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“Novo normal” deve ser o velho anormal de sempre

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Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
19 de julho de 2020 - 0h01

​Superado esse momento de fragilidade é que veremos se a sociedade será, de fato, mais solidária, ou isso vai ficar para trás junto com a pandemia 

Como será o mundo pós-pandemia? A pergunta, não obstante antecipatória de um estado de coisas que mais se aproxima do desejo… da fervorosa vontade de todos, do que da realidade propriamente dita – vem, cada vez com mais intensidade, sendo repetida.

Diz-se ‘antecipatória de um estado de coisas’ porque, a julgar pelos números coletados e projeções desenhadas, o “pós”, no momento – mesmo não sendo um arroubo – reflete o sentimento de cada um.

Afinal, na semana passada, a pandemia se agravou nos EUA, com projeções de que venha superar a marca dos 150 mil óbitos na primeira semana de agosto. Na Europa, países receiam uma segunda onda, enquanto o Brasil registrou crescimento na média móvel de novas mortes, ultrapassou a linha de 2 milhões de casos diagnosticados e se aproxima de 80 mil óbitos.

Assim, apesar da estabilidade vista em alguns estados daqui e de outros países darem a sensação de que a doença estaria na reta final, os números e as mudanças repentinas ainda são, além de instáveis, significativamente severos.

Mas, voltando ao eixo da matéria, que não cuida de aferir em que escala a Covid se encontra, ou se as flexibilizações estão acontecendo no tempo certo ou prematuramente, – fato é que um dia a pandemia vai embora. Mais cedo ou mais tarde, vai passar. Neste particular é que se especula como será o mundo do pós-pandemia e que mudanças a sociedade vai adotar no ‘novo normal’.

Que teremos um modus-operandi comportamental diferente, não resta dúvida. Mas, para além dos cuidados que miram no bem estar de cada um e de suas famílias – particularmente na manutenção das medidas preventivas que ajudem a combater qualquer tipo de contágio por velhos e novos vírus – será preciso esperar para ver se o ‘novo normal’ alcança o próximo, ou, bem mais curtinho, se vai olhar apenas para o próprio umbigo.

Realidade e fantasia

Numa visão idealista e até romântica, tudo vai mudar. Seremos todos solidários, precursores de uma sociedade mais consciente, de efetiva responsabilidade social e incansáveis na luta contra a desigualdade. Uma sociedade de empatia, de inclusão e de aproximação de todos com todos. Será?

Ou, quem sabe numa visão mais realista – talvez pessimista –, o ‘novo normal’ se restrinja ao que estamos proclamando agora, em tempos de fragilidade, para, depois de passada a pandemia, voltarmos às velhas rugas – ao ‘nosso normal’ –, deixando para trás, junto com a pandemia, o discurso da fraternidade.

Máscara, sabão e álcool em gel – É bem provável que o ‘novo normal’ fique em definitivo na mudança de hábitos, na rigidez com a higiene, na maior inclusão digital, na valorização do interior em detrimento à metrópole e coisas do gênero. A máscara é o novo acessório e o álcool em gel o ‘companheiro’ inseparável. Mas, daí para uma sociedade que enxergue o necessitado e vise o coletivo, são outros quinhentos.

Ver ao redor e enxergar seria um ‘novo normal’

O mundo vive como sempre viveu: dando normalidade à anormalidade. O Brasil não é diferente. Se, afora os aspectos citados acima – que compõem o bloco do ‘Eu comigo mesmo’, preocupado unicamente em manter o bem estar nas fronteiras dos próprios muros – ocorram mudanças nas quais a sociedade acolha o desabrigado, enxergue o vulnerável, o que vive abaixo da linha da pobreza, o que morre de fome e frio, e que se manifeste com coragem na luta contra a injustiça social, – então teremos um ‘novo normal’ de verdade, institucionalizado como apregoam.

O combate teria que ser firme e constante contra uma palavra: desigualdade. Como tal, exigiria cobrança ampla e irrestrita junto ao setor público para que, como gestor maior, viesse a colocar em prática uma ampla política de Saneamento, de Saúde, de Educação, de Segurança, de Emprego, de Habitação, de proteção aos menos favorecidos e assim por diante.

Para tanto, não se poderia trocar o voto por emprego, por cargo para o filho, por privilégio e até por tapinha nas costas. Porque o voto dado por esses e tantos outros motivos inferiores é que faz com que tenhamos políticos incompetentes e corruptos ocupando postos-chaves em todas as esferas de governo.

Essa desejada mudança não seria da noite para o dia nem num piscar de olhos. Mas, para que o ‘novo normal’ não venha a se transformar no anormal de sempre, é preciso que se dê o primeiro passo.

De outra forma, continuaremos a olhar para o outro lado fingindo não ver as famílias que moram debaixo de pontes, as crianças que pedem esmolas nos sinais, os vulneráveis que buscam uma calçada com marquise para dormir e o aumento desenfreado de favelas.

Ou, pior: que enxerguemos a miséria absoluta, mas a tomemos como paisagem comum e corriqueira – o velho e devastador ‘normal’ de sempre.