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“Geração do quarto” preocupa especialistas em saúde mental

A psicóloga e psicanalista Denise Gondim fala sobre os adolescentes que preferem ficar isolados

Saúde
Por Redação
13 de setembro de 2020 - 16h34

A psicóloga e psicanalista Denise Gondim (Foto: Reprodução)

A adolescência é uma fase da vida que todas as pessoas certamente vão passar. Um misto de emoções, descobertas e incertezas. São muitas mudanças sejam elas físicas, estéticas e principalmente emocionais. Os pais definitivamente sabem que não será um período fácil e que é preciso ter muito diálogo e jogo de cintura para lidar como infinitas situações que podem acontecer. Porém, diante de uma pandemia e numa geração de adolescentes marcada pelo uso desenfreado das novas tecnologias deve-se ter a cabeça no lugar e analisar determinados comportamentos. Você que lê esta reportagem provavelmente conhece alguém ou sabe alguma história semelhante de jovens que vivem isolados no telefone celular, tablet ou computador praticamente o dia inteiro. Situação que pode parecer normal para alguns, mas se não for bem observada pelos familiares gera consequências bem desagradáveis.

Acostumada a lidar diariamente com adolescentes, a psicóloga do Ambulatório Ampliado de Saúde Mental no município e diretora do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise, seção Campos, Denise Gondim, explica que quando se fala em ‘geração do quarto’ é só uma forma de relacionar com um ambiente no qual aquele jovem se sente confortável. “Primeiro, é importante ressaltar que não é uma situação momentânea. Esse tipo de comportamento já vem sendo registrado ao longo do tempo e agora com a pandemia nós temos que ficar em casa e isso só é potencializado. É o isolamento desses adolescentes não só no quarto de dormir, por isso o termo, mas em qualquer lugar da casa em que ele se sinta acolhido”, relata.

Época de travessia

A especialista ainda pontua que a adolescência sempre foi uma fase bem complicada. Segundo ela, é uma época de travessia que se torna muito difícil à medida que surgem obstáculos como a modernização da sociedade e a ‘digitalização da vida’. “Com o surgimento da internet, o espaço social passou a ser dentro de casa, no ambiente em que o adolescente está. Um espaço que o representa. E os relacionamentos ocorrem através dessa rede. Assim acontece essa tendência de isolamento, que vai sendo alimentada à medida que não há um cuidado em saber o que esse adolescente tanto faz isolado”, frisa.

Isolamento| Alguns adolescentes preferem ficar distantes da família, geralmente em um ambiente confortável (Foto: Carlos Grevi)

Distanciamento familiar

Denise ainda destaca que essa situação comportamental abrange adolescentes de todas as camadas sociais. Entre as consequências está o distanciamento familiar, onde os pais acabam não convivendo e nem reconhecendo os filhos, além da falta de contatos com as pessoas do ciclo de vida desse jovem. “O acesso à internet cada vez mais cedo entre as crianças, por exemplo, favorece esse isolamento, mas a família precisa ficar atenta. Existem relatos de adolescentes que mantêm relacionamentos com pessoas que sequer viram na vida e quando eu falo em relacionamentos são questões de amizade ou até um namoro a distância e por um longo período, meses ou anos. Isso não é um benefício, porque todos nós somos seres sociais e precisamos ter a troca real”, pondera.

Cuidado x Negligência

De acordo com a psicóloga, estar na internet pode gerar sim pontos positivos para o desenvolvimento do adolescente, que busca entretenimento, cultura e conhecimento. Porém, também existem assuntos que estão na rede e não são benéficos para essa geração. “Existe a chamada deep web, onde pessoas estão lá transmitindo coisas ruins, temas ligados a problemas muito graves. Para um adolescente solitário, isso seria uma oportunidade de desencadear outras atitudes”, alerta.

E como perceber que esse isolamento está fazendo mal? Como reconhecer no seu filho algo errado? A especialista descreve algumas condutas que podem ser notadas pelos próprios pais dentro de casa, como a falta de diálogo, o brusco emagrecimento ou o ganho de peso, entre outras. “São mudanças comportamentais e de interesses. O modo de falar, agressividade ou pessimismo. São alterações bruscas. Os pais têm que ter atenção a isso. A melhor maneira de prevenir é observar. Não é ser invasivo. O cuidado é a prevenção. É ver com quem seu filho se relaciona na internet, o que ele lê, assiste ou joga. Determine um período de tempo em que ele poderá ficar online e o estimule a fazer as refeições junto com a família quando for possível. É melhor ter certa invasão do que ser negligente, pois os adolescentes não têm condições de fazer suas próprias escolhas. Os pais também podem procurar ajuda para uma orientação profissional”, afirma.

Setembro Amarelo

Anualmente, neste mês, o país inteiro se mobiliza na campanha de prevenção ao suicídio. O isolamento do adolescente favorece o surgimento de questões negativas que podem gerar algo pior lá na frente. Segundo a psicóloga, esses pensamentos muitas vezes são desencadeados nos jovens após perdas simbólicas. Para ela, as campanhas de prevenção são extremamente importantes, mas é preciso falar sobre o assunto o ano inteiro e não somente no Setembro Amarelo. “Além disso, faltam políticas públicas para acolher e atender essas pessoas. Os jovens devem ter acesso à orientação. Precisamos falar sobre o assunto, deixar o tabu de lado e evitar perdas. É necessário um suporte social, familiar e de políticas públicas. É preciso incentivar a vida!”, completa Denise Gondim.