×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Queimadas preocupam ainda mais em tempos de coronavírus

Poluição do meio ambiente causada pela colheita da cana queimada pode agravar saúde da população e facilitar penetração de vírus nas mucosas

Geral
Por Ocinei Trindade
10 de maio de 2020 - 0h01

Por Aloysio Balbi, Girlane Rodrigues, Ocinei Trindade

Crise econômica e o problema mundial de saúde pública devido ao novo coronavírus. Apesar da gravidade, alguns setores estão reagindo. É o caso da área agrícola nacional com aumento previsto em distintas áreas. Em Campos dos Goytacazes, o setor de produção de açúcar e etanol prevê em 2020 crescimento da safra e geração de empregos. Por outro lado, a questão da Covid-19 e das queimadas de cana ainda são permitidas por lei na colheita, mas preocupam especialistas da área de saúde. As infecções respiratórias aumentam neste período do ano.

O médico sanitarista César Ronald afirma que toda a irritação das mucosas das vias respiratórias facilita a penetração viral. Quem tem influenza, alergias e viroses tem mais possibilidade de instalação do coronavírus nas mucosas nasal e da laringe. “A fuligem tem dois tipos de partículas. As menores penetram nas vias aéreas, traqueia e brônquios. Cardiopatia, doenças pulmonares e diabetes são fatores de riscos para aumentar a gravidade e os riscos de Covid-19”, diz.

A previsão da indústria da cana-de-açúcar é que, em 2020, a produção aumente em até 40% devido as condições climáticas favoráveis dos últimos meses, época de plantação e cultivo da cana no campo. Apesar disso, uma ação do Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro expediram uma recomendação para que os municípios de Campos e São Francisco de Itabapoana reforcem suas barreiras sanitárias para impedir a entrada de trabalhadores do corte de cana vindos de outros estados. A preocupação dos órgãos é com a propagação do coronavírus e a contaminação desses trabalhadores. Na última semana, um ônibus com 90 trabalhadores foi obrigado a voltar para Minas Gerais.

De acordo com a procuradora do trabalho, Sarah Golgher, a recomendação vai continuar. “Essa medida visa a proteção dos próprios trabalhadores do corte de cana, em sua maioria, homens de baixa instrução, com poucas opções de trabalho. Em safras anteriores, já identificamos a superexploração dos trabalhadores do corte de cana, não pagamento das verbas trabalhistas devidas, alojamento em péssimo estado, ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de assistência a saúde dos trabalhadores, que também não tinham sequer banheiros nas frentes de trabalho e por isto faziam suas necessidades fisiológicas no mato”, afirmou Sarah.

Fuligem – Riscos ao meio ambiente

O biólogo e professor José Carlos Lyrio Júnior afirma que a fuligem polui o ar e traz sérios problemas respiratórios. “No local da queima ocorrem afugentamento ou morte de alguns animais, além do empobrecimento do solo”, diz. Para o pesquisador, deve ser cumprida a lei que obriga agricultores a tomarem medidas necessárias para redução gradativa da prática de queimadas.

“Em Campos, nas lavouras já implantadas, as áreas são passíveis da mecanização da colheita. A extinção da colheita da cana queimada terá que ocorrer até 2020. Existem estados onde não têm áreas passíveis de mecanização, e terão até 2024 para se adequarem. Com a substituição da queimada da palha da cana de açúcar pela colheita mecanizada, se faz a substituição da irrigação desse solo de sucos para gotejamento. O armazém da água é o solo. Com água na quantidade e tempo certos para a vegetação. Isso evita desperdício de água que é muito importante para o meio ambiente. O solo perde os principais nutrientes por causa de queimadas. Com isso, o agricultor perde mais tempo e recursos para recompor o solo por meio da adubação”, explica.

A Lei 5.990 de junho 2011 estabelece um prazo para a erradicação da queimada no Estado do Rio de Janeiro, que é 2020 para lavouras implantadas em áreas passíveis de mecanização da colheita e 2024 para áreas não passíveis de mecanização. Pelo cronograma previsto, a mecanização da colheita deve ser 20% até o ano de 2012; 50% até o ano de 2014; 80% até o ano de 2018 e 100% até o ano de 2020. Compete ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) fiscalizar usinas e produtores rurais sobre o cumprimento da legislação.

