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Vítima condena Lei Maria da Penha

Mulheres agredidas em 2019 dizem não ter o que comemorar no aniversário de 14 anos da lei; casos não foram julgados

Justiça
Por Mariane Pessanha
9 de agosto de 2020 - 0h01

Cintia Maciel | Médica foi espancada pelo namorado lutador Francinei

Na última quinta-feira (7), a Lei Maria da Penha completou 14 anos. Mas, para quem já foi vítima de violência e precisou do apoio da lei, não há muito que comemorar. É o caso da corretora de imóveis Adriana Cristina dos Santos. Ela foi agredida pelo ex-marido, o policial militar Willian França Viana, em outubro do ano passado. Até agora, o caso não foi julgado e Adriana diz que em nenhum momento ela se sentiu protegida pela Maria da Penha.

“A única coisa que aconteceu durante esse período foi uma audiência para que eu saísse do apartamento que era dele. Mais nada aconteceu. Em nenhum momento a Maria da Penha me deu apoio psicológico. Tive minha vida exposta na mídia. Fiquei em estado de choque por tudo que passei. Depois da agressão ele ainda ameaçou a mim e a minha família e eu não recebi nenhum suporte da lei. Em momento algum eu me senti protegida ou segura pela Maria da Penha”, garante Adriana.

Adriana foi agredida em um prédio na Rua Voluntários da Pátria, no Centro de Campos. A vítima sofreu ferimentos quando o suspeito bateu a cabeça dela várias vezes no chão durante uma briga. Dois dias após ter agredido a companheira, o sargento Willian França Viana, que é policial do Batalhão de Campos e que havia fugido, se apresentou à polícia. Ele foi afastado do trabalho de rua, mas continua trabalhando administrativamente. Segundo informações da Polícia Militar, ele se apresentou junto com um atestado médico psicológico e teve a arma recolhida.

Mais um caso sem solução

Outra que também não teve o processo julgado foi a médica Cíntia Silva Maciel, que foi agredida pelo professor de artes marciais Francinei Gonçalvez Farinazo, em agosto do ano passado. De acordo com o advogado dela, Luiz Felipe Gomes Pinto, até hoje nenhuma audiência foi realizada. Ele diz ainda que a pandemia também contribuiu para atrasar ainda mais o andamento do processo. “Peguei o caso recentemente e estou tentando dar andamento, para que seja marcada uma audiência o mais rápido possível”, conta o advogado.

Na época, Cíntia falou à equipe de reportagem do Jornal Terceira Via, que se relacionava com o professor de artes marciais há cerca de cinco meses e que a agressão teria acontecido após três fins de semana de brigas consecutivas.

“Estávamos brigando todo fim de semana. No sábado, havíamos ido, junto com uma das minhas primas e amigas, a um restaurante de comida japonesa. É um local que frequento há muito tempo e em que todo mundo me conhece. Ele havia bebido muito e ficou irritado depois que um garçom trouxe algo para eu beber e se desentendeu com o garçom”, disse a médica.

Adriana Cristina | Agredida pelo marido policial militar William França

“Lei é boa”

A presidente da OAB Mulher, Kelly Viter, diz que as mulheres que não se sentem protegidas ou que acreditam não terem recebido assistência psicológica ou jurídica através da Maria da Penha podem se dirigir a redes de apoio como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) ou a Defensoria Pública, que encaminham à vítima para o apoio social ou jurídico.

“A Lei Maria da Penha é boa. O problema é que depende de muita coisa do serviço público, que muitas vezes não dá conta. Esbarra na quantidade de servidores, que são poucos. Além do mais, Campos é uma cidade que já deveria contar com um Centro Especializado de Atendimento à Mulher. O Centro daria essa assistência social e jurídica às mulheres”, destacou Kelly.

Campanha Sinal Vermelho

Ela cita ainda que as mulheres vítimas de violência doméstica podem pedir ajuda em farmácias cadastradas na campanha “Sinal Vermelho”. A ação é vinculada ao Conselho Nacional (CNJ) e à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e, em Campos, conta com o apoio da OAB junto com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social.

A campanha conta com cerca de 10 mil estabelecimentos cadastrados em todo país. O objetivo é incentivar as vítimas a denunciarem os abusos por meio do desenho de um ‘X’ na palma da mão. De acordo com Kelly, em Campos, as grandes redes já aderiram à campanha. Ela cita ainda o Projeto Justiceiras, de cunho nacional, criado pela promotora Gabriela Mansur. Através do WhatsApp (11) 99639-1212, a vítima manda uma mensagem e preenche uma espécie de formulário onde será identificada a necessidade da vítima no momento. Ela é encaminhada para uma das voluntárias do projeto.

“Não temos uma base em Campos. A mensagem cai no sistema e ela é direcionada para um atendente. Em todo Brasil já foram atendidas mais de 700 mulheres, eu sou uma das integrantes. Onde o poder público não chega, temos essa ajuda da sociedade civil. Vale ressaltar que este é um ano eleitoral e as mulheres devem pesquisar e votar em candidatos que tenham políticas públicas voltadas para mulheres”, diz Kelly.

OAB | Kelly Viter defende a lei

Lei Maria da Penha

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha entrou em vigor 45 dias depois para coibir a violência contra a mulher. O nome da lei foi dado em homenagem à farmacêutica Maria da Penha, que sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido e ficou paraplégica. Após anos passando por situações de violência, Maria da Penha conseguiu denunciar o agressor. Ao longo de seus 14 anos a lei passou por mudanças, que vão desde o atendimento das mulheres vítimas de violência até a tipificação do crime de descumprimento de medida protetiva. A maior parte das alterações foi realizada nos últimos anos, por meio da edição de novas normas com vistas a coibir a violência doméstica.

Lei na matriz curricular

Desde fevereiro deste ano a Lei Maria da Penha faz parte da rotina escolar dos estudantes. A Indicação Legislativa é do Vereador Cláudio Andrade, (Processo nº 1919/2019) e dispõe sobre a inclusão, na matriz curricular das escolas públicas e privadas do Município de Campos dos Goytacazes, da matéria “Lei Maria da Penha”, direitos e proteção à mulher, publicada no Diário Oficial do município, no dia 24 de janeiro. A Indicação foi aprovada por unanimidade durante sessão plenária em agosto do ano passado.