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Repensando os Monumentos…

por Graziela Escocard

(Foto: Graziela Escocard)

O que é afinal um monumento? Monumento, do latim monumentum, significa advertir, lembrar. É um tipo de construção que foi especialmente encomendada para perpetuar a lembrança da comemoração de uma pessoa ou fato memorável que se tornou relevante para um grupo social como parte de sua memória. Os monumentos incluem estátuas, bustos, efígie, memoriais de guerra, edifícios históricos e sítios arqueológicos. Se houver interesse público em sua preservação, um monumento pode se perpetuar por muito tempo.

Nestes últimos dias, a mídia chamou a atenção para os monumentos, a partir de uma série de manifestações antirracistas, devido à morte de George Floyd, homem negro brutalmente assassinado por um policial branco em Minneapolis – EUA, em 25 de maio. Com diversas manifestações em curso por todo o mundo, algumas estátuas passaram correr o risco de vandalismo.

Tudo teria começado no dia 07 deste mês, na cidade de Bristol, Inglaterra, quando os manifestantes derrubaram a estátua de Edward Colston (1636-1721), um dos maiores mercadores de escravos da Idade Moderna. Fato que será inscrito nos próximos livros de história, pois se tratou de uma ação muito significativa, uma vez que o personagem histórico em questão acumulou fortuna com o tráfico de africanos submetidos ao trabalho escravo nas Américas. A presença dessa estátua deveria causar um incômodo para os moradores da cidade que, na comoção gerada pela manifestação, realizaram tal ato e se inseriram coletivamente na história.

(Foto: Aline Souza)

Após esse fato, outras ações foram desencadeadas contra alguns monumentos que foram demolidos, pichados e até decapitados. Me pergunto: tais atitudes seriam uma forma de reparação da história ou vandalismo? O tema realmente divide opiniões, mas o importante é que trouxe à tona o debate sobre a construção da memória e da representatividade. A legitimação e sacralização da memória por meio dos monumentos pode acender a violência simbólica provocada por meio do epistemicídio – termo utilizado para designar o apagamento da cultura e história de grupos étnicos como negros, quilombolas, indígenas, entre outros.

E, no caso do Brasil, como pensar os inúmeros monumentos e símbolos da colonialidade presentes em suas diversas cidades? Em Campos dos Goytacazes, temos diversos monumentos, estátuas e bustos que homenageiam indivíduos que marcaram presença na história regional e até ganharam dimensão nacional. Cabe ressaltar que os monumentos aqui de nossa cidade começaram a surgir após a República – forma de governo vigente no Brasil desde 15 de novembro de 1889. Isso nos salvou de possuir representações materiais acerca da memória de indivíduos de índole hoje questionável pela historiografia.

(Foto: Aline Souza)

No entanto, possuímos emblemáticos monumentos suscetíveis de serem questionados, como o Memorial da Abolição, cena escultórica do campista, abolicionista – José do Patrocínio, o então conhecido “Tigre da Abolição”, acompanhado de uma mulher negra, uma criança com traços indígenas e da Princesa Isabel, chamada de “A Redentora”, do escultor Joás Pereira dos Passos. Tal monumento, que está localizado atualmente na Avenida Alberto Torres, na Praça do Canhão, carrega a simbologia do fato histórico da assinatura de Lei Áurea em 13 de maio de 1888, no qual o Estado deixou de reconhecer o direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Fato este que sabemos hoje não ter representado a abolição definitiva. O fim da escravidão legal no Brasil não foi acompanhado de políticas públicas e nem de mudanças estruturais para a inclusão dos trabalhadores, que continuaram sendo explorados de formas bem semelhantes ao período do cativeiro.

Nesta perspectiva, precisamos questionar o discurso enaltecedor de personalidades da nossa história, desmistificando todo o processo e contexto histórico do monumento. Para tanto, o Memorial da Abolição, em Campos, precisa urgentemente ser ressignificado, divulgado e preservado. Chego à conclusão que não será a sua destruição, ou a retirada simplesmente da figura representativa da Princesa Isabel da cena, que irá proporcionar uma reparação. É necessário manter os signos e símbolos questionáveis para uma continua reflexão de nossas feridas!

 

Graziela Escocard – Historiadora e Diretora do Museu Histórico de Campos dos Goytacazes.

Instagram: @grazi.escocard

E-mail: grazi.escocard@gmail.com

Cel.: 22 999391853