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O trem perdido da História

Moradores de Campos recordam e comentam a decadência atual e o passado glorioso da rede ferroviária

Memória
Por Ocinei Trindade
16 de agosto de 2020 - 0h01

Sede da antiga Estação Ferroviária Leopoldina, em Campos (Fotos:Carlos Grevi)

No extenso município de Campos com mais de quatro mil quilômetros quadrados, parte de seu território ainda é cortado por trilhos ferroviários. Nas regiões Norte e Noroeste Fluminenses a malha possui em torno de 600 km.  Com mais de um século de história, o transporte ferroviário na cidade foi desativado há alguns anos. Restaram várias memórias e um patrimônio em declínio. Ex-viajantes e admiradores dos trens defendem o retorno das atividades. Porém, não há nenhuma garantia de governos para isso.

A Estação Ferroviária Leopoldina se impõe na paisagem urbana de Campos desde o fim do século 19. O transporte ferroviário começou com a inauguração  da Estrada de Ferro  Campos-Macaé, em 1875. Na criação do primeiro terminal de passageiros na cidade, a presença ilustre do imperador Pedro II  está registrada em um placa comemorativa exposta no saguão do edifício que foi ampliado e modernizado nos anos 1950. O nome da rede ferroviária recebeu o nome da imperatriz Leopoldina, mãe de Pedro II.  O prédio é patrimônio histórico e memorial.

Área da Ferrovia abandonada, trens enferrujam há décadas no pátio de manobras

Durante quase todo o século 20, a Estação Ferroviária Leopoldina de Campos reuniu milhares de pessoas que utilizavam o transporte com destinos ao Rio de Janeiro, Vitória e os distritos campistas. O comerciário José Luiz Maciel conta que fez uso do trem inúmeras vezes quando viajava para a capital. “O trem partia de Campos às 23h e chegava no Rio por volta de 8h da manhã. Dependendo da cabine não era muito confortável o vagão de passageiros. Lembro de que muitas amizades surgiram no percurso”, comenta.

No fim dos anos 1980, os trens de passageiros deixaram de operar em Campos. O mecânico industrial  Luiz André Barreto contou sobre o único passeio de trem que fez quando era menino. “Meu pai e eu embarcamos no terminal de Goytacazes onde funciona hoje a Casa de Cultura José Cândido de Carvalho. Viemos até a estação central. Foi um passeio bonito, os bancos eram de madeira. Tenho esta única recordação de andar de trem na cidade”, cita.

Patrimônio público que foi privatizado em 1996 no governo de Fernando Henrique

Em 1996, a  Rede Ferroviária Federal foi privatizada. A empresa Ferrovia Centro-Atlântica adquiriu a concessão para cuidar da malha ferroviária em Campos e em outras cidades brasileiras. O transporte de carga praticamente cessou e  o prédio da antiga Estação Leopoldina abriga atualmente a Secretaria Municipal de Educação. No entorno, vagões abandonados enferrujam. Sem manutenção, parte da estrutura do muro do parque ferroviário desabou.

A cidade cresceu e se modificou bastante nas últimas décadas. Trilhos ainda cortam avenidas e fazem lembrar dos trens. Saudosistas divulgam imagens da internet com registros históricos  do transporte ferroviário. Além da Estação Leopoldina, outro marco do período em Campos é a Ponte Nilo Peçanha sobre o Rio Paraíba do Sul.  Em 2007, durante alguns meses, campistas puderam contar com um trem urbano de passageiros  que fez a linha Centro-Guarus, enquanto a Ponte General Dutra era reconstruída após desabar em uma enchente naquele ano.

Estações em ruínas

Antiga Estação no Distrito de Santo Amaro (Foto: Ocinei Trindade)

Além da Estação Ferroviária Leopoldina, Campos possui outras estações que funcionavam em distritos distantes da área central. A maioria das construções está em péssimo estado. No distrito de Santo Amaro, desde que a ferrovia deixou de ser utilizada, moradores esperam pela recuperação do prédio. Durante vários governos, cogitou-se transformar o local em centro cultural, como foi  realizado com a estação do distrito de Goytacazes.

Em uma conversa com residentes de Santo Amaro mais velhos, todos têm alguma história para contar sobre o trem na localidade. “Aqui era a última estação antes de chagar à praia do Farol de São Thomé. Ir a cidade de trem era um acontecimento. Tenho as melhores recordações”, conta Marilene Ferreira.  Outro morador que tem muito viva a memória do trem é o aposentado José Pinto Ribeiro. “Eu morei em Friburgo, mas voltei para Santo Amaro. O  trem era uma maravilha para ir a cidade. Lá, eu tomava outro trem para o Rio”, revela.

No Museu Histórico de Campos há uma exposição permanente sobre parte da história da ferrovia em Campos. A historiadora Graziela Escocard comenta o passado, mas vislumbra o futuro com a possibilidade de retomada das atividades.  “Há projeto de ligar portos fluminenses e capixabas.  Em julho, durante audiência pública  foram colhidas propostas das entidades da sociedade civil organizada para serem analisadas. Segundo a Agência Nacional de Transito e Transporte, o projeto de concessão ferroviária exigiriam obras orçadas em R$ 7 bilhões”, comenta.

 

Força de trabalho

Ferroviário aposentado Elias Bernardo (Foto: Reprodução)

O aposentado Elias Bernardo trabalhou por 35 anos na Rede Ferroviária Federal. Aos 87 anos conta que foi feitor de linha, supervisor e  “professor”  sobre o transporte em Campos e em Cachoeiro de Itapemirim (ES). “Foram serviços prestados com muito suor e alegria. A importância da Leopoldina era reconhecida por todos”, cita. Um momento que marcou bastante seu ofício foi quando o então funcionário recebeu uma tarefa que parecia impossível.

“O meu chefe, o engenheiro Jomar Vítola da Hora, disse que no  km 381 houve o  tombamento de uma máquina com vários vagões de cimento. Eu teria que colocar tudo nos trilhos. Planejei um desvio com uns 40 trabalhadores. Construímos um trecho de  100 metros de linha para retornar com a máquina para a linha principal. Em dois dias inteiros e uma noite, o trem estava novamente nos trilhos”, conclui.