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Redemocratização, na prática, começou em 22 de abril de 1985, no primeiro dia de trabalho de Sarney, pós feriado

Importante relembrar esses fatos no momento em que manifestações pedem “volta ao AI-5”

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
22 de abril de 2020 - 18h02

Três datas foram determinantes para que o Brasil se livrasse do regime dos generais e voltasse a respirar o tão sonhado ar da liberdade e da democracia, confiscado no golpe de 31 de março de 1964.

1) 15 de janeiro de 1985, quando a chapa Tancredo Neves-Sarney venceu a eleição indireta para a presidente da República, no Colégio Eleitoral;

2) 15 de março, quando José Sarney assumiu como interino a Presidência, face à internação hospitalar de Tancredo no dia anterior à posse, em 14 de abril, para procedimento cirúrgico que vinha adiando justamente para que pudesse ser empossado;

3) Por fim, em 21 de abril daquele ano, Tancredo não resistiu às sucessivas intervenções cirúrgicas e faleceu. Sarney assumiu definitivamente o cargo de mandatário do Brasil mas, por se tratar de feriado nacional, só em 22 de abril subiu a rampa do Planalto para seu primeiro dia de trabalho, como 31º presidente do Brasil.

Momento de alerta ­– Nada há de concreto de que o Brasil dê sinais de que uma nova ditadura esteja sendo orquestrada, da qual levou 21 árduos anos para se livrar. Contudo, além do fato histórico de singular importância, reportado neste abril pelos principais órgãos da imprensa, telejornais e sites jornalísticos, evidencia-se perigosamente claro os movimentos que pedem intervenção militar, com fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Mais ainda, falam em retorno ao Ato Institucional Nº 5, ao que parece sem conhecimento do que foi o fatídico AI-5, de nefasta negação às garantias fundamentais e individuais mas que, também, proibia manifestações. Ou seja: aqueles que se estão se manifestando pedindo o AI-5, não sabem que o instrumento ditatorial proibia manifestações.

Prioridade – Quando todos os esforços estão concentrados no combate à pandemia da Covia-19 (apesar do silêncio do novo ministro da Saúde, que assumiu o ministério e passou a não disponibilizar à população informações que todos têm o direito de ter), – não há espaço para se discutir a democracia. De mais a mais, a ala militar que dá sustentação ao presidente já se manifestou frontalmente contrária ao retrocesso.

Tancredo Neves

Mais ainda, acredita-se que nem o próprio Bolsonaro queira, na verdade, rasgar a Constituição. Tem lá suas atitudes totalitárias (as quais não escondia desde a eleição), mas, também, mostra grande distância entre o que fala e o que faz – desfazendo no dia seguinte o que “conclamou” na véspera.

História – No governo João Figueiredo, a Arena, partido do regime dos militares, foi substituída pelo PDS, que para dar maior legitimidade à eleição indireta de 1985 no Colégio Eleitoral. O candidato, então, era o ministro Mário Andreazza.

Ocorre que Paulo Maluf resolveu disputar a indicação, espécie de prévia, derrotando Andreazza, e, já naquela época apresentando grande rejeição, provocou dissidência no partido apoiado pelos militares.

Dessa dissidência surgiu a figura de José Sarney, presidente do PDS e de longa data amigo do regime, que engajou-se na chapa oposicionista, liderada por Tancredo Neves.

Numa mudança radical, Tancredo Neves foi eleito e a posse marcada para 15 de março. Os relatos, não divulgados na época, constam que Tancredo, já com problemas de saúde, retardou a cirurgia com medo que Figueiredo não desse posse a Sarney.

O mineiro, ex-ministro de Getúlio, ex-deputado, ex-senador e ex-governador de MG, só aceitou a internação quando recebeu de Leitão de Abreu, então chefe da Casa Civil, o compromisso de que Figueiredo – homem de palavra – daria posse a Sarney.

Daí a concordância de Tancredo em ser internado na véspera da posse, contando, possivelmente, que assumiria o Planalto assim que tivesse alta – o que não se confirmou, tendo sua morte suscitado estado de comoção no povo.

Tancredo tinha 75 anos. Era conhecido por ter ‘saúde de ferro’, mas, conforme até hoje se especula, os procedimentos cirúrgicos foram uma sucessão de erros.