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Mãe de autistas denuncia preconceito aos filhos durante a quarentena

Autônoma vive confinada em apartamento popular com três autistas de 7, 18 e 20 anos

Campos
Por Redação
23 de maio de 2020 - 10h22

O período da quarentena tem sido difícil para muitas pessoas, mas para a autônoma Lúcia Charles, mãe de três filhos especiais, de 20 anos, 18 anos e 7 anos, está sendo ainda mais complicado. Elas e os três filhos estão confinados no apartamento de um condomínio residencial popular, no bairro Jóquei Clube. Segundo ela, cumprindo as medidas de isolamento social desde o dia 20 de março e sem ter como frequentar os serviços de apoio dos quais participam, por causa da pandemia, os três ficaram mais agitados e os ruídos que fazem dentro apartamento estão incomodando os vizinhos. O proprietário do imóvel, que o alugou para Lúcia, chegou a receber uma notificação do síndico do condomínio em que citava “barulho excessivo na madrugada do dia 30/04”.

“A rotina dos meus filhos mudou completamente e estou fazendo de tudo para que eles fiquem bem, mas as pessoas precisam entender que eles são crianças autistas. Uma moradora alegou que está sofrendo psicologicamente por causa do barulho e foi então que o síndico fez contato comigo. Ele foi super ignorante e arrogante, me pediu para ‘resolver o problema do barulho dos meus filhos’, e que temos que cumprir o que determina as regras do condomínio. Eu disse que as pessoas têm que entender que existe a lei que protege o autista, mas ele ressaltou que temos que nos adequar às regras do condomínio”, desabafou.

Lúcia alega ainda que está sofrendo pressão por parte de outros moradores do bloco e que está sendo constrangida a desocupar o imóvel.

“O proprietário do imóvel está ao meu lado e me dá apoio, mas estou sendo constrangida por moradores. Só que eu estou impossibilitada de procurar outro lugar para morar. Como eu vou me mudar nessa pandemia? Além disso, tirar eles do ambiente onde eles estão, mexe muito com a cabeça deles. Eu procuro mostrar para as pessoas as necessidades dos meus filhos e as necessidades dos autistas, mas é complicado. As pessoas acham que crianças normais podem pular, fazer barulho, podem tudo, mas o autista não pode nada”, lamentou.

Lúcia criou uma página nas redes sociais para mostrar a rotina dos filhos e tentar sensibilizar a sociedade sobre os cuidados com o autista.

Apape se posiciona

A presidente da Associação de Pais de Pessoas Especiais (Apape), Naira Peçanha, viu uma postagem que a Lúcia fez nas redes sociais sobre o caso e ofereceu ajuda da instituição. Naira garantiu que a Apape prestará assistência jurídica e apoio necessário a Lúcia.

“As crianças precisam de atendimento diário e não estão tendo por causa da quarentena. Com essa falta dos estímulos, eles sofrem e nesse processo eles começam a bater com a cabeça, com a mão no chão para tentar se regular. Eles acordam de madrugada e fazem esses movimentos, que incomodam os vizinhos. Cabe ressaltar que a Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência nº 13.146/2015, no artigo 8º, diz que é dever do Estado e da sociedade dar o direito à vida, saúde, assistência, liberdade, convivência comunitária, entre outros, a estas pessoas. A lei garante o espaço dessas pessoas na sociedade”, explicou a presidente da Apape.

Ainda segundo Naira, a equipe jurídica da Apape entrou em contato com o síndico do prédio que ainda assim continuou a afirmar que vai multar Lúcia por causa dos barulhos provocados pelos filhos.

Para Naira, o problema tem solução. “Uma convenção do condomínio precisa ser formulada de forma que atenda a sociedade como um todo, não uma parte dela. Esse é um caso para fazer denúncia junto ao Ministério Público, para judicializar. O que a mãe desejar fazer, a Apape vai estar ao lado dela, inclusive com nosso apoio jurídico. As crianças têm direito à vida social. A Constituição prevê isso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê, mas as pessoas passam por isso como se não existisse. Onde está a empatia que tanto estamos falando nesse momento? Onde está o amor ao próximo e o respeito pelas diferenças?”.