 87 milhões mensais todo mês. Com essa nova configuração de R$300, teremos mais quatro parcelas em torno R$40 milhões. Somando tudo isso, teremos quase R$600 milhões de recursos do auxílio emergencial. A folha nominal da prefeitura é de R$75 milhões”, calcula.

Para a socióloga e professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Luciane Silva, a fome em Campos preocupa. Segundo ela, a pandemia acentuou ainda mais a gravidade do problema. “Lembro do ativista Betinho que dizia `quem tem fome, tem pressa´. A fome impacta diretamente na saúde. O poder público falha nessa forma da comunicação e na forma do auxílio que não seja apenas a transferência de R$300, R$600 ou outro valor para a população. Isto é importante a curtíssimo prazo, mas a médio e longo prazo, quando se pensa a recessão dos empregos formais, de uma rede de comércio que fecha e não abre mais em Campos, só a transferência de renda não é suficiente”, considera.

Assistente social Eliana Feres

A assistente social Eliana Feres afirma que programas de transferência de renda, não apenas produz impactos somente na vida das famílias mais vulneráveis, como também gera impactos na economia graças ao aumento da circulação de moeda. “Com a redução do valor do auxílio, 30% da população terá menos um terço do salário mínimo para sobreviver, ampliando a dificuldade das famílias em prover o seu sustento e suas necessidades básicas, além de ocasionar outros impactos do ponto de vista econômico.

Eliana também chama a atenção sobre o programa Bolsa Família ter valores para pagamentos variáveis, mudando de acordo com a composição familiar. “No município de Campos dos Goytacazes, 25% da população é beneficiária do programa, uma porcentagem correspondente a um total de 41.331 famílias, sendo 88,7% delas famílias chefiadas por mulheres”, destaca.

Dúvidas e dívidas

Enquanto esperava receber mais uma parcela de R$600 do auxílio emergencial, a atendente Valéria Oliveira contou que, sem o benefício, será mais difícil pagar aluguel e comprar comida, pois há incerteza de se manter empregada. “Meu contrato é intermitente. Ainda não sei se terei direito a R$300. Tenho uma filha que está em idade escolar. Tudo que diz respeito a finanças é preocupante, além da pandemia”, diz.

Valéria Oliveira: “O auxílio ajudou no aluguel e na alimentação. Não sei se conseguirei os R$300 até o fim do ano”

De acordo com Ranulfo Vidigal, a redução do auxílio emergencial para R$300 nesses meses finais de 2020, com a economia voltando paulatinamente, no campo social, a curto prazo, segundo ele, poderá não ter tanto efeito.

“A questão é: se a partir de janeiro acabar um programa social dessa magnitude, e não tiver nada para substituir. Consequentemente, é como se a demanda agregada fosse reduzida. O pobre gasta o que ganha. Se isto acontece, esses R$600 e os R$300 que entrarão nos quatro meses finais, se transformam em gastos de consumo que viram demanda por mais produtos industriais e serviços. Mesmo com os R$300 continuará sendo positivo à medida que a economia em alguns setores já está voltando”, pontua o economista.

A assistente social Eliana Feres, atual vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, defende um patamar mínimo de renda para atendimento aos necessitados, o que é responsabilidade do Estado.

“Destaco que pobreza envolve fatores que não se limitam à renda. A pandemia evidenciou esta principal maneira de prevenção do vírus: lavar as mãos com água corrente e sabão. O acesso à água, apesar de um bem natural comum, não está acessível a todos os brasileiros. A necessidade de ficar em casa também não foi possível para muitas famílias pelas condições de habitação. É necessário um novo projeto de sociedade. A redução da desigualdade envolve, portanto, a construção de uma nova ética na gestão do fundo público e na democratização dos bens e serviços produzidos pela sociedade envolvendo saúde, educação, transporte, habitação. Não somente a transferência de renda”, aponta Eliana.

O futuro emergente e incerto para as famílias

Andreza Santos, mãe de três filhos, vende balas na rua:”Receber o auxílio de R$1200 me ajudou bastante”

Andreza dos Santos, 29 anos, vende balas no Centro de Campos. Ela cria sozinha três filhos pequenos, no Jardim Aeroporto, bairro onde reside. Desempregada há três anos, conseguiu o auxílio emergencial de cinco parcelas de R$1200. “Esse dinheiro me ajudou muito. Com escola e creche fechadas, tive como comprar comida e pagar uma prima para ficar com eles enquanto estou na rua trabalhando. Se vou continuar recebendo até o fim do ano, mesmo que metade, eu não sei, mas seria muito bom para minha família”, diz.

O economista Ranulfo Vidigal se diz preocupado com o impasse, se haverá ou não um substituto para auxílio emergencial a partir de 1 de janeiro do ano que vem. “A economia está se recuperando em um nível aquém do imaginado, e os serviços não estão voltando ainda no ritmo desejado. Consequentemente, teremos o que chamam na literatura de `efeito penhasco´. À essa altura, sem o auxílio emergencial, faz olhar do penhasco para baixo. A preocupação, principalmente em Campos, é que janeiro, fevereiro e março já são tradicionalmente meses de baixa atividade produtiva. O auxílio emergencial foi positivo e evitou uma queda adicional de 4% na economia local”, diz.

Socióloga e professora da Uenf, Luciane Silva

A socióloga Luciane Silva pondera sobre a possibilidade de extinguir o benefício. “Acho que dificilmente será extinto totalmente esse auxílio do governo. O que a pandemia nos mostrou é que não estamos isolados. O mercado depende da circulação de dinheiro. A maior parte da classe média, da classe trabalhadora formal e informal precisa de dinheiro vivo. A retirada desse auxílio seria uma catástrofe. Há outras áreas que também precisam de recursos, além da transferência de renda, como o fortalecimento da saúde básica, da assistência social, formas de educação. Nunca foi tão importante uma gestão pública responsável no Estado em suas três esferas: Federal, Estadual e Municipal. Nunca foi tão decisivo na vida pessoas.”, define.

Eliana Feres destaca o “aquecimento do mercado” com o auxílio emergencial, pois o poder de compra das famílias foi favorecido.

Josuel Santos faz capina e remove entulhos: “Os R$600 farão falta”

“Neste mesmo período, o índice de GINE, que mede a ampliação da pobreza no país que só aumentava desde 2015, pela primeira vez, começou a cair, tirando o Brasil do Mapa da Fome. É necessário que a Câmara de Deputados cumpra seu papel de defesa pela permanência de programa de transferência de renda na garantia da proteção social e defesa de um programa que possa atenuar a extrema pobreza com benefícios reajustados anualmente de forma a recompor a inflação. E essa pauta também se estende ao aumento do salário mínimo”, aponta.

Aos 38 anos, Josuel dos Santos ganha a vida capinando e retirando entulhos de terrenos e casas. Usa a bicicleta de carga para trabalhar. Costuma ganhar R$20 pelo serviço. Conseguir o auxílio de R$600 por cinco meses foi muito positivo, diz. “Pude dar uma pensão melhor aos três filhos, pagar o aluguel do quarto onde moro. Não sei se ganharei R$300 até o fim do ano. Todo dinheiro é bem-vindo. Quero ter trabalho e sobreviver”, conclui.