Doenças respiratórias e Covid-19

O médico alergista Carlos Hamilton Oliveira considera que neste ano devido às medidas de isolamento social, podem haver alterações quanto à intensidade e prevalência de doença alérgica no outono-inverno. “Clima seco, baixas temperaturas e queimada de cana são fatores que influenciam grandemente no aparecimento das alergias. Com o confinamento social, por outro lado, temos a diminuição da emissão de poluentes tornando nosso ar mais saudável”, avalia.

A pandemia de Covid-19 é preocupante para quem tem problemas de alergia e infecção respiratória. De acordo com Carlos Hamilton Oliveira, as comorbidades têm que ser vistas por vários aspectos, intensidade, tempo de doença e idade do paciente.

“Não se observa maior morbiletalidade nas pessoas com doença controlada e com acompanhamento médico. Deve-se manter o uso regular das medicações principalmente nos portadores de asma brônquica. O uso das máscaras de forma correta vai diminuir as chances de infecção pelo Covid-19. Isto ajuda a diminuir o número de internações. A transmissibilidade do coronavírus é alta e o risco maior só vai ser diminuindo com o uso de vacinas”, considera.

Enquanto não há vacina e medicação específica contra o novo coronavírus, Carlos Hamilton defende que as pessoas estejam em locais sempre arejados, limpos e com a presença da luz solar. Se o clima estiver seco, usar umidificadores ou balde com água. “Manter a vacinação da gripe e medicações para alergia em dia, conforme orientação médica”, diz.

Na avaliação do sanitarista César Ronald, o município de Campos está ainda no início da curva epidêmica do vírus. “Na Espanha e na Inglaterra já se atingiu o limiar epidêmico. Acho um crime pregar o fim do isolamento social antes de se atingir o limiar, ou seja, sem que haja tantas pessoas resistentes, fazendo com que o vírus não circule mais com facilidade. Isso deverá diminuir o número de casos e de óbitos”, conclui.

Crédito: Mayke Toscano/Gcom-MT
Colheita da cana de açúcar em Mato Grosso.

Previsão econômica

Na Usina Nova Canabrava, no limite de Campos e São Francisco de Itabapoana, o diretor Rodrigo Oliveira diz que o parque fabril da unidade opera dentro dos padrões estabelecidos pela legislação estadual e pelo Termo de Ajustamento de Conduta feito com o Ministério Público, onde se prevê o fim definitivo das queimadas em 2024.

Rodrigo Oliveira afirma que a usina opera com um esquema de filtros para impedir a emissão de fuligem. “Cerca de 70% da cana esmagada sendo crua, a emissão destes resíduos caiu de forma acentuada na região. Quando esse TAC foi firmado eram quatro usinas em operação. Hoje são apenas duas”.

Para Frederico Paes, presidente do Sindicato dos Produtores de Açúcar e do Álcool do Norte Fluminense, e da Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro (Coagro), a empresa desenvolve a colheita mecanizada, mas alega que a situação dos pequenos produtores preocupa.

“Fizemos parceria com uma universidade alemã para desenvolvimento de máquinas compactas que atuam em áreas menores. Grandes máquinas não atuam em pequenas áreas. Queremos minimizar as dificuldades com pequenos produtores. Adotamos a colheita de cana crua cortada à mão este ano para evitar a queima”, diz.

Foto: Rogério Paiva / Ascom MPT

A indústria sente os efeitos diretos e indiretos causados pelo novo coronavírus, já que preços do açúcar e do álcool foram impactados pela pandemia de Covid-19. O tipo de contratação foi afetado. “Deixamos pessoas do grupo de risco afastadas ou de férias, como funcionários acima de 60 anos, como doenças pré-existentes. Ninguém foi demitido, mas estamos procurando mecanismos. Distribuímos máscaras antecipadamente, desinfetando ônibus, usando álcool gel no ambiente de trabalho; cuidados devidos e básicos para não haver contaminação”, explica Frederico.

A produção da safra este ano deve superar em até 40% a do ano passado por causa do bom período de chuvas. Até novembro, as usinas Sapucaia e Canabrava devem moer 1,5 milhão de toneladas de cana de açúcar com geração de pelo menos três mil empregos diretos e injeção de R$250 milhões na economia local.

“Mesmo com o impacto do coronavírus, o setor sucroalcooleiro não será afetado com desemprego, apesar do Brasil e do mundo sofrerem. Estamos na contramão gerando renda e postos de trabalho na região. É bastante gente que vive só da agricultura. Há cerca de 4.500 produtores que fornecem para a Coagro, além de outros 3 mil para a Canabrava”, diz Frederico Paes